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3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.11 Considerações gerais sobre o efeito

Segundo Nord (2016, p. 228) o efeito é uma “característica de análise textual direcionada ao receptor”, que compara os fatores intratextuais do TA com suas impressões obtidas a partir da análise dos fatores extratextuais. O resultado destas duas análises gera o que a autora chama de “efeito”. Nesse sentido, o efeito é resultado do processo de comunicação quando o público receptor, de alguma forma, está sujeito a esboçar uma reação sobre esta comunicação. Ou seja, o texto tem de ter uma ligação direta ou indireta como os receptores.

Quanto mais impressionável é o teor da comunicação, mais efeito este causará sobre o receptor. Um mandado judicial de prisão, por exemplo, se for recebida pelo advogado do acusado, gerará nele, advogado, as expectativas de como será articulada a defesa de seu cliente. Cada linha de fundamentação que o juiz expõe para justificar a prisão preventiva do acusado servirá como uma base de estudo da defesa técnica que este receptor preparará em favor do cliente. No entanto, se esta mesma mensagem for lida pelo acusado, o efeito imediato que este texto causará será consideravelmente emocional.

Pelo exemplo acima, podemos então entender que um dos fatores essenciais para a existência do efeito no processo comunicativo é a soma da intenção do emissor com o conhecimento prévio que este tenha sobre os fatores situacionais (extratextuais) da mensagem. A própria estruturação de um mandado de prisão, quando o produtor do texto

88 emprega adequadamente os elementos semânticos e linguísticos, deve ser suficiente para produzir os efeitos esperados, dada a sua forma direta e imperativa.

A título de ilustração, reproduzimos abaixo um trecho de um mandado de prisão preventiva 59 onde poderão ser observados tais elementos intrínsecos. Muito embora esteja disponível para acesso ao público, por motivos éticos e de desnecessária exposição, foram apagadas as informações referentes à identificação das partes:

MANDADO DE PRISÃO PREVENTIVA

O Doutor [...] Juiz Federal da [...] Vara Federal Criminal, Subseção Judiciária de [...] Seção Judiciária do [...], na forma da Lei, etc.

M A N D A a quaisquer Autoridades Policiais a quem for este apresentado, indo por ele assinado, que em seu cumprimento, prendam e recolham à prisão, a pessoa conhecida por: [...]

Como se depreende do trecho em destaque, o verbo no imperativo e letras maiúsculas “MANDA” produz no receptor um efeito imediato: é uma mensagem que comunica uma ordem. O tipo de ordem fica bem expressa no próprio título do documento. Sendo o emissor uma autoridade judiciária que ordena “prendam e recolham à prisão”, não resta dúvida que se trata de um cumprimento que não comporta interpretações diversas com relação ao seu conteúdo. Por este motivo, TRD, ao iniciar o processo tradutório, deve levar em consideração o efeito que o TA terá de causar no receptor. Para tanto, deve este TRD atento “antecipar o efeito que o TA produzirá no público alvo, não importa que esse efeito, sempre definido pelo skopos da tradução, seja o mesmo que o TF exerce (ou exercia) sobre o receptor na cultura fonte ou não.” (NORD, 2016, p. 230).

Concluímos que essa antecipação adequada do efeito requer, por parte deste TRD no exemplo dado acima, um bom conhecimento dos elementos semânticos e linguísticos inerentes ao TA, antecipando seus efeitos, da mesma forma que o TF anteciparia no receptor, se este fosse receber o mandado de prisão em sua LF.

Em relação aos elementos extratextuais, o efeito que se espera seja causado no receptor exige do TRD conhecimentos das figuras retóricas e de como estas impactam na cultura fonte. Conhecendo bem essas figuras retóricas o TRD poderá compreender as intenções do emissor. Para tanto, segundo Nord, o TRD não deve confiar apenas em sua

89 capacidade de interpretação do TF, ou seja, na subjetividade própria de leitor, deve, em verdade, compreender o efeito que o texto objetivamente imprime no receptor do TF.

Ainda em relação ao efeito, a padronização das funções textuais comuns em documentos jurídicos, os quais, como já dito anteriormente, são em grande parte regidos por lei e, portanto, trazem elementos extratextuais e intratextuais pré-determinados, pressupõe também a padronização dos seus efeitos na LA. “Assim, ao escolher as características convencionais de um determinado gênero, o produtor textual espera que elas sejam reconhecidas pelo receptor como indicadores da função textual e produzam o efeito correspondente.” (NORD, 2016 p. 236). Retomando o trecho inicial do mandado de prisão preventiva acima, temos que o efeito que verbo no imperativo “manda” causa o leitor brasileiro será o mesmo se o TRD utilizar o verbo “it is ORDERED” também em letras maiúsculas. Tal escolha tradutória não nasce da simples intuição ou escolha subjetiva do TRD, mas sim de seu conhecimento das figuras retóricas comumente encontradas em sentenças e em mandados judicias.

No exemplo abaixo, no qual reproduzimos a parte final de uma sentença oriunda da Comarca de Ohio, nos EUA, podemos observar que os comandos imperativos vêm grafados em caixa alta:

Judgment 60

Now, therefore, based upon the findings set out above, it is hereby ORDERED, ADJUDGED and DECREED, commencing July 1, 2014, as follows: 61

Em contratos comerciais, como no caso do objeto de nossa pesquisa, o contrato de distribuição, por sua característica estilística padronizada, o efeito “se baseia, principalmente, na mensagem que comunicam e nas convenções linguísticas que atuam como um pré-sinal da função textual”. (NORD, 1996, p. 238). Nesse sentido, o texto tende a ter uma fraseologia 62 bem definida e que não comporta efeitos estilísticos diversos da linguagem padrão. Em outras palavras, qualquer tentativa de modificar a construção frasal de modo diverso do usual causará estranheza ao leitor, tanto na LF como na LA. Tal estranhamento representa um “erro de tradução” (NORD, 2016 p. 292) porque não ter alcançado os propósitos (escopo) da encomenda tradutória. Ainda nesse contexto, quando a mesma autora aborda as determinantes

60 Documento original pertencente ao acervo pessoal do pesquisador.

61“Portanto, com base na análise das provas, JULGO por SENTENÇA, a ser cumprida a partir de 1º de julho de

2014, o seguinte:” (tradução nossa)

90 intratextuais do léxico, vemos que as investigações sobre a etimologia das palavras e o estudo comparativo lexicológico podem ser de grande ajuda para resolver processos tradutórios. É o caso de um TF que traga expressões idiomáticas, figuras de linguagem, palavras compostas, acrônimos etc., os quais devem ser analisados sob o aspecto da semântica textual pelo tradutor especializado.

3.11.1. Efeito e distanciamento cultural

Quando Nord (2012, p. 92-93) discute efeito e distância cultural, demonstra que o TRD deve ficar sempre atento quanto à capacidade de o receptor do TA reconhecer a intenção presente no TA de forma a recebê-lo com a função desejada. O que não significa que o TRD tenha de utilizar sempre o estilo convencional. O emprego de novos “estilos” pode trazer um efeito bem mais funcional ao TA. O TRD não precisa tratar o receptor como alguém incapaz de entender neologismos, estrangeirismos ou estilos menos convencionais. Cabe ao TRD, em medida correta, introduzir ao receptor um texto com marcas culturais distintas daquelas que o mesmo se acostumou a lidar na LA.

Ao distinguir o efeito, a autora separa-o em três tipos: efeito intencional versus efeito não intencional, distância cultural versus distância zero e convencionalidade versus originalidade, nos chamou a atenção o segundo tipo de efeito, haja vista que o objeto de nossa pesquisa contempla dois mundos textuais distintos, qual seja os sistemas jurídicos anglo- saxão e o germano-romano.

Segundo a descrição do tipo II, a distância cultural, ou sua inexistência, dá ensejo a três possíveis relações que se efetivam a partir da comunicação intercultural (NORD, 2016 p. 237-238):

a. O mundo textual corresponde à cultura fonte. Isso significa que os receptores do TF podem associá-la ao seu próprio mundo (= distância zero), enquanto o receptor do TA não consegue fazê-lo (= distância cultural).

b. O mundo textual não corresponde à cultura fonte. Visto que os receptores do TF não são capazes de associá-la ao seu próprio mundo, o emissor deve descrever, explicitamente, as características desse mundo, descrição esta que irá também auxiliar o receptor do TA. Ambos guardam uma distância cultural do mundo textual, mesmo que em níveis distintos. Excepcionalmente, o mundo textual pode corresponder à cultura alvo, resultando em uma distância zero para o receptor do TA.

c. O mundo textual corresponde à cultura fonte, mas o emissor desculturalizou-o” ao transpô-lo, de maneira explícita, para um tempo e/ou lugar distantes (“Era uma vez em um reino muito distante...”). Essa estratégia confere generalização e reduz a relevância de detalhes culturalmente marcados no texto. O efeito pode ser, então, a distância zero tanto para os receptores do TF como para os do TA.

91 No decorrer de nossa pesquisa teórica, e durante o estágio de revisão de literatura, percebemos que a tônica dominante entre os teóricos pesquisados (SAID, 2011; CÁRNIO, 2010; MELLO, 2012; CASTRO, 2013; FEINMAN, 2006; ALCARAZ; HUGHES, 2014 e FONSECA, 2014) é de que o mundo textual dos contratos comerciais corresponde à cultura fonte e, quando recepcionados por leitores familiarizados com a terminologia jurídica 63 inexiste distância cultural. Porém, quanto ao receptor do TA, mesmo em se tratando de TRD com especialidade em tradução jurídica, o distanciamento cultural é inevitável, posto que se tratam de dois mundos jurídicos distintos: o common law e o civil law. Conforme visto em capítulo anterior.

Em relação ao distanciamento cultural, teremos ainda a oportunidade de aprofundar o tema quando formos abordar o tópico sobre distanciamento linguístico e cultural na visão de Eugene Nida (Subcapítulo 3.16). Contudo, é oportuno repisar aqui que na prática tradutória, o TRD necessita ter conhecimento suficiente sobre os dois sistemas jurídicos para não simplesmente reproduzir um texto formal próximo da LF por obediência ao princípio da fidelidade ao TF. O TRD “precisa saber exatamente qual tipo de efeito é exigido para permanecer igual” (NORD, 2016 p. 241). Portanto, é tarefa indispensável ao TRD que este busque diminuir a distância cultural para que não se inviabilize a preservação da interpretação do TA e sua intenção (efeito esperado no sistema jurídico da CF).