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3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.3 Tipologias textuais e métodos de tradução

Após abordarmos a função comunicativa através de seus elementos essenciais, vamos tecer algumas análises sobre as tipologias textuais orientadas à tradução, levando-se em conta a função comunicativa enquanto fator determinante para as estratégias de produção textual. Falaremos também sobre as convenções de gênero textual que, dependendo do propósito (escopo), trarão mais rigidez ou maior adequação entre a CA e a CF durante o processo de análise textual.

A tipologia textual na visão de Reiss (1971,2004) classifica os textos como (i) expressivos, (ii) persuasivos e (iii) referenciais. Depois, em 1976, ela os reclassificou da seguinte forma: (i) textos informativos, (ii) textos expressivos, (iii) textos operativos ou apelativos e (iv) textos sonoros. Como exemplo de textos informativos podemos citar um artigo publicado em um blog, ou revista eletrônica na Internet, cujo propósito seja noticiar um fato ou evento social. No segundo caso, um texto expressivo pode ser uma poesia, um conto ou qualquer escrito de característica literária. Como exemplo de texto operativo ou apelativo temos os anúncios publicitários ou de cunho sócio-político. Os textos sonoros ou audiovisuais são aqueles que requerem uma percepção mais aguçada dos sentidos da visão e da audição. É o caso de transmissões de notícias por meio de podcast, TV ou radiotransmissão.

Logicamente, dentro de nosso interesse de estudo, cabe aqui destacar que o gênero textual “contrato”, segundo o Capelotti22, é um texto do tipo injuntivo prescritivo, cujo objetivo é impor orientações que devam ser seguidas peremptoriamente. Em outras palavras, o contrato é um gênero de texto com linguagem predominantemente imperativa que dispõe sobre regras comuns aos integrantes do mesmo (as partes contratuais). Por exemplo, é comum encontrarmos na linguagem contratual as seguintes orações: “o distribuidor se comprometerá

52 a entregar a mercadoria em até 30 (trinta) dias após a aceitação do pedido”; ou “a oferta dos produtos, após o seu envio e aceite, obrigará o contratante em todos os seus termos”; ou ainda, “não poderá o contratado alegar prejuízo material, caso as mercadorias se deteriorem por culpa exclusiva do mesmo, gerada por inobservância dos cuidados de manutenção e conservação do produto, consoante o determinado pelo fabricante.” 23

Deixaremos claro, desde já, nossa inclinação à teoria funcionalista da tradução, razão pela qual não concordamos com a necessidade da fidelidade absoluta ao TF como princípio a ser observado pelo TRD. No entanto, devemos compreender que a avaliação de um processo tradutório tendo por base unicamente o TA é bastante limitada. Para uma avalição crítica mais substancial do processo tradutório é preciso que levemos em conta também o TF (REISS, 2004). Segundo a mesma autora, somente quando comparamos uma tradução com o seu original é que podemos avaliar se uma tradução está respeitando a intenção do autor, mantendo para com este uma fidelidade tal que seja capaz de determinar o êxito da transposição da mensagem para o TA. Para Reiss, particularmente, só é possível criticarmos e avaliarmos com pertinência uma tradução quando estamos de posse do TF, visto que somente assim poderemos conhecer sua tipologia, identificar a intenção do autor e avaliar se a tradução de está fiel a este TF.

No tocante ao processo tradutório, concordamos com a autora quando assevera ser de suma importância para qualquer tradutor que este saiba identificar o tipo de texto que irá traduzir. Nesse contexto, as características de cada tipo de texto, com seus elementos linguísticos e seus fatores não linguísticos, representam uma espécie de visão panorâmica que o TRD deverá ter, a qual o ajudará na sua própria avaliação sobre as tomadas de decisão das escolhas tradutórias. Curiosamente, segundo Reiss, (2004, p. 16) são estes mesmos fatores e elementos que, por criarem certa padronização textual, os críticos da tradução utilizam para avaliarem o êxito tradutório.

3.3.1 O modelo de Bühler

Quando Bühler desenvolveu o seu modelo (BÜHLER, 1979), ele identificou três funções textuais básicas: (i) a referencial, ou representativa, com forte carga de formalidade e mínimo de interferência emotiva; (ii) a expressiva, construído com a colaboração do sujeito; e (iii) a apelativa, que ao contrário da primeira, vem acompanhada de forte carga emotiva. Daí

53 se deduz que a linguagem se presta para comunicar uma ideia de forma objetiva, subjetiva ou apelativa.

Figura 4 - O modelo de Organon de Karl Bühler 24

Fonte: Bühler (1979 p. 48)

O círculo central simboliza o fenômeno acústico, ou seja, o momento em que a mensagem é veiculada. São três as variáveis pelas quais se podem gerar o fenômeno acústico, representadas aqui pelos três lados do triângulo. Vê-se que o fenômeno acústico ora se propaga em dimensões maiores do que os limites do triângulo; ora o triângulo ultrapassa os limites da circunferência. Isso indica que, segundo o autor, há uma alternância de predomínio entre o fenômeno acústico concreto e o que ele chamou de princípio da relevância abstrativa. As linhas em paralelo representam cada uma das funções semânticas do signo linguístico, onde fica claro que cada uma delas (representação, expressão e apelação), e suas consequentes funções linguísticas, se estendem em direção ao fenômeno acústico por meio de seus campos de atuação dos fenômenos e de fatos linguísticos respectivos.

Para além das funções textuais, Bühler enumerou e distinguiu três tipos de textos da seguinte forma:

24 Objetos y Relaciones = Objetos e Relações; Representación = Representação; Expresión/Apelación =

54 I - o texto centrado no conteúdo, o qual requer do tradutor todo o cuidado indispensável para transpor à LA um conteúdo que preserve ao máximo os elementos linguísticos da LF. Nesse sentido, fazem parte deste tipo os e-mails trocados entre empresas, os manuais de instruções de uso de um celular, os contratos comerciais etc.;

II - o texto centrado na forma, o qual prioriza a escolha das palavras, o tipo de letra ou a entonação a ser utilizada pelo emissor. Geralmente neste tipo de texto há uma preocupação do emissor com relação ao impacto que a mensagem poderá causar o receptor. Pode também significar uma preocupação do emissor em relação à estética ou, ao estilo da mensagem25. Fazem parte deste tipo textual as chamadas obras literárias artísticas, como por exemplo, a obra Macunaíma, um romance de 1928 do escritor brasileiro Mário de Andrade26;

III - o texto centrado no apelo, o qual se diferencia dos demais por apresentar informações de forma explícita e objetiva, dentro de uma perspectiva própria. Nesse sentido, o aspecto linguístico fica relegado a um plano secundário. O apelo não tem compromisso com a estética ou com a correição da linguagem. Faz parte dessa tipologia textual a pregação fervorosa de um pastor na busca da conversão de fiéis ou o discurso polêmico ou demagógico de certos políticos no fervor das campanhas eleitorais etc. Ainda como exemplo real dessa tipologia, pode-se citar uma campanha publicitária veiculada no início dos anos 80, intitulada “Se Mova”, a qual intencionava convocar a povo a se unir em torno da busca pela abertura política no Brasil. Nela, vemos que não houve preocupação com a correição gramatical. Segundo justificou a agência publicitária à época, a frase veiculada na norma culta apagaria o efeito esperado: um forte apelo popular, além da conotação de envolvimento muito mais físico do que intelectual.

Muito embora se possa admitir que a linguagem se presta para comunicar uma ideia de forma objetiva, subjetiva ou apelativa, separadamente, para Reiss (2004, p. 25) o que ocorre, na prática, é a combinação e a sobreposição de funções textuais. Assim sendo, a tipologia textual será definida pela predominância de uma das funções sobre as outras. Para

25 O processo tradutório nesse tipo de texto torna-se tarefa bastante árdua, visto que há certos traços fonológicos

ou estilísticos de uma LF, por exemplo, que não encontram correspondentes na LA. Além disso, as ambiguidades terminológicas e as expressões idiomáticas, as figuras de linguagem, os ditados populares e os textos folclóricos. (NORD, 2016)

26 Disponível em: < http://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/m00002.htm>. Acesso em: 19 out.

55 Reiss (2004 p. 27), além das tipologias textuais acima, os quais se baseiam nas funções da linguagem, surge um quarto grupo de textos o qual ela convencionou chamar de “audiomedial”. Esses tipos de texto objetivam a oralidade. Nesse caso, o PA não é um leitor na concepção direta do termo, mas um ouvinte. São, por exemplo, os discursos preparados para um comício eleitoral, a mensagem do orador da turma que está colando grau, ou uma mensagem de Natal lida pelo diretor de uma fábrica e dirigida para seus funcionários, as notícias e entrevistas veiculadas em rádio e TV. Tais tipos de textos não são meramente transcrição de um discurso oral, para a autora, eles possuem uma característica própria, a qual poderemos chamar de função midiática. Fazem parte de sua composição, reforçando a complexidade de seu potencial, os recursos gráficos, acústicos e visuais.

Segundo Franco; Matamala; Orero (2010, p. 17), dentro dos ET, a tradução de textos audiovisuais tornou-se um tema em franca expansão a partir dos anos 1980, no qual se incluem a voice-over 27e a dublagem. Em textos midiáticos onde a música se integra ao texto falado, o processo tradutório não poderá olvidar de sua presença e interferência no efeito esperado. O texto de uma ópera soaria estranho, se o TRD desse ênfase à forma e ao conteúdo na língua alvo mas desprezasse o fator sensibilidade trazido pela “melodia, ritmo e fluxo da partitura que o acompanha (REISS, 2004, p. 45).

A mesma autora conclui que a tradução apropriada de um texto midiático deve causar no receptor da LA os mesmos efeitos causados no receptor da LF. Assim também se espera que ocorra com os demais tipos de textos quando traduzidos: a tradução de um texto centrado no conteúdo exige fidelidade no nível do conteúdo; a tradução de um texto centrado na forma exigirá uma semelhança tanto do efeito quanto da forma e da estética na LA; um texto centrado no apelo exigirá do tradutor uma transposição com efeito apelativo correspondente na LA.

Acompanhando o raciocínio de Reiss, em relação à tipologia funcional, Nord (2016, p. 49) assevera que, em razão da atribuição do TF a um dessas tipologias textuais, o TRD tem a liberdade de escolher a ordem de relevância das equivalências (semântica, lexical ou gramatical) que deve ser observada na produção do TA. Segundo a mesma autora, uma

27 O termo voice-over, no inglês, refere-se à transmissão de informações ou comentários que são falados por

alguém em um programa de rádio, televisão, filme etc. Essa transmissão é geralmente feita por alguém que não aparece, apenas empresta a sua voz (FRANCO; MATAMALA; ORERO, 2010). Como exemplo disso, podemos citar uma entrevista jornalística feita com uma personalidade estrangeira. Primeiro é veiculado o início e/ou o final da fala do entrevistado como voz de fundo, enquanto o próprio repórter, ou outra pessoa, durante a edição daquela entrevista, empresta a sua voz, reproduzindo a fala para o vernáculo.

56 tipologia textual somente servirá de referencial na estratégia de tradução quando o propósito do TA determinar a equivalência de gênero entre os TF e o TA.

Se, no caso de uma encomenda tradutória, o INI expressar que deseja a manutenção das equivalências semânticas, lexicais e gramaticais entre o TF e o TA, ao TRD caberá averiguar se a tipologia do TF permite tamanha taxa de equivalência. No caso de tradução jurídica, é comum achar que essas equivalências são fáceis de serem alcançadas pelo TRD. Porém, nossa prática tem mostrado que tal assertiva não é verdadeira. Há inúmeros casos em que cabe ao TRD, de fato, determina o grau de relevância das equivalências para os propósitos do encargo por este recebido.