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3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.2 Abordagem funcionalista da tradução

3.2.4 O texto como ação comunicativa: o papel do autor e do receptor

Para Nord (2016) só ocorrerá comunicação quando determinados fatores estiverem presentes. São eles: (i) eventos determinados no tempo e no espaço; (ii) um meio adequado por onde o texto será transmitido; (iii) a existência de pelo menos dois participantes com intenção e capacidade de se comunicarem. A falta de quaisquer desses fatores, impossibilitará a ação comunicativa, situação que a autora classifica de “não texto”.

Considerando-se a existência de um texto como uma ação comunicativa, no qual os elementos acima descritos estão presentes, necessário se faz, dentro de uma análise orientada para a tradução, examinar esses elementos na situação do TF e, em seguida, compará-los aos fatores correlatos que se apresentam no TA, certo de que este TA terá uma ação comunicativa a desempenhar.

Quando um texto é entendido como uma associação de sinais comunicativos inseridos em uma situação comunicativa, é possível analisar a função do texto a partir do ponto de vista do autor. Nesse caso, o que interessa é a intenção que o autor está tentando realizar através do texto. É essa intenção que determina as estratégias de uma produção textual. Por exemplo, quando se propõem a elaborar um contrato, os advogados devem estabelecer certos critérios de formulação objetivos: a) o tipo de contrato e suas características básicas; a legislação pertinente ao negócio objeto deste contrato; as informações sobre a identidade das partes, os valores e os prazos costumeiramente estabelecidos no tipo de negociação pretendida com o contrato. Obviamente, tais sinais comunicativos exercem uma forte influência na função do TF.

49 Por outro lado, quando a função do TF é analisada do ponto de vista do receptor, nem sempre a intenção do emissor será compreendida por aquele receptor. Há ocasiões em que o receptor não tem como inferir, somente a partir do texto, qual era a intenção verdadeira do emissor quando elaborou o TF. Isso nos reporta, por exemplo, à questão da Hermenêutica, que é a ciência que estuda a interpretação de leis. Muitas das vezes um texto de lei, um artigo ou um parágrafo, comporta um variado número de interpretações. O que se busca fundamentar em uma interpretação hermenêutica é a “intenção do legislador” quando formulou tal texto, artigo ou parágrafo. Da mesma forma, o que irá facilitar ou dificultar o entendimento da intenção do autor, muita das vezes será algo intrinsecamente relacionado ao próprio receptor. A esse respeito, Nord (2016, p. 40) afirma: “[...] ainda que a intenção do emissor tenha sido realizada inequivocamente, os receptores podem ler o texto com uma intenção própria, que pode ser completamente diferente da do emissor.” E complementa: “A recepção de um texto depende das expectativas dos receptores, que é determinada pela situação em que eles recebem o texto, pelo seu entorno social, seu conhecimento de mundo e/ou suas necessidades comunicativas” (NORD, 2016, p. 41).

A afirmativa acima torna claro que, quando não for viável ao TRD obter informações seguras sobre a intenção do autor do TF, tampouco seu conhecimento de mundo e/ ou necessidades comunicativas o habilita para tal, não há espaço para uma avaliação científica no sentido de determinar se o tradutor realizou a tradução respeitando tal intenção autoral. A avalição e/ou verificação tomará como base o entendimento de que o TRD é o receptor do TF, estando presumidamente capacitado e familiarizado com a CF. desse modo, o TRD passa a ser um receptor crítico “que deseja pelo menos atingir um objetivo consciente e uma compreensão verificável do texto fonte” (NORD, 2016, p. 41).

A função comunicativa em verdade é fator determinante das estratégias de produção textual (NORD, 2016 p. 43) porque é através dela que o tradutor (TRD) busca acercar-se de informações extratextuais19 e de suas relações com a estrutura do TF. Nesse sentido, o TRD também busca uma análise que viabilize inferir, com base nas indicações da situação comunicativa, os elementos do TF que possam satisfazer a função pretendida no TA.

Como bem salienta Nord, (2016) todo texto possui características estruturais multifuncionais, o que torna heterogênica qualquer relação entre função e estrutura textual. Os textos escritos podem ter intenções únicas ou plurais. As intenções plurais podem ser, por

50 exemplo, a de transmitir uma regra, dar ao texto uma forma artística ou transmitir o texto de uma forma agradável. Quando se elabora um texto para desempenhar uma determinada função, vê-se que o mesmo apresenta características constituídas por elementos extratextuais, ou “[...] fatores da situação comunicativa em que o texto fonte é utilizado [...]” (NORD, 2016 p. 73), tais como marcas, símbolos, desenhos, etc., e elementos intratextuais; ou aqueles relacionados aos aspectos sintáticos, semânticos e estilísticos20.

Quando um texto é repetidamente utilizado para um determinado fim, ou propósito, seus elementos extratextuais e intratextuais passam a compor o gênero ou o tipo textual21. Suas características intratextuais e extratextuais serão observadas no processo de produção, tanto quanto serão assimiladas, sem dificuldades, pelo receptor, que terá condições de inferir as intenções do autor a partir da tipologia presente no TF. Para que isto ocorra, o autor precisa cumprir tais convenções, sob pena de não expressar com clareza a sua intenção comunicativa, prejudicando a análise do receptor (NORD, 2016, p. 44).

Se, durante a análise do TF, o TRD se depara com um texto marcado por uma estrita observância das convenções do gênero ou do tipo textual próprias da CF, as características estilísticas que afetam a percepção do receptor não possuem tanta relevância. No entanto, se o propósito do TA requer que se cumpram as convenções de gênero da CA, “o TRD fica autorizado a adequar as propriedades linguísticas e estilísticas convencionais do texto fonte no processo de análise” (NORD, 2016 p. 48). Por exemplo, quando ao TRD é encomendada a tradução um contrato comercial originalmente redigido para ser utilizado em um país cujo sistema jurídico adotado seja o common law (contexto cultural da LF), sabendo- se que o propósito da tradução é para que este mesmo contrato seja utilizado em um país cujo sistema jurídico seja o civil law (contexto cultural da LA), este mesmo TRD, já ciente de que o texto em análise possui muitas convenções de gênero (características gramaticais, linguísticas, semânticas e estilísticas próprias do gênero contrato), há que adequar ao TA tais propriedades marcantes do TF. O TRD, ao receber o encargo tradutório deverá identificar se o TF é, de fato, um texto cujas convenções de gênero devem ser observadas para que suas respectivas adequações cumpram sua função comunicativa no TA.

20 Na seção 3.3, falaremos sobre as tipologias textuais, onde este assunto será abordado com mais detalhes. 21 Para Marcuschi (2002), conforme visto na seção 3.2.3, o gênero textual está relacionado às propriedades

funcionais, ao estilo e à composição extrínseca do texto. Como exemplo de gênero textual podemos citar a carta, a petição ou o parecer jurídico, ou até uma bula de remédio; ao passo que tipo textual é uma construção teórica formada por propriedades linguísticas que fazem parte da essência do próprio texto. Como exemplo de tipo textual temos a narração, a descrição e a argumentação.

51 Chamamos a atenção para o fato de que em dois dos quatro contratos de distribuição a serem analisados neste trabalho, os tradutores tiveram que observar a necessidade de adaptar o TA ao propósito do encargo tradutório (linguagem mais clara e acessível a um público leigo formado por estudantes de curso da área comercial, porém em nível técnico). Nesse caso, após receber o encargo, e verificar sua viabilidade, o TRD faz uma analisa acerca da tipologia textual do TF e do TA. Uma fala sobre as tipologias textuais como parte integrante do processo tradutório será o tópico que abordaremos a seguir.