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CAPÍTULO 2 A FUNÇÃO TERAPÊUTICA DO TEATR

3. O PENSAMENTO DE AUGUSTO BOAL

3.3 Relações e análises nos teatros de Brecht, Moreno e Boal

3.3.3 As influências do Método de Constantin Stanislavsky

O ator, diretor, pedagogo e escritor russo Constantin Alexeiev Stanislavsky nasceu em Moscou em 1835 e faleceu nessa mesma cidade em 1938 e é considerado um dos teóricos mais influentes da sua época. Desde pequeno teve contato com todos os tipos de arte, pois nascera em família rica. No Circo Alexeiev, mandado construir por seu pai, acontecia vários encontros com artistas conhecidos em Moscou e em demais localidades.

Ele foi o fundador do Teatro de Arte de Moscou e durante anos teve a oportunidade de testar métodos e técnicas no trabalho de preparação do ator. Tais estudos geraram o conhecido Sistema Stanislavsky. O núcleo desse sistema está na chamada ‘atuação verossímil’, uma série de técnicas e princípios que são consideradas fundamentais para o desempenho do ator e que influenciaram artistas e teóricos.

Apesar de no início, Brecht não ter dado muita importância ao diretor russo, com o tempo começou a citá-lo a partir do ensaio Sobre o teatro experimental de 1939, depois Stanislavsky assumiu importância maior, porém de forma negativa. O teatro realista e seu maior representante passaram a ser referência daquilo que não deveria ser feito. Como, anteriormente elegera Aristóteles seu opositor dramatúrgico, agora nomeava o mestre russo.

Uma atitude coerente já que nessas épocas o marxismo passou a ter influências diretas nas concepções políticas de sua teoria e dramaturgia. Também se acrescenta que o poeta alemão não via com bons olhos os rumos que a Revolução russa de 1917 havia tomado e do conseqüente uso do teatro para impor a ideologia socialista à Rússia e ao mundo. O novo governo de Moscou financiava a vida, a produção e as viagens culturais paralelo a sérias restrições internas para a vida do proletariado russo.

À medida que os anos passaram, Brecht foi aceitando grande parte dos ensinamentos de Stanislavsky, em especial depois da fundação do Berliner Ensemble38. Entre

1951 e 1954 encontra-se a maior parte do que o alemão escreveu sobre o colega russo e há uma explícita admiração e respeito. No final de sua vida, o homem político de Brecht cedeu lugar ao artista. O poeta alemão que fugiu do nazismo condenando o realismo cênico cedeu lugar àquele que considerava o teatro como instrumental de mudanças sociais, mas também de entretenimento, o artista percebeu que essas funções não eram excludentes.

Na realidade o diretor alemão percebeu que as funções estéticas e políticas podiam se associar à lúdica e que o proletariado tinha o direito de ver um espetáculo cênico apenas por diversão. A plateia tinha o direito de ser “platéia” e isso não lhe tirava o grau de importância enquanto pessoas e seres históricos.

Em ambos havia uma preocupação para com a formação de seus atores em relação ao desenvolvimento da personagem. Ambos afirmavam que era necessário conhecê-la por meio das leituras e ensaios, identificar-se com a mesma, com a sua verdade, sem que a crítica interfira. Por fim, enxergar a personagem com a qual o ator se identificou do exterior, a partir da sociedade. Stanislavsky já havia deixado claro que os atores não se transformam totalmente em personagens, pois sempre há uma dualidade presente em cena.

No diretor russo essa dualidade busca a consciência interpretativa do ator, em Brecht há uma crítica do ator em relação à personagem. Enquanto diretor de teatro o teórico

38 Brecht exilou-se em vários países europeus fugindo do nazismo, finalmente foi morar nos Estados Unidos, mas foi acusado de propaganda comunista e voltou a Berlin em 1950 quando funda o seu teatro e escreve suas últimas peças, vindo a falecer em 1956 nessa cidade.

alemão interessou-se pelo Método, pois via no mesmo um trabalho árduo de produção e montagem de personagens e espetáculos. Para Rizzo (2001, p.67), Brecht entusiasmou-se com o professor russo, formador de atores com excelentes resultados cênicos, mas havia um grande incômodo, com o não aprofundamento nas questões sociais, já que no teatro épico procura-se provocar a plateia e o ator deve ser consciente e nunca se envolver inconscientemente com a personagem e seu contexto social.

Stanislavsky, com seu humanismo, privilegia o homem, Brecht privilegia a questão social. O primeiro via no teatro uma arte para ser apreciada, o outro um instrumento para reflexões de ordens sociais e políticas. O dramaturgo alemão concordava em vários pontos com a metodologia desenvolvida pelo diretor russo, mas discordava da maneira como essa arte era utilizada.

Esse sentimento dúbio em relação ao fundador do Teatro de Moscou também está presente em Moreno. Por um lado, o médico romeno chama-nos a atenção pelo fato de que o teatro realista de Stanislavsky estava dentro daquilo que ele conceituou de conserva cultural39.

Nesse ponto específico, passa a existir um relacionamento entre o psicodrama e o método. O diretor russo utilizava a improvisação a fim de aperfeiçoar o desempenho, Moreno permitia e encorajava as imperfeições no sentido de alcançar a espontaneidade total.

Por outro lado, a metodologia do professor russo falava de sentimentos internos, da busca de uma subjetividade individual do ator para estabelecer vínculos afetivos com a personagem. O ‘psicologismo’ da metodologia foi muito valorizado por Moreno, que via os primeiros indícios das funções terapêuticas do teatro.

Brecht possivelmente não concordaria com Moreno, pois para o dramaturgo alemão a crítica às atitudes da personagem sempre deveriam estar presentes, pois a partir delas se desencadeia o distanciamento. Ele também não gostava desse ‘psicologismo’ e chegou a criticar alguns psicanalistas dos Estados Unidos que faziam interpretações em cima da metodologia de Stanislavsky40.

O fato é que nos teatros morenianos a busca por sentimentos internos é bastante coerente uma vez que protagonista e personagem se confundem, o que não acontece nos teatros épicos, mas pode ocorrer nos demais. A diferença é que a busca pelos sentimentos

39 A conserva cultural diz respeito a obras de arte que no primeiro momento ao serem criadas tiveram processos criativos, mas depois são guardadas para preservação e repetição (Cukier, 2002, p.57).

40 Lee Strasberg, no Actor’s Studio associou o sistema de Stanislavsky à psicanálise, fixando-se, sobretudo na memória emocional (Rizzo, ibidem, p.52).

internos quando ocorre nos teatros clássicos buscam uma estética realista, nos morenianos e nos de Boal a identificação ator-personagem procura um sentimento mais próximo que perpassa por questões terapêuticas e sociais.

Em Moreno os papéis de plateia, ator e personagem se confundem, em Boal apesar de termos um grupo de atores nas representações cênicas, ao se levantar da cadeira, perdendo momentaneamente seu assento, o público se torna protagonista da cena e pode modificá-la. Boal sofreu influências do método, pois chegou ao Brasil vindo dos Estados Unidos e aqui conheceu e trabalhou com Eugênio Kusnet.41

A presença da metodologia de Stanislavsky naquele país era intensa e Boal trouxe essa bagagem na sua formação teatral. Aqui no Brasil teve um bom campo para desenvolvê-la no Teatro Arena e Oficina e também pelo fato de ter trabalhado com Kusnet, o que delineou seus trabalhos posteriores. A pesquisa sobre o método realista do mestre russo foi bastante aprofundada nos trabalhos com esses grupos teatrais a partir das décadas de 1950 e 1960 e tornaram-se referências na dramaturgia brasileira.

Os teóricos aqui analisados foram importantes nas suas respectivas épocas históricas porque fizeram a diferença e utilizaram as suas artes como instrumentais para promoverem a cidadania. Para isso suas plateias foram mobilizadas em detrimento de outras prioridades além das estéticas. No encerramento do estudo, esses artistas serão alinhavados com a pedagogia, eles tornaram-se presentes nas aulas e nos ensaios.

O próximo capítulo traz a minha prática e como a mesma está sendo esquematizada a partir das teorias aqui estudadas. A possibilidade de vivenciar as funções políticas, terapêuticas e sociais do teatro tem se mostrado extremamente frutífera na construção de uma metodologia. Tais funções existem em todos os grupos analisados, o estudo apenas estabeleceu as separações com finalidades didáticas.

As experiências que estamos vivenciando são possibilidades de trocas, uma estrada de mão dupla, onde alunos e professor/diretor teatral aprendam juntos. O que Brecht, Moreno e Boal estabeleceram com as suas artes têm reflexos diretos na manutenção de um ensino comprometido com os nossos momentos históricos. Uma possibilidade de sermos expectadores e passarmos a ter expectativas diante dos nossos encontros para que os mesmos se tornem produtivos e significativos.

41 Eugênio Kusnet era russo e chegou ao Brasil em 1927 e ao dirigir o teatro Oficina, introduziu Stanislavsky e Brecht na dramaturgia brasileira.