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CAPÍTULO 4 – A PRÁTICA TEATRAL

4.4 Apresentações dos grupos e interfaces com os autores

4.4.2 Grupo Dois e a função terapêutica do teatro

· Participantes: adultos.

· Localização: Taguatinga.

· Duração: dois encontros semanais de março a novembro de 2009.

O grupo começa com a aceitação de um convite para que eu dirigisse adultos que tinham experiência com um espetáculo de besteirol, mas queriam praticar e desenvolver outro estilo teatral. Eu vinha de uma prática com jovens. O pessoal do Varjão depois de alguns anos juntos havia decidido assumir outros papéis sociais. Alguns se casaram, outros passaram a trabalhar ou simplesmente perderam o interesse.

Nas primeiras conversas com o grupo, eles solicitaram um teatro onde pudessem criar uma dramaturgia baseada na vida deles, no cotidiano e não apenas uma comédia que nem sempre criava vínculos e similaridades com o dia a dia. Eles se conheciam de outros encontros e alguns eram mais velhos do que eu e aquela poderia ser uma oportunidade não apenas de uma prática teatral, mas também de um grupo que poderia estar inserido em outros contextos. Moreno enfatiza na sua teoria psicodramática a importância de um grupo para a estruturação social e psicológica dos seus indivíduos. A prática clínica e pedagógica apontava visões similares, porque não unir esses caminhos, tendo como argamassa o teatro?

A primeira ideia foi trabalhar aquelas pessoas dentro de uma visão teatral, mas havia uma demanda para que problemas individuais fossem transformados em cenas, isso não é psicodrama? Os teatros da espontaneidade apresentavam uma solução. Eu sugeri ao grupo, o teatro de reprise que consiste em se contar algumas histórias e essas serem dramatizadas. A proposta foi muito bem aceita e os nossos encontros passaram a ter os teores de conversas grupais com aquecimentos físicos e jogos teatrais.

O teatro de reprise passou a fazer parte dos nossos encontros e da minha pedagogia de diretor. Ele desenvolve a espontaneidade, o sincronismo entre atores, melhora a presença cênica e fortifica as relações internas do grupo.

Com os jovens do Varjão eu já havia utilizado desse arcabouço teórico. Não sei se por causa da idade, pelo fato de sempre termos trabalhado com comédias ou por quaisquer outros motivos, com o grupo Arte-jovem o teatro de reprise não passou de um aquecimento, uma técnica a mais. Todas as histórias que vinham à tona eram transformadas em coisas engraçadas. Eu achei que isso poderia servir para finalizações dos nossos encontros, o que acabou acontecendo. Quase sempre, ao final dos nossos ensaios, vinha esse teatro e os respectivos risos ao verem suas histórias sendo ridicularizadas.

Com o pessoal de Taguatinga, logo nos primeiros encontros, percebi a seriedade com a qual eles traziam suas histórias, a sensibilidade com que as mesmas eram dramatizadas

e as emoções que foram desencadeadas. Aquilo não era apenas um ensaio teatral e tomava caminhos de uma terapia grupal, de um psicodrama...

Aqui, acho importante uma ressalva: eu sou psicodramatista, trabalho com atendimentos clínicos utilizando a técnica moreniana, portanto me senti à vontade para transformar alguns ensaios em processos terapêuticos, mediante o consentimento daquelas pessoas. Em outros grupos, onde o diretor não tem essa formação e resolve utilizar-se do teatro de reprise vejo que é fundamental um cuidado para não expor seus atores às individualidades de cada um.

Não é objetivo desse trabalho tratar as questões de cunho clínico, apenas achei importante o registro, pois o mesmo me deu segurança em levar adiante um espetáculo de teatro de reprise, em apresentá-lo a outras plateias, onde as histórias contadas seriam respeitadas e transformadas em arte o que antes era emoção.

O grupo também se sentiu à vontade para levar adiante um espetáculo e nos apresentamos no IESB na semana de psicodrama, no Cometa Cenas e no CEF17 da Ceilândia. Em todos esses lugares o retorno foi bom. O grupo ouvia as histórias e tinham a sensibilidade de a receberem como um presente que deveria ser bem tratado para ser devolvido ao narrador e ao público. Uma maneira de interpretar com emoção e respeito o que foi contado. O anexo A traz alguns depoimentos de como as pessoas se sentiam depois do teatro de reprise.

Todos os teóricos tratados nesse estudo trouxeram a questão de mobilizar a plateia através de uma história e procuraram atores sem o viés de uma formação aristotélica. Nas palavras de Brecht (1978, p.75), atores normais, porque são pessoas normais. Uma peça que contasse uma história simples e com poucos atores.

As histórias contadas no teatro de reprise são desse modo. A identificação com o que é contado não está apenas com o narrador, o público tem a oportunidade de ser o fio condutor do espetáculo. O teatro só acontece porque o público é ouvido e vê as suas histórias sendo encenadas. O lugar comum de passividade é quebrado e o que será encenado foi trazido por alguém que está presente e a sua história é parte integrante daquele momento.

Para a plateia isso pode parecer mágico, especialmente quando a cena corre bem, mas como os atores podem saber o que fazer sem que haja uma combinação? De acordo com Salas (2000, p.47), o segredo é que na ausência de um texto ou de um planejamento da ação os atores dependem do seu senso de história desenvolvido, de sua habilidade empática para

alcançar os vários níveis de significado da experiência da pessoa assim como de sua abertura para o outro. A disciplina de criar cenas sem planejamento desenvolveu a perícia necessária.

Na prática com os grupos, o respeito que tenho às minhas histórias passa a ter relações diretas de como vou tratar as outras, por isso a segurança que o grupo de Taguatinga me propiciou quando nos nossos primeiros encontros, eles se sentiram mobilizados e se colocaram enquanto pessoas e não apenas como atores de um espetáculo cênico.

Figura 14: O grupo em escultura

Figura 16: Histórias encenadas

Figura 17: O contador e sua história

Figura 18: A preparação do grupo