• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 A FUNÇÃO TERAPÊUTICA DO TEATR

3. O PENSAMENTO DE AUGUSTO BOAL

3.1 Influências no pensamento de Augusto Boal

Em abril de 1960, a cidade do Rio de Janeiro perdeu a condição de Capital Federal, substituída por Brasília, cartesianamente delineada pelo urbanista Lúcio Costa. A construção da nova sede política foi chamada de meta-síntese no Plano de Metas33 traçado

pelo presidente Juscelino Kubitscheck, que tomou posse em 1954, depois de vencida a rebelião militar que tentou impedi-lo de subir ao Palácio do Catete. Novas eleições estavam previstas para outubro de 1960 e as tensões sociais até certo ponto contidas durante a fase de crescimento econômico que Juscelino conseguiu promover iriam tornar-se agudas nos anos posteriores a seu período de governo.

Em meados da década de 1960 e nas seguintes, os militares insatisfeitos com os rumos que o presidente Jango34 poderia dar à democracia no Brasil provocaram um golpe que

ficou conhecido como Revolução de 1964. A partir dessa data foi instaurada a ditadura militar no país e o novo governo promulgou Atos Institucionais fortalecendo o poderio dos presidentes-generais e enfraquecendo a democracia.

Artistas, intelectuais e políticos sofreram perseguições e muitos foram banidos do Brasil. Nessa época Boal, recém chegado dos EUA, dirigia o Teatro de Arena de São Paulo, adaptando as teorias de Stanislavsky à realidade brasileira. Após o AI-5 houve uma necessidade dos grupos teatrais saírem das capitais e das grandes cidades e irem às periferias. Nesse movimento, a plateia começou a ser ouvida, começou a subir ao palco, deixou de ser apenas espectadora e podia se transformar em espect-atores.

Era a volta ao status nascendi do teatro, onde todos eram atores. Algo que já havia acontecido antes da interferência do Estado grego que separou o público e o colocou em auditórios. Esse estado primeiro, Boal (1977, p.177) o descreve na sua poética do oprimido:

[...] temos o povo cantando ao ar livre. É o carnaval, a festa. Depois as classes dominantes se apropriaram do fazer teatral e construíram muros. Primeiro dividiram o povo, separando atores de espectadores: gente que faz e gente que observa. Terminou-se a festa. Segundo, entre os atores, separou os protagonistas da massa: começou o doutrinamento coercitivo.

33 Plano de metas traçado pelo governo de Juscelino com o objetivo de acelerar a economia do país propondo cinquenta anos em cinco. Em um discurso feito em Goiânia o então candidato prometeu cumprir a Constituição e mudar a capital Federal.

Nessa leitura, o povo reconquista o teatro na esperança de derrubar os muros construídos pelo poder do dominante. Algo que já havia acontecido na Alemanha com Brecht e na Áustria com Moreno. No Brasil nos finais da década de 1960, o trono também está vazio: tiraram um presidente e colocaram um ditador fardado. Os novos e obscuros caminhos da democracia dos quartéis exigiam uma preocupação com o que estava acontecendo, não cabe mais apenas produzir um espetáculo teatral para uma elite e nem uma platéia sentada e alheia.

Assim como Moreno, Boal também começa a se preocupar com esta integração plateia e espetáculo. O primeiro era médico e adentrou para o teatro como forma de catarse; o outro era diretor teatral e começa a usar essa ferramenta como formas de terapia comunitária. Os dois procuram dar ouvidos à dinâmica de um grupo, seja este em ambiente fechado ou não, começam a ver a importância do teatro como formas de conduta que levam a reflexões.

O teatro podendo ser usado como uma terapêutica. Eles não tiram a importância de um ator, mas procuram outras formas no fazer teatral. Os dois procuram no teatro a acepção mais arcaica da palavra: todos os seres humanos são atores, porque agem e espectadores porque observam. A linguagem teatral é a linguagem humana mais essencial. Tanto o médico judeu como o diretor brasileiro, usa um teatro do improviso que surge de um debate, a partir de insights dos espectadores. Para Boal (1977, p.46):

[...] todo mundo atua, age, interpreta. Somos todos atores. Até mesmo os atores. Teatro é algo que existe dentro de cada ser humano e pode ser praticado na solidão de um elevador, em frente a um espelho ou numa praça pública para milhares de espectadores, em qualquer lugar, inclusive nos teatros.

Boal e Moreno retomam as características primordiais do teatro, para eles há um senso de cotidiano no fazer teatral, há uma capacidade inerente dos seres humanos de se observarem a si mesmos em ação. Os seres humanos são capazes de pensar suas emoções e de se emocionar com seus pensamentos. Eles podem se ver aqui e imaginar adiante, podem se ver como são agora e se imaginar como serão amanhã. Essa perspectiva do amanhã estava perdida nas décadas após o golpe militar, havia um medo instalado nas ruas e os fardados não eram respeitados, eram temidos.

Ao lermos o livro de Armando da Silva (1981, p.49), podemos pressupor que a trajetória do grupo Oficina foi similar à busca de muitos brasileiros daquela época. O país vivia uma ditadura explícita, onde “soldados armados, amados ou não, estavam quase todos

perdidos de armas na mão”.35 O país procurava uma nova identificação que não fosse aquela

barbárie imposta pelos homens da caserna.

Agora também vivemos um momento histórico difícil e o teatro é um veículo muito importante para se restringir apenas à estética. Ela é importante, o ator, o autor e o texto também, mas e o público? Boal e Moreno procuravam uma catarse de integração: o espectador sendo ator e autor de seus papéis. Os teatros desta dissertação são formas de trabalhar nas nossas comunidades de base e aprendermos com eles um caminho de volta às suas origens, antes dos muros divisórios que nos foram impostos.

Teatros que buscam formas de transformações sociais e que passam pelo individual, pois nenhuma sociedade pode se modificar se seus componentes não o fizerem antes, não se mobilizarem para que tais mudanças se efetivem. O que Brecht propôs é um teatro de cunho político para incomodar o público presente. Moreno e Boal a partir desses incômodos propõem sair das cadeiras, ocuparem o trono vazio e tornarem protagonistas da cena e da história, além de espectadores serem espect-atores.