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CAPÍTULO 2 A FUNÇÃO TERAPÊUTICA DO TEATR

3. O PENSAMENTO DE AUGUSTO BOAL

3.2 O Teatro do oprimido e as poéticas políticas

3.2.3 As outras poéticas políticas

Figura 4: A árvore do teatro do oprimido.

Fonte: O teatro do oprimido (Boal, 2008, p.19).

No seu livro Teatro do oprimido e outras poéticas políticas, Augusto Boal faz análises históricas e teóricas sobre o desenvolvimento do seu principal instrumental cênico: o teatro do oprimido. O diretor brasileiro metaforiza o seu teatro como uma árvore cuja origem está no solo fértil (?) da Ética e da Política, da História e da Filosofia onde o seu arbusto vai buscar seus nutrientes. Os frutos que caem ao solo servem a se reproduzir pela multiplicação e solidariedade. Na visão do artista há uma sinergia desencadeada pelo teatro do oprimido que aumenta seu potencial transformador na medida em que se expande e entrelaça diferentes grupos de oprimidos: conhecer as suas próprias, mas também as opressões do alheio.

No tronco da árvore surgem os jogos porque sintetizam características essenciais da vida em sociedade: possuem regras, que são necessárias para o exercício da liberdade e

ajudam na desmecanização do corpo e da mente alienados às tarefas repetitivas do dia a dia. Esse corpo cria máscaras comportamentais que atuam sobre os pensamentos e as emoções.

Os jogos ajudam na interatividade e no relaxamento corporal e a partir daí o indivíduo está apto a se deixar levar por um dos troncos da árvore e pode canalizar a sua energia em um dos seus teatros. Todos trazem a questão de empoderamento do oprimido, o sujeito ser senhor de sua própria história, razões pelas quais homenageia a pedagogia de Paulo Freire ao batizar o seu teatro com o mesmo nome.

Para o pedagogo (Freire, 1987, p.21) há um poder que foi retirado e que é restituído através das palavras e das ações. A sua didática consiste em aprendermos a tomar a palavra dos que a detêm e a recusa aos demais. Ele propõe essa retomada como primeiro passo rumo à liberdade, à conscientização política e social. E é isto que os outros teatros de Boal (2002, p.92) também propõem, abaixo alocamos alguns deles:

· Teatro Imagem: o uso do corpo, das fisionomias, objetos e cores. onde significantes e significados são indissociáveis e não apenas a linguagem simbólica das palavras. Consiste em pedir aos participantes que formem com seus corpos as imagens de uma palavra que represente algo ou alguém que interessa ao grupo.

· Teatro Jornal: são técnicas de transformação de textos jornalísticos em cenas teatrais. Moreno já havia utilizado esse mesmo método para comprovar a espontaneidade e o improviso de seus atores. Para o dramaturgo brasileiro (Boal, 2008, p.18) esse teatro serve para desmistificar a pretensa imparcialidade dos meios de comunicação: “a mídia será sempre usada para agradar aqueles que a sustentam, será a voz do seu dono.”

· Teatro Fórum: é a forma de teatro do oprimido mais democrático e mais praticado. Os espectadores, a quem Boal chama de spect-atores são convidados a entrarem em cena e atuando teatralmente e não apenas usando a palavra, revelar seus pensamentos, desejos e as estratégias que podem surgir. O teatro passa a ser o ensaio para uma ação na vida real e não um fim em si mesmo. O espetáculo é o início de uma transformação social necessária e não um momento de equilíbrio e repouso.

· Teatro Invisível: ações ensaiadas, realizadas teatralmente, mas de forma não revelada ao público ocasional de transeuntes, não conscientes de sua condição de espectadores. Todos os presentes podem intervir a qualquer momento na

busca de soluções para os problemas tratados. Nas concepções de Boal, atores e espectadores encontram-se no mesmo nível de diálogo e de poder, não existe antagonismo entre a sala e a cena.

· Ações diretas: consistem em teatralizar manifestações de protestos, marchas de camponeses, desfiles, concentrações operárias ou de outros grupos organizados usando-se de todos os elementos teatrais convenientes como máscaras, canções, danças, etc.

· Teatro Legislativo: é um conjunto de procedimentos que misturam o teatro- fórum e os rituais convencionais de uma Câmara ou Assembléia, com o objetivo de se chegar à formulação de projetos de lei coerentes e viáveis, a partir daí pressionar os legisladores para que os aprovem.

· Arco-íris do desejo: teatro que trabalha as opressões internalizadas e que tiveram sua origem e guardam íntima relação com a vida social. A técnica começa com a imagem de uma opressão sofrida e vai evoluindo para o grupo à medida que o mesmo vai interagindo e estabelecendo uma dramaturgia.

O teatro do oprimido, em todas as suas formas, busca sempre a transformação da sociedade no sentido de libertação dos oprimidos. Ele desenvolve-se em três vertentes principais: educativa, social e terapêutica, Para o seu fundador mais do que uma ação em si mesma, é uma preparação para ações futuras. As suas várias técnicas e diferentes poéticas reproduzem no palco as palavras de Marx, para quem “não basta interpretar a realidade é necessário transformá-la.”

Uma realidade diferente com possibilidades de ser transformada e quiçá melhorada foram os objetivos dos protagonistas deste estudo e a partir das análises desencadeadas foi possível delinear os teatros de Boal como uma interseção entre o teatro político de Brecht e aquele de cunho social e terapêutico de Moreno. O brasileiro criou várias interfases entre a psicologia e as artes cênicas, provando que tais encontros mais do que possíveis são necessários.

Um teatro de luta, um teatro dos oprimidos, para os oprimidos, sobre e pelo os oprimidos, sejam eles camponeses, operários, desempregados, jovens ou velhos, enfim, todos aqueles a quem se impõe o silêncio e de quem se retira o direito à vida plena. Isso é psicologia clínica e social, mas é também teatro político, política de inclusão no sentido mais amplo da palavra, onde todos somos atores e todos nós fazemos teatro e política. Oxalá possamos fazê- los com qualidade, em detrimento dos outros e não apenas de nós mesmos.