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Grupo Quatro e a função social e estética do teatro

CAPÍTULO 4 – A PRÁTICA TEATRAL

4.4 Apresentações dos grupos e interfaces com os autores

4.4.4 Grupo Quatro e a função social e estética do teatro

· Participantes: jovens entre 16 e 25 anos. · Localização: Expansão do Setor O - Ceilândia.

· Duração: dois encontros semanais a partir de abril de 2009. · Apresentações: “A almanjarra” de Arthur Azevedo.

No ano de 2009, tornei-me professor de Artes Cênicas no CEF17 da Ceilândia. No mês de abril, um grupo teatral me procurou e perguntou se seria possível que eu os dirigisse. Eles tinham uma experiência grupal, mas não tinha naquele momento, um diretor. O fato de já ser professor da escola, pesou, pois seria interessante ter um grupo teatral com jovens que estudaram ali ou ainda estudavam em outros turnos. Já havia um espetáculo em andamento baseado na obra do Arthur Azevedo, assim começaram os ensaios e uma nova etapa na minha formação de diretor teatral.

Eu os conhecia, pelo menos alguns membros do grupo, de um Projeto da Fundação Athos Bulcão48 e achei uma boa coincidência reencontrá-los e ter recebido um

convite para dirigi-los. No primeiro momento, resolvi ver o que o grupo já havia feito, respeitando as marcações elaboradas e só então começar a dar alguns retoques nas cenas.

O grupo tinha uma experiência teatral, aquele seria o segundo projeto aceito pela Athos Bulcão, porém havia competições internas entre algumas lideranças, que mais atrapalhavam do que ajudavam o andamento do processo. No seu livro Técnicas de grupo, Gerald Corey (1982, p.149), chama-nos a atenção para a dinâmica desenvolvida pelos grupos em relação aos seus componentes:

[...] em uma leitura sociológica, o grupo passa a ser uma unidade que se manifesta como uma totalidade, de modo que tão importante como o fato dele se organizar a serviço de seus membros é, também a recíproca disso. O grupo se configura como uma nova entidade, mas também deve preservar as identidades específicas de cada um dos indivíduos componentes. Surge uma interação afetiva e a possibilidade de estruturação individual dentro de um contexto coletivo.

As disputas internas estavam impedindo a interação afetiva, ou melhor, dividiam os componentes em dois subgrupos e eles não trabalhavam em unidade. Nessa época estava testando o Teatro de reprise com o grupo de Taguatinga e resolvi aplicar essa metodologia como um aquecimento de grupo, mas também como uma maneira de permitir que eles mesmos percebessem o que estava acontecendo:

- “Nunca tinha nem ouvido falar no teatro de reprise, isso é coisa de psicólogo?”

- “Engraçado, é claro que já havia notado as panelinhas do grupo, mas ficou bem nítido com as dinâmicas que o senhor utilizou.”

48 A Fundação Athos Bulcão realiza anualmente o Festival de Teatro na Escola, onde ela escolhe alguns grupos nas escolas para financiar um espetáculo. Esses alunos têm encontros com outros em oficinas de teatro e se apresentam no CCBB. No ano de 2006 o Grupo do Varjão estava com o espetáculo “O auto das barcas” e o grupo do Setor O com “A vila do alívio.”

- “É um bom aquecimento, melhora a interação e a rapidez das respostas nas cenas.”

- “Na moral professor, estamos precisando estruturar o grupo, está muito chato.”

As comparações com os outros grupos tornaram-se inevitáveis. Os jovens do Varjão me tratavam de você, nunca me chamavam de professor e demonstravam aceitar melhor as lideranças que sempre aparecem em qualquer grupo, mesmo porque uma das metodologias usadas era a de deixar que algumas dinâmicas fossem conduzidas por outras pessoas do grupo além de mim.

Como os jovens do Varjão, os da Expansão, também brincavam nas cenas do teatro de reprise, dando toques de humor nem sempre pertinentes; como o pessoal de Taguatinga havia um pedido de ajuda que estava além daquele feito para dirigi-los. A diferença é que um grupo queria trazer – através do teatro – sentimentos internos, queriam que os seus encontros tivessem funções terapêuticas. O outro queria melhorar a relação social existente no grupo, que estava bastante desgastada.

O teatro de reprise é interessante, mas com os dois grupos de jovens ficava como uma diversão, uma brincadeira. Eu resolvi então incorporar aos nossos ensaios o psicodrama pedagógico. O termo foi introduzido por Maria Alicia Romaña para diferenciar da área clínica e buscar uma metodologia de participação coletiva.

No psicodrama o grupo se estrutura, se conhece e se reconhece na mesma proporção em que dramatiza, produz e cria. Nessa concepção, o grupo é um organismo que se vai estabilizando, na medida em que seu próprio processo vai se desenrolando. As particularidades de seus integrantes, seus interesses e necessidades marcam suas características e seus históricos.

As cenas levantadas além do texto são trabalhadas e incorporadas à dramaturgia. Para a pedagoga (Romaña, 1996, p.50), o teatro é um manancial capaz de fornecer elementos ricos e valiosos para a compreensão e a transformação dos homens e da sociedade e procura suscitar profundamente a correlação entre o teatro e a vida. As relações foram se reestruturando, o que permitiu a entrada de novos membros e a saída de alguns. O grupo mostrou um interesse pelo novo tema e acabamos tendo algumas aulas sobre o teatro da

espontaneidade de Moreno. Atualmente estamos investindo em outros trabalhos, inclusive de cunhos sociais e pedagógicos49.

As oportunidades de investigarmos novas funções para o teatro surgiram em outubro de 2009, pois fui convidado a estruturar três encontros com sócioeducadores que trabalham com adolescentes que transgrediram a lei e achei interessante que alguns membros do grupo Arte em Expansão me ajudassem nessas oficinas. O objetivo é incentivar um protagonismo juvenil propiciando àqueles jovens, estruturarem e ministrarem conjuntamente as oficinas utilizando-se da metodologia teatral.

Nós utilizamos com os sócioeducadores, os jogos e os exercícios teatrais; os teatros da espontaneidade, como o sociodrama, o jornal vivo e o reprise; o teatro imagem e do oprimido de Augusto Boal e os nossos encontros sempre terminavam em compartilhamentos50

conforme a teoria psicodramática de Moreno.

Com esse grupo está sendo possível aglutinar as funções e os teóricos que foram estudados ao longo desta dissertação. Além do uso de técnicas distintas é uma grande oportunidade de aprender a trabalhar em grupo e passar conhecimentos. Eu senti um crescimento dos jovens durante as oficinas, pois ficaram mais à vontade inclusive para propor dinâmicas pertinentes e isso diluiu o peso de trabalhar com aqueles sócioeducadores:

49 Parceria da Secretaria de Justiça do GDF e do Instituto de Psicologia da UNB. Encontros que tinham como objetivo trabalhar o papel do sócioeducador no atendimento aos adolescentes em conflito com a lei. Três jovens do grupo ajudaram na elaboração e na condução das oficinas. Relatório completo no anexo C.

50 Na metodologia psicodramática temos três momentos distintos: aquecimentos, dramatizações e compartilhamentos. Nesse último, diferentemente do teatro, o que importa não é a atuação cênica e sim as mobilizações internas que as dramatizações propiciaram ao protagonista e aos demais membros do grupo.

Figura 22: Joana - a mãe conformada Figura 23: Isabel e Rosália