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CAPÍTULO 4 – A PRÁTICA TEATRAL

4.4 Apresentações dos grupos e interfaces com os autores

4.4.3 Grupo Três e a função pedagógica do teatro

OS ALUNOS SECUNDARISTAS DO CEF 17 · Participantes: jovens entre 15 e 25 anos. · Localização: Expansão do Setor O - Ceilândia. · Duração: encontros semanais no ano letivo de 2009.

· Apresentações: na Escola na Semana Cultural e em salas de aula.

Uma das propostas levantadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, (PCN, 1999, p.173) é que as aulas de artes no Ensino Médio devem seguir um caminho que leve o alunado à prática de uma estética teatral e também de um aprimoramento crítico dentro das noções de cidadania, aprofundando os saberes sobre os aspectos históricos e ideológicos dos textos estudados. Para o documento, conhecer artes significa aos alunos apropriarem-se de saberes culturais e estéticos que são fundamentais para a sua formação de cidadão. Uma prática de uma produção artística, do desenvolvimento do espírito crítico e da possibilidade do professor promover a experiência sensível e inventiva dos estudantes.

As diretrizes enunciadas buscam contribuir para o fortalecimento dessas experiências e para o exercício da cidadania e da ética como construtoras de identidades artísticas. Nas aulas de arte deve-se aprender sobre as elaborações estéticas presentes nas produções artísticas, capacitando os alunos a entenderem a plástica e a mensagem dos textos teatrais dentre outras competências.

Os PCN versam sobre uma prática que possa propiciar aos jovens noções críticas do mundo e dos seus momentos históricos, além de uma produção estética. Assim misturar noções de cidadania, com uma prática efetiva de uma produção artística não são excludentes, muito pelo contrário, o fazer teatral tem se revelado uma possibilidade enorme de produzir nos dois lados. Isso acontece mais com os grupos teatrais onde os critérios avaliativos não são os objetivos das aulas e sim o aprendizado de uma experiência significativa, nas palavras do pedagogo John Dewey.

Nas análises que Ana Mae Barbosa (2005, p.84), fez ao citar Dewey, “para qualquer experiência ter valor e significado educacional, o indivíduo deve desenvolver a habilidade de lidar inteligentemente com problemas que ele encontrará no mundo”, ou seja, qualquer proposta tem que ter similaridades com a vivência dos jovens. Nesse ponto o nosso pedagogo Paulo Freire também insistia, o que se ensina tem que ter sintonia com a vivência daqueles que aprendem.

O grande problema que vejo é uma inércia do alunado diante das propostas apresentadas em sala de aula. Algo aconteceu nas nossas instituições educacionais que transformaram os jovens em catadores de frequência e notas; é quase sempre o mesmo quadro: o aluno se ausenta em muitas aulas ou não liga para as notas nos primeiros semestres e depois tem que correr, como um louco, atrás dos prejuízos. O aluno prefere ficar sentado e copiar passivamente a se levantar e se expor diante dos colegas.

Como transformar as teorias teatrais de Brecht, Boal e Moreno em algo atrativo e contemporâneo àqueles jovens? Como fazer com que as aulas tivessem potenciais de experiências significativas nas concepções de Dewey e Freire? Como fazer com que aquela “platéia” se transformasse em uma plateia ou em espect-atores?

Na minha prática de diretor de teatro, os exercícios físicos e teatrais fazem parte de uma metodologia, porque os aquecimentos são importantes antes dos trabalhos cênicos. Nos ensaios, não há necessidade de chamadas e nem notas e as avaliações ocorrem de outra maneira e não são mensuradas. Também tenho uma prática de professor em uma instituição de psicodrama47, que é um curso com poucas pessoas e em nível de pós-graduação, no qual é

previsto o uso de dinâmicas nas aulas. Mas e com os estudantes secundaristas? Proposta feita, não é proposta aceita, insistir nisso, era desgaste para o professor e para os alunos.

O número de horas-aulas também é um problema: dois encontros para o terceiro ano e um encontro semanal para o primeiro e o segundo, com 40 minutos cada aula. Algo completamente diferente: pouco tempo e muito desinteresse. Mas como conciliar? Em primeiro lugar estabelecer metas e transformá-las em um currículo escolar dentro daquilo que prevê os PCN. Em segundo lugar, as avaliações seriam em cima da teoria apresentada em sala de aula e das participações dos alunos nas dinâmicas e nas leituras dramáticas. Essa metodologia tem semelhanças com a visão de Sueli Ferreira (2006, p.16), para quem:

[...] o ensino das artes tem uma dupla face. Por um lado, é conservador - no sentido de preservar, reter, resguardar: quem ensina, ensina algo que aprendeu com alguém, que também aprendeu com alguém, e assim por diante – pois é preciso aprender e dominar os conhecimentos artísticos; por outro lado, requer e impulsiona a transformação, o novo. Ensinar faz parte de um processo que nos remete ao passado e ao futuro, à eternidade.

Nessa leitura, por um lado, estava sendo um professor conservador, pois tinha que ministrar uma teoria e os seus respectivos momentos históricos, por outro, era necessário

47 Desde 2005 administro aulas em um curso de especialização em Psicodrama, nas seguintes disciplinas: Teatro Espontâneo, Sociodrama, Psicodrama bipessoal e Psicodrama e educação.

inovar, já que esses teóricos também inovaram. Uma participação de outra maneira, não apenas ouvindo, mas possibilitando a eles terem potenciais de espect-atores, é isso que os PCN, a pedagogia de Freire e os teatros de Brecht, Moreno e Boal propiciam.

Um processo que nos remete ao passado, mas integra-nos a um futuro. Algumas turmas aceitaram as propostas mais facilmente do que outras e foi possível tornar as aulas mais dinâmicas e menos teóricas. O quadro abaixo mostra os direcionamentos que foram dados ao longo do ano letivo:

Tabela 3 - Currículo de artes para o ano letivo de 2009 no CEF17

1º Ano 2º Ano 3º Ano

1º Bimestre - Assunto: cenas, atos, foco, personagens e profissionais envolvidos no teatro. A função da comédia e da tragédia.

- Avaliação: prova teórica.

- Assunto: cenas, atos, foco, personagens e profissionais envolvidos no teatro. A função política e social do teatro.

- Avaliação: prova teórica.

- Assunto: cenas, atos, foco, personagens e profissionais envolvidos no teatro. Funções terapêuticas e sociais do teatro

- Avaliação: prova teórica. 2º Bimestre - Assunto: A Comédia grega.

- Texto: “Lisístrata.” - Avaliação: leituras

dramáticas ou fichamento.

- Assunto: Bertolt Brecht. - Textos: “Aquele que diz sim” e “Aquele que diz não.”

- Avaliação: leituras

dramáticas e discussões em grupo sobre os textos estudados.

- Assunto: Jacob Levi Moreno.

- Textos: teatros da espontaneidade e de reprise.

- Avaliação: vivências dos teatros ou análise crítica do que foi estudado.

3º Bimestre - Assunto: A Comédia italiana.

- Texto: “Capitão Virgulino.” - Avaliação: leituras

dramáticas ou fichamento.

- Assunto: Augusto Boal. - Textos: teatro invisível e

teatro jornal. Manipulações da mídia.

- Avaliações: vivências dos teatros ou fichamentos.

- Assunto: Augusto Boal. - Textos: teatro do invisível,

teatro jornal e teatro-fórum. - Avaliações: vivências dos

teatros ou fichamentos. 4º Bimestre - Assunto: Comédia no

Brasil.

- Texto: “Quem casa quer casa.”

- Avaliação: encenações ou leituras dramáticas.

- Assunto: teatro político no Brasil – década de 1960. - Texto: “Eles não usam

Black-tie” – a greve de operários.

- Avaliação: encenações ou estudo sobre o teatro político.

- Assunto: os jogos teatrais. - Textos: “Dom Quixote

Severino” – teatro de bonecos.

- Avaliação: alguns alunos ministraram a aula ou um trabalho sobre a

importância do jogo no teatro.

Fonte: Baseado nos PCN para o currículo de Artes Cênicas no Ensino Médio.

Eu considero importante para um profissional, respeitar a opção de muitos em continuarem espectadores e não se exporem para os colegas. Com o terceiro ano havia duas aulas semanais (uma de artes e outra de PD – prática diversificada), foi possível trabalhar mais o lado lúdico do teatro. Eles inclusive ministraram aulas ao final do semestre e

conseguimos fazer algumas pequenas cenas com aqueles que queriam participar mais ativamente do processo.

Ao montar esse currículo notei a importância de introduzir as práticas teatrais de uma maneira paulatina, para que os alunos se sentissem à vontade, em um ambiente de segurança. Por isso, fiz a opção por uma prova teórica, fichamentos e análises críticas, que foram sendo substituídos por leituras dramáticas e pequenas encenações.

Assim concordo com Fayga Ostrower (2007, p.103), quando nos lembra que o teatro na escola, tanto pode ser uma maneira de aproximar o aluno de sua cultura, como também pode ser um fator de distanciamento e que pode expor os alunos ao ridículo diante dos colegas. O aluno tem que perceber que independentemente de ser uma escolha profissional futura, as aulas podem ser um aprendizado de vivência em grupo, de criação coletiva e da partilha de diversos pontos de vista.

De acordo com Ferreira (2006, p.19), a alegria nas aulas de artes pode ocorrer de forma intensa em duas situações: quando aos alunos é dado o direito de simplesmente experimentar, tatear, sentir o prazer de explorar os materiais ou divagar entre ideias, sem o peso do compromisso de apresentar “para notas” um produto ao final da atividade; a outra, quando os alunos realizam atividades capazes de despertar sentidos plenos para eles e isso ocorre quando se identificam com a proposta de trabalho e se reconhecem enquanto autores, quando constatam que podem criar algo novo por meio de sua ação.

Eu discordo da pedagoga no quesito “para notas” (aspas da autora) pelo menos na minha escola, o alunado está extremamente preocupado com isso. O que notei é que ao longo do processo, o professor vai se fazendo conhecido e cria um ambiente de mais segurança, mas “notas e frequências” sempre vão nortear a visão de estarem em uma sala de aula. Mesmo que eu tenha notado uma disposição e empatia dos jovens para participarem das leituras dramáticas, dos jogos e das pequenas encenações, estávamos em aula e em cena um professor e não um diretor teatral.

Ao ministrar ensaios teatrais para jovens de idades similares e da mesma cidade, inclusive ensaiamos no mesmo local onde dou aulas, há diferenças significativas para com o alunado. Teoricamente o que muda são apenas os papéis sociais ou a instituição escola interfere na espontaneidade dos jovens?

Os dois papéis de professor e diretor teatral podem ser concomitantes e acredito que as aulas tenham mobilizado os alunos para questões de ordens sociais, políticas e lúdicas,

tenham dado a eles noções da importância do grupo e da importância deles enquanto pessoas, moradores de uma periferia. Eu achei muito produtivo poder falar de teóricos imprescindíveis como foram Brecht, Moreno, Boal e Freire.

Na formatação curricular, houve a opção de levar textos teatrais para os jovens do Setor O e de fomentar neles as mudanças que qualquer arte pode propiciar àqueles que dela se aproximam. Ao adicionar os teóricos às aulas, tinha como intenção fazer relações entre eles e o ensino de artes, levando para o alunado textos de dramaturgia e também questões pertinentes a esse estudo, como as outras funções do teatro além da estética e da pedagógica, a saber, sociais, políticas e terapêuticas.

Também foi possível aos alunos assistirem a dois espetáculos teatrais e perceberem que a arte cênica é um processo de trabalho que demanda tempo e esforço de quem a produz e a realiza, além de criarmos relações entre os grupos estudados nessa dissertação. O primeiro espetáculo foi “A Almanjarra” apresentada pelo Grupo Arte em Expansão, foi uma possibilidade de analisarmos a estética teatral e estudar em sala quesitos como cenário e figurino, montagens de cenas e de personagens. O outro foi o teatro de reprise apresentado pelo grupo de Taguatinga. A partir dele estudamos questões como a participação da plateia e o lado terapêutico de uma montagem cênica:

Figura 20: Alunos do 2º Ano. Dramatização de um jornal vivo

Figura 21: Alunos do 3º ano que montaram um espetáculo de teatro do invisível

4.4.4 Grupo Quatro e a função social e estética do teatro