• Nenhum resultado encontrado

As limitações e outras delimitações deste trabalho

A principal limitação para esta pesquisa é o caráter iniciático da União do Vegetal (e, portanto, os conteúdos são reservados aos graus hierárquicos da mesma) e ensinos terem sido

revelados em pesquisas anteriores, tendo criado algumas dificuldades para minha pesquisa

(não permissão de gravação de entrevista, entre elas). Mesmo os ensinos ministrados nas sessões abertas a não sócios devem, com exceções, ficar restritos às mesmas. As chamadas e histórias não devem ser escritas, portanto, não podem ser analisadas. Daí decorre a impossibilidade de se gravar (em vídeo e áudio) as sessões.

Como já mencionei, segundo Silva (2006), no candomblé, que também possui uma concepção e uma prática iniciáticas, o conhecimento deve ―ser transmitido de acordo com

os méritos de cada um e em função do tempo de iniciação‖ (p. 44, grifo meu). A UDV

guarda a importância iniciática e esotérica em relação aos méritos (nesta instituição, ―de acordo com o grau de memória‖) de cada discípulo, mas, em relação ao tempo de iniciação, já não é dado o mesmo peso que no Candomblé, pois, na UDV ―antiguidade não é posto‖. 63

Analiso a importância da palavra no item ―4.4 A força do querer, o pedido e os mistérios (e poder) das

palavras‖.

64

Palavra utilizada pelos próprios membros do CEBUDV, que, segundo minha pesquisa, está de acordo com a segunda acepção do Aurélio: ―2. Conjunto de indivíduos que professam a mesma doutrina‖ (FERREIRA, 2004).

65

Proponho aqui uma analogia: se uma criança recebesse um alimento que não tivesse condição de absorver, o mesmo lhe seria danoso ou, mais especificamente, se recebesse uma informação que não pudesse compreender, a distorceria de modo que poderia prejudicar seu desenvolvimento. É assim que existe na educação formal (e também na informal) todo um currículo que prevê uma ordem nos conteúdos a serem ministrados de acordo com a necessidade e possibilidade dos educandos. Essa necessidade e possibilidade, na concepção da UDV, é esse ―chegar ao lugar e à condição de conhecê-las‖, é o ―grau de memória‖66.

Outras delimitações para a realização deste trabalho são as do grau hierárquico que ocupo na UDV. Em relação a ser membro do CDC, se por um lado é vantajoso, por outro existe a limitação de eu não ter tido acesso a aspectos que outros membros podem ter por pertencerem ao QM e daí para cima na hierarquia institucional; outra desvantagem que pode ter havido foi a possibilidade de algumas pessoas terem se sentido intimidadas por eu não ser do CI ou do QS: se eu fosse ―um igual‖, poderiam se sentir mais à vontade para falar comigo. Apesar de que há os que me procuram enquanto psicólogo e me pedem sigilo, o que, nesse sentido favorece nosso contato.

Além disso, minhas vivências na UDV também são limitadas, pois se delimitam ao ano de 1991 (de 25 de maio a novembro) enquanto frequentador não-sócio e de 1995 até hoje. São apenas quase dezesseis anos enquanto sócio dentro dos quase cinquenta anos da existência da UDV e, principalmente, no Núcleo Princesa Sama e seu desmembramento, o Pré-Núcleo Menino Deus (o trabalho etnográfico foi realizado quase que exclusivamente neste), que ficam na cidade de Manaus. Nesta cidade existem atualmente dez unidades administrativas, das quais conheço todas, mas apenas através de poucas sessões ou outras atividades em que lá estive. Em Boa Vista conheci dois Núcleos, pois faziam parte desta 2ª Região. Isso dentro do universo de cento e sessenta UAs. Assim, um pesquisador que puder ter acesso a muitas UAs, a todos os mestres antigos e à Diretoria Geral da UDV, certamente terá uma visão de conjunto da instituição bem mais ampla. Contudo, para os objetivos de minha pesquisa, isto não foi necessário. Por exemplo, não se necessita participar de todas as sessões de casal para perceber suas características essenciais.

Além do Congresso da Hoasca em Brasília (de 9-11 de maio de 2008) e o I Encontro do Grupo de Trabalho de Ensino Religioso na Sede Geral da UDV (também em Brasília, dias 12 e 13 de dezembro de 2009), o contato com outras unidades da UDV foi feito em sessões

66

esporádicas em outras cidades do Brasil. O que não diminui a importância dessas vivências. As vivências em Fortaleza em 1995 foram fundamentais para minha permanência na UDV, pois ali havia pessoas com formação universitária e pude perceber que as diferenças que eu havia encontrado em Manaus na época eram culturais locais e não da UDV em si. Em sessão do Núcleo Arco-Íris em Joaçaba (SC), fiz a leitura dos Documentos67 pela primeira vez (em 1997) antes de ter chegado ao Corpo Instrutivo; e, no mesmo núcleo dirigi pela primeira vez uma sessão de escala (em 2000) quando já estava no Corpo do Conselho, pois só havia dirigido uma sessão extra no Núcleo Princesa Sama, do qual eu era sócio quando estava ainda no CI. Ter dirigido uma sessão em Natal e algumas em Coari também foram vivências significativas para mim. Participei, ainda, de sessões em Porto Alegre, em Florianópolis e em Coração de Maria (cidade do estado da Bahia, onde o Mestre Gabriel nasceu - dirigida por seu irmão, Mestre Antonio Gabriel). É importante destacar, também, que conheci diversos mestres antigos da UDV que dirigiram sessões em Manaus. Para buscar ampliar meu contato com outras unidades, realizei uma coleta de dados na 3ª Região (sudeste do Brasil) de março a junho de 2009.

Em síntese, o acesso a dados analisáveis em minha pesquisa possui a limitação da impossibilidade de se gravar (em vídeo e áudio) as sessões e, portanto, por possíveis lapsos equívocos de memória do pesquisador e a da minha pouca vivência relativa no CEBUDV, ou seja, existem pessoas na instituição com muito mais conhecimento do que eu a respeito do Mestre Gabriel (sua história e doutrina): 1) não conheci pessoalmente o Mestre Gabriel; 2) só 16 anos de vivência em 53 anos desde que o Mestre Gabriel se reencontrou com o Vegetal; 3) local (etnografia em Manaus, mais especificamente no Pré-Núcleo Menino Deus e só esporádicas em outros lugares do CEBUDV); 4) vivência maior com só um dos Mestres do CREMG – tive contatos com diversos mestres do CREMG de formas esporádicas em algumas sessões –, lembrando que o Mestre Gabriel não entregou os ensinos para um só, nem deixou herdeiros e que sua própria companheira, a Mestre Pequenina, estava afastada do Quadro de Mestres (QM) quando ele ―fez a passagem‖68

(e, mesmo ele tendo dito que o QM unido é a palavra dele, o CREMG não tem consenso a respeito de todas as dúvidas e controvérsias que surgem); 5) meu grau hierárquico só até o CDC (já que ―no QM é que se começa a aprender‖). Contudo, como já mencionei, tenho algumas vantagens comparativamente a

67 A respeito dessa leitura realizada em sessão explicito no item ―3.1.1 Tipos de sessões‖. 68 A expressão ―fazer a passagem‖ tem o sentido, na UDV, de ―falecer‖.

pesquisadores que não fazem parte da instituição. Além disso, pude descobrir a riqueza do método etnográfico, que utilizei em minha pesquisa.