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Concentração mental e busca de Luz, Paz e Amor

No documento Transformações pessoais na União do Vegetal (páginas 129-132)

3.1 As sessões do Vegetal

3.1.3 O ritual das sessões

3.1.3.1 Concentração mental e busca de Luz, Paz e Amor

Conforme já citei no primeiro capítulo, uma pesquisa com adultos apontou uma melhora da memória e da concentração (GROB et al., 1996); e uma realizada com adolescentes verificou uma diferença, entre outras, nos da UDV com os de um grupo de controle: verificou menos casos de déficit de atenção, isto é, maior capacidade de concentração (DA SILVEIRA et al., 2005). Juntamente com o poder integrador do chá estão, segundo minha interpretação, a cultura material da instituição e o ritual religioso.

Em relação à cultura material da instituição, percebo o seguinte. A decoração dos espaços é inspirada na própria Natureza que circunda os templos dos núcleos da UDV, com ramos de plantas e flores, muitas vezes retirados desses arredores, colocados principalmente junto às estruturas de sustentação do templo, que são simétricas. Os símbolos Sol, Lua e Estrela estão simetricamente posicionados entre si; semelhantemente, estão os arcos na frente dos templos; o mesmo se aplica aos três mastros onde se hasteiam as bandeiras. No salão onde se realizam as sessões, a foto do Mestre Gabriel está situada no centro, de frente para a entrada principal, pendendo acima da mesa com o arco; nas sessões de escala, a organização das cadeiras de macarrão forma um semicírculo (ou uma disposição em forma de arco) com a mesa e, as cadeiras (diferentes das de macarrão) ao redor da mesa estão também simetricamente posicionadas; enquanto que, nas sessões extras, onde a mesa não é colocada no centro119, há formação de formas concêntricas ou em forma de arco onde, no centro (e geralmente abaixo da Foto do Mestre Gabriel) está o dirigente da sessão ladeado por mestres ou conselheiros. Esses elementos de equilíbrio dispostos concentricamente reforçam este aspecto da concentração.

Em relação ao ritual religioso, compreendo que o exercício da concentração mental se faz nas sessões de escala com a leitura dos documentos, onde algumas vezes aparece a frase ―prestar atenção‖ e no caráter iniciático da UDV, pois, para o discípulo mostrar maior ―grau de memória‖, precisa aprender a se concentrar cada vez mais. E, além da leitura dos documentos, há toda uma cultura que busca incentivar a concentração com outros elementos desse o próprio ritual: há as músicas (incluindo o hino da UDV que, quando tocado na sessão não se fica de pé, com o objetivo de maior concentração), as chamadas e as palavras faladas

passou a ser restrito aos do CREMG.

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Geralmente fica em alguma lateral do salão, servindo, quando muito, só para colocar-se recipiente com o Vegetal e copos.

nas sessões (palavras que possuem mistérios120) e o silêncio para que as pessoas possam se concentrar nos próprios pensamentos e sentimentos. O silêncio é um elemento do ritual da UDV: há um silêncio após se comungar o Vegetal, após as chamadas (há algumas chamadas que se recomenda mais tempo de silêncio ―para que a força circule e as pessoas que merecerem possam receber a força e a luz da mesma‖) e após as palavras de alguém que não esteja dirigindo a sessão (até que a pessoa volte ao seu lugar). Se alguém quebra o silêncio em uma sessão, o Mestre Assistente pode ir até ele e falar em voz branda pedindo ―silêncio pra não tirar a concentração das pessoas‖; o Mestre Dirigente pode falar explicitamente no momento da quebra do silêncio, mas, em geral, se fala mais para o final da sessão, sempre explicando a importância do silêncio em uma sessão. Procedimento esse que não reforça o comportamento indesejado (que poderia ser para a pessoa chamar atenção para si, mesmo que inconscientemente). As próprias palavras antes da distribuição do Vegetal já direcionam as pessoas para esse procedimento: ―pedimos aos irmãos que procurem ficar em silêncio e se concentrarem pra receber o Vegetal‖.

E esta concentração mental que se ensina nas sessões contribui para a tranquilidade, equilíbrio e paz (consigo próprio e, consequentemente, com os outros). O aprendizado do

equilíbrio121, portanto, é produto também da concentração mental. Diversas narrativas escutei neste sentido: ―eu estava numa peia segura e nem me mexia‖. Ou seja, a pessoa estava recebendo uma correção que vinha ou através dos ensinos do chá (ou do Mestre) ou de palavras faladas na sessão, mas estava calada e imóvel (equilibrada), equilibrando mais a si própria (equilíbrio – e desenvolvimento – moral e espiritual) através dos ensinos que estava recebendo122.

As palavras da Oradora Oficial antes do início da sessão ―uma boa sessão, plena de Luz, Paz e Amor‖, as palavras dos documentos lidos, as de quem faz a explanação já dão um direcionamento nesse sentido à sessão. Esse ―Símbolo da União‖ (―Luz, Paz e Amor‖) são palavras repetidas algumas vezes durante o ritual; elas aparecem nos documentos e cada vez que alguém fala, repete o bordão: ―Que a sessão continue com (ou plena de) Luz, Paz e Amor‖. A maneira tranquila com que as pessoas dirigem palavras contribui para expressá-las

120 Concepção explicitada no próximo capítulo, no item ―4.4 A força do querer, o pedido e os mistérios (e

poder) das palavras‖.

121 Valor que explicito no quarto capítulo no item ―4.12.5 Do desequilíbrio ao equilíbrio‖.

122 Isto me parece ser, em essência, a mesma metáfora da experiência de ―apertar o parafuso‖, descrita por Bia

com sentimento, não por repetição à moda de ritual obsessivo, mas verdadeiramente

querendo (com concentração e com sentimento) transmitir Luz, Paz e Amor às pessoas.

Observo, ainda que, na UDV, só se repetem em coro as palavras iniciais antes de beber o chá, excetuando-se algumas ocasiões em que se reza o Pai-Nosso e, mais raramente, uma Ave-Maria. Assim, as repetições (e que não são em coro) que eventualmente se dão, são por força da necessidade que as pessoas sentem. Além disso, as próprias respostas do MD não devem ser repetidas. ―Quem pegou, pegou!‖: é uma frase que se ouve frequentemente nas sessões, quando alguém pergunta algo que já foi respondido na sessão. Esta é mais uma prática que valoriza a atenção e a concentração no que está sendo falado. É mais um reforço no sentido de se ―exercitar a memória‖.

As palavras do MD pronunciadas antes de beber o chá ―Deus nos guie no caminho da Luz, para sempre e sempre, amém Jesus‖, em minha interpretação, dão uma ordem (simbólica) que direciona o objetivo da sessão: ser guiado sempre por Deus (que é O Pai), de acordo com Jesus (que é O Filho); mais precisamente, já está aí presente a concepção de que Jesus é o próprio Deus123. Quanto à frase dita, percebi algumas variações. Há pessoas que falam ―Que Deus nos guie...‖, outros falam ―Deus que nos guie...‖, outros ainda dizem ―agora e sempre‖ no lugar de ―para sempre e sempre‖. Quanto à forma de repetição das palavras, há alguns (poucos) lugares em que o MD fala ―Deus nos guie‖ (ou suas variações) e as pessoas ficam em silêncio enquanto ele fala e repetem suas palavras em seguida e ele continua ―no caminho da Luz‖ e assim por diante; na maioria dos lugares que observei as pessoas falam em conjunto com o mesmo. Estas variações, em minha interpretação, confirmam o caráter não dogmático124 da instituição que, atribui importância à busca de cada um, que é individual, mas não individualista: é o respeito ao processo de transformação de cada pessoa em uma busca feita de modo coletivo. A frase ―no caminho da Luz‖ pode ser também interpretada como ―no caminho (que) dá a Luz‖, quer dizer: o caminho de Deus é o caminho que dá a Luz, dá a Si mesmo, já que Deus é a Luz. A palavra ―amém‖ também pode ser compreendida com o

ayahuasca], dá mais uma volta, mais uma ajustada para eu ―entrar no eixo‖, tornar-me mais forte, saudável‖ (GOLDSTEIN, 2009, [s.p]).

123 Concepção explicitada no próximo capítulo, no item ―4.8 A luz, o tempo, a reencarnação‖.

124Concepção explicitada no próximo capítulo, no item ―4.3 A concentração e a união‖. O dogma, neste caso,

tem os sentidos ―1 teol. ponto fundamental de uma doutrina religiosa, apresentado como certo e indiscutível, cuja verdade se espera que as pessoas aceitem sem questionar <d. da santíssima trindade> 2 p.ext. qualquer doutrina (filosófica, política etc.) de caráter indiscutível em função de supostamente ser uma verdade aceita por todos (...) 4 p.ext. opinião sustentada em fundamentos irracionais e propagada por métodos que tb. o são <rebelar-se contra os d. do pai significava surra na certa> 5 teol nas religiões, esp. entre cristãos, doutrina a

sentido de ―amem‖, do verbo ―amar‖, principalmente aqui no norte, onde ―amém‖ e ―amem‖ têm uma diferença só na intensidade sonora (na primeira é no ―é‖ e na segunda é no ―a‖); essa interpretação é confirmada pela maneira como ouvi algumas pessoas pronunciando a palavra como, também, pela própria ordem das palavras: o ―amém‖ (ou ―amem‖), na frase, não

aparece após o nome ―Jesus‖ (poderia aparecer ―Jesus, amém‖), mas sim vem antes da

palavra Jesus.

Ainda quero apontar que a palavra ―Deus‖ pode aparecer como a primeira e derradeira palavra ou há casos em que a derradeira palavra é ―Amor‖. De toda maneira, na frase inicial do ritual aparecem as palavras ―Deus‖, ―guie‖, ―Luz‖ e ―Jesus‖ e, no fechamento do mesmo, ―adeus‖ (que contém a palavra ―Deus‖) ou ―Há Deus‖ ou ―sob o símbolo da Luz, da Paz e do Amor‖. A única sessão que participei onde ouvi algo diferente foi a da abertura do Núcleo Amor Vivíssimo, em que o dirigente disse: ―Com os poderes de Deus e da Virgem Maria e do Amor Vivíssimo, a sessão está fechada‖ (DC 12-12-2010).

No documento Transformações pessoais na União do Vegetal (páginas 129-132)