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Elementos de arquitetura do salão do Vegetal e seus utensílios

No documento Transformações pessoais na União do Vegetal (páginas 112-121)

3.1 As sessões do Vegetal

3.1.2 O lugar das sessões e seus frequentadores

3.1.2.3 Elementos de arquitetura do salão do Vegetal e seus utensílios

Os Núcleos da UDV não têm uma uniformidade nas suas construções e arquiteturas, mas possuem alguns elementos em comum, principalmente na região norte. A Foto 9, feita dentro do templo do Núcleo Princesa Sama, do qual se originou o PNMD, mostra espaços abertos, cercados de vegetação: aqui visíveis estão um coqueiro e um jambeiro que salpica o chão de rosa com sua florada. Mais detalhes: templo de alvenaria no Amazonas, com a

presença de idosos, e arte na coluna do templo (de cuja construção participei), lixeira e suporte de metal para garrafa térmica com água e copos que são colocadas durante as sessões; na Foto ao lado da coluna, podem-se observar ao fundo crianças sentadas na mureta da copa, lugar de convivência onde se realizam a maioria das refeições, também aberto, ligado à cozinha (esta é fechada, pois é onde se guardam alimentos, eletrodomésticos e utensílios de cozinha e de limpeza). Aqui é mister destacar que os idosos e seu conhecimento (e

sabedoria) são valorizados na UDV. Essa característica dessa sociedade está intimamente

ligada à valorização dos pais (pai e mãe) que, como explicito no item ―3.5 Crianças, jovens e

famílias‖, segundo o Mestre Gabriel, são responsáveis por 90% do que são os filhos. Os pais,

adultos e pessoas mais idosas são respeitados e se fazem respeitar na UDV e nas famílias da UDV pelos jovens e crianças como importantes na transmissão da ―ciência‖ de saber viver e de ser feliz, ligada inextricavelmente à ―ciência‖ da evolução espiritual.

Foto 10 – Pré-Núcleo Menino Deus (DMD – PNMD)

No Pré-Núcleo Menino Deus o templo provisório é aberto, quer dizer, é uma estrutura coberta, sem portas nem janelas. Na Foto 10, de parte do ―salão‖ (outro modo de denominação do templo), percebe-se a mesinha de som à esquerda, junto a um poste de sustentação da estrutura do telhado e a uma cadeira com uniforme: para que as pessoas possam ouvir o que é falado na sessão, de modo claro, já que a palavra é importante na cultura

da UDV e as músicas têm um lugar de destaque no ritual, conforme explicito no item ―3.1.4 A arte da música na UDV‖, todos os núcleos possuem um sistema de som, pois, quando são mais de trinta pessoas presentes, a audição começa a ficar dificultada para os que estão sentados mais distantes do MD. Este salão foi projetado inicialmente para os cinquenta e quatro sócios fundadores e depois foi ampliado, pelo crescimento do PNMD.

Foto 11 – (DMD - PNMD)

Na Foto 11, observam-se detalhes da decoração de um dos véus com nuvens e estrelas, os postes de acariquara102 que foram envernizados e que suportam a estrutura do telhado. Junto a um desses postes, percebe-se uma pequena caixa de som; as caixas estão distribuídas de modo a que se possam ouvir, conforme explicitei no parágrafo anterior: dá-se importância a que todos possam escutar uns aos outros, condição essencial para uma boa comunicação e aprendizado. Mais detalhes da decoração: um móbile de cor azul clara brilhante, pendendo da estrutura do telhado, próximo a uma lâmpada; uma estrela com lâmpada dentro na parte superior central. Ao fundo, uma cerca de madeira retirada da própria floresta secundária que

102 Obtidos junto à companhia de eletricidade, que utiliza os de concreto atualmente. Acariquara é uma ―árvore

de até 13 m (Minquartia guianensis) da fam. das olacáceas, nativa das Guianas e Brasil (AP, AM, PA), explorada pela madeira de grande durabilidade, us. em obras externas, pisos etc.‖ (HOUAISS, 2001, [s.p]).

predomina no terreno do PNMD, delimitando a vizinhança com o terreno do núcleo de origem: o Núcleo Princesa Sama.

Pode-se perceber nas Fotos 7, 8, 10, 11 e 12103

, o tipo de construção aberta, com utilização de estrutura de madeira, que é uma característica das construções iniciais nos núcleos da UDV, realizada também no templo do Pré-Núcleo Menino Deus. O núcleo Caupuri, o primeiro de Manaus, possui um templo de alvenaria, que é fechado (e com ventiladores e condicionadores de ar), devido ao crescimento da urbanização ao redor do mesmo, pois o som de entidades vizinhas já dificultava a concentração nas sessões. Mas, nos demais núcleos da segunda região, os templos são abertos ou semiabertos. Assim, os espaços abertos são uma tônica nos mesmos: por um lado, porque os núcleos se situam em terrenos tipo sítios ou chácaras (pela necessidade de se cultivar o mariri e a chacrona); por outro, porque são expressão da própria concepção da instituição a respeito da Natureza104; além disso, construções abertas são menos dispendiosas e existe no Brasil a predominância do clima quente. Observei templos fechados em regiões mais frias, contudo, estes possuem janelas e portas amplas que, na medida do possível (no verão, por exemplo), ficam abertas.

―Note-se que, os estilos de construção aberta convidam à flexibilidade e

participação, enquanto que os espaços fechados tendem a reduzir esta intervenção

(MEDINA RIVILLA, 1989, p. 242-243 apud FERNANDES, 2005b, p. 28, grifos meus). Este aspecto que faz parte dos artefatos, mencionados por Ratner (e que têm efeitos na cultura e nos fenômenos psicológicos), é parte essencial do CEBUDV, já que há para se ver, nesses espaços abertos, a vegetação em constante transformação (principalmente em crescimento, e, mesmo as árvores caídas podem ser metaforizadas como ―servir para alguma função diferente‖; antes, forneciam sombra, flores e frutos e, quando caem, podem servir como madeira para construção, móveis, lenha ou como adubo às demais plantas), o céu com o sol,

nuvens, lua e estrelas e outros espaços onde podem ser realizadas mais construções

(berçário, copa e cozinha, espaços de lazer e convivência e outras) a serem utilizadas

coletivamente. Além disso, há que se destacar os contatos com a vegetação do terreno dos

Núcleos, que se fazem durante as atividades de plantio ou, por exemplo, para ver o mariri que florou atrás da copa105 (DC 07-03-2010).

103

E em diversas outras ao longo desta tese.

104

Já explicitada no primeiro capítulo e que aparece ao longo de toda esta tese.

105 Palavra utilizada no sentido de ―Compartimento da casa onde se lavam e se guardam as louças e talheres de

Os espaços abertos permitem, assim, maior contato com a Natureza: sentir, observar e aprender com a Natureza. Sente-se pelos cinco sentidos mesmo. Talvez em menor grau o sentido gustativo, que fica praticamente restrito à sopa (ou lanche) antes da sessão, ao beber o Vegetal (e o opcional consecutivo tira-gosto – em geral, alguma fruta da época ou um doce) e ao lanche após a sessão. Quanto aos sentidos da visão, audição, olfativo e tátil, esses sim ficam mais pronunciados com o contato com a decoração do ambiente e, principalmente, com a Natureza. Percebem-se as cores e ruídos da vegetação embalada pelo vento, dos pássaros (com seus cantos) e, às vezes, de pequenos animais, como macacos106, o céu ensolarado com ou sem nuvens durante o dia e, à noite as estrelas e a lua, o cheiro e ruídos da chuva, o ruído de grilos e batráquios à noite e das cigarras nos dias de verão, o cheiro da vegetação e das flores. Nesse sentido, o DC 01-08-2010 narra que se iniciou mais uma sessão ―Ao som de grilos (e de batráquios, mais distantes, pois é verão no Amazonas) e sentindo o perfume das flores brancas dos jasmins plantados perto da Foto do Mestre Gabriel (...)‖.

Um discípulo narra, segundo o DC 06-02-2011:

Quando eu cheguei na União do Vegetal, eu perguntei prum [sic] mestre porque não tinha cruz ou Foto de Jesus e ele me respondeu que Jesus as pessoas já conhecem. E a Foto do Mestre Gabriel é porque as pessoas ainda não conhecem ele... é pras pessoas conhecerem ele.

Foto 12

106

Na Foto 12, a Foto do Mestre Gabriel que adorna os templos da UDV, aqui pendurada junto à estrutura do telhado e acima do arco da mesa é melhor visualizada. Pendendo da estrutura de madeira do telhado, pássaros e estrelinhas coloridas - artesanato em origâmi feito por frequentadores.

A Foto do recriador da UDV (na Foto 12), feita em um aniversário (pois há um bolo branco sobre a mesa), representa a presença e direção do Mestre Gabriel: é o guia espiritual dos sócios. Não me estenderei a respeito dele aqui, pois, como já mencionei, há referências a ele em toda esta tese e, principalmente, no próximo capítulo no item ―4.16 Mestre Gabriel, o

pai de todos‖.

Há que se observar que, após quase todas as sessões de escala ou festivas, há um bolo de aniversário (ou mais de um), pois, além dos aniversários de sessões festivas (como aniversário da UDV ou do Mestre Gabriel), os aniversariantes da quinzena costumam levar para festejar com a irmandade. Isso revela um caráter festivo, de alegria e de confraternização dos núcleos da UDV. Ressalte-se, ainda, nessa prática a importância da concepção trazida pelo Mestre Gabriel: ―o aniversário é o dia mais importante pra pessoa, pois é o dia escolhido pelo Poder pra ela encarnar‖ (CIE 27-03-2010).

Na Foto 12a, os frequentadores cantando em homenagem a um aniversariante, na copa, mostrando de outro ângulo mais esse espaço aberto de convivência. Permitindo, assim, a convivência e confraternização das famílias na grande família religiosa que é a UDV.

Voltando a descrever a Foto 10, visualiza-se bem a mesa com o arco, ladeada por seis cadeiras, com copos em bandejas sobre um caminho de mesa de cor branca (no centro) e um carrinho com mais copos. O chão de cimento, pintado de verde, como é comum nos núcleos em Manaus.

A mesa significa o sagrado mais material, mas que também é espiritual: é na mesa que se recebe os alimentos, que também são sagrados, já que necessários para a sobrevivência do corpo humano, que ―é o templo do espírito‖ (DC 08-12-2010 – PN Mestre Angílio). A importância da mesa no cristianismo é representada nos quadros a respeito da ―Santa Ceia‖ de Jesus com os doze apóstolos. De modo prático na UDV, é sobre a mesa que se coloca o ―filtro‖, copos e jarras com água. Contudo eles possuem um significado espiritual também.

O arco dá um caráter misterioso à sessão. Sabe-se da importância do arco-íris na cultura judaico-cristã: significa a aliança de Deus com a humanidade. Assim, o arco da mesa significa que quem estiver, como se fala na UDV, ―debaixo do arco‖ (essa é a expressão usada, mas como o arco fica sobre a mesa, o MD fica na cadeira, ou de pé, um pouco atrás do arco; isto é, dirigindo a sessão), estará podendo receber (se merecer) os ―ensinos do Alto‖ para poder transmitir na sessão. Portanto, o arco tem um sentido de sagrado mais espiritual.

À direita do Mestre Dirigente está o ―filtro‖ com o Vegetal (foto 13). O simbolismo desta posição é, como já mencionei há pouco, que ―o lado direito é o da razão‖ e ―o lado esquerdo é o do coração, do sentimento‖. É por essa concepção, ainda, que as pessoas, quando bebem o Vegetal recebem-no com a mão direita, pois o fazem ―de forma

consciente‖. É por isso, ainda, que nas sessões o Mestre Assistente senta (à mesa) ao lado

direito do Mestre Dirigente, bem como o Mestre Representante (na cadeira de macarrão também à direita do MD).

―Filtro‖ (foto 13) é como é chamado, em geral, o recipiente onde é colocado o Vegetal a ser distribuído nas sessões, mesmo que nele não haja materialmente um artefato filtrante. Contudo, esta palavra possui uma importância na linguagem da UDV, pois se diz que ―o coração é um filtro‖. De toda a maneira é clara a metáfora do filtro: este é usado para filtrar ou, de certa forma, ―purificar‖ algo.

De modo semelhante, utiliza-se a palavra ―peneira‖. Em construção civil, utiliza-se a peneira para retirar pedras ou impurezas da areia que fará parte da argamassa. Neste caso, proveniente também da origem cabocla da instituição, pois o caboclo constrói sua própria habitação; muitas vezes com o auxílio dos parentes, amigos e vizinhos; ora de taipa, como da Foto histórica do Mestre Gabriel com os braços abertos, que no site da UDV aparece sob o título ―Origem da União do Vegetal‖ (aqui, Foto 14); ora de madeira e, quando possível, de alvenaria. Quero lembrar, ainda, que o mestre Gabriel foi dono de uma olaria.

Como já mencionei, o lugar preferencial das sessões é nos templos dos Núcleos da UDV. Pois, os Núcleos (e Pré-Núcleos) são considerados ―Pontos de Luz‖ (DC 08-12-2010 e CEBUDV – DG, 2011, [s.p]), sendo que alguns de seus nomes têm uma referência clara à

Luz: Luz Divina, Luz do Norte, Luz de Maria, Luz do Oriente, Rainha da Luz, Luz

Abençoada, Sereno de Luz, Luz Dourada, Lumiar (Ibidem, [s.p]). Em relação à ―Estrela‖ existem os nomes: Estrela Divina, Estrela Guia, Estrela do Oriente, Estrela Oriental, Estrela do Norte, Estrela Matutina, Lupunamanta, Estrela Dalva, Estrela Bonita, Estrela Encantadora, Cruzeiro do Sul, Estrela Brilhante, Estrela da Manhã (Ibidem, [s.p]).

Na Foto 15 há o conjunto de três arcos contendo as imagens representando uma Estrela, o Sol, com a Lua Crescente. Mais uma vez aqui, percebo o simbolismo da posição: o

Sol como o Deus Pai (no centro e em nível superior ao das duas outras imagens), pois tem luz

própria; uma Estrela (à direita do Sol), representando o filho (masculino, pois está à direita, e como já explicitei, tem o sentido da razão), refletindo a luz do Sol; e a Lua Crescente (à esquerda do Sol), representando a mãe (feminino, pois está à esquerda, e como já explicitei, tem o sentido do coração, o sentimento), também refletindo a luz do Sol. A palavra

Crescente, como já explicitei no item ―3.1.2.2 O uso do uniforme‖, pode ter o sentido de

crescimento, transformação, evolução espiritual. Assim, um sentido que se pode perceber nas representações do Sol, da Lua e de uma Estrela é o de uma família, já que, em diversas culturas e etnias o Sol representa o Pai, a Lua representa a mãe; e a Estrela pode representar o filho ou filha (ou um irmão ou uma irmã). Mas, lembrando que o Sol também é uma Estrela, sem levar em conta a posição dessa Estrela, ela também pode representar Deus, assim como, na tradição cristã, a Estrela do Oriente representa Jesus, o Filho de Deus; pode, ainda, representar um mensageiro de Deus, o Mestre Gabriel, guia espiritual da UDV.

Sobre o gramado em frente ao templo, do lado esquerdo do mesmo, construiu-se um presépio, também da tradição cristã, que anuncia a proximidade do Natal, em que são utilizadas estatuetas representando Jesus (o Menino Deus), Maria, José, os três Reis Magos e três anjinhos; expressam uma arte simples, com recursos pouco dispendiosos e das imediações: bambu, madeira, palha, arame, velas em garrafas pet com areia e vasinhos com plantas ornamentais.

Apresento outros ângulos e elementos do templo ao longo deste capítulo, bem como os demais espaços e construções do PNMD.

No documento Transformações pessoais na União do Vegetal (páginas 112-121)