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Direito de existir, concepção a respeito de ―droga‖ e de chá Sagrado

1.2 O Centro Espírita Beneficente União do Vegetal (CEBUDV)

1.2.4 Direito de existir, concepção a respeito de ―droga‖ e de chá Sagrado

Segundo Gentil e Gentil (2004), ―a UDV foi registrada em cartório inicialmente como Associação Beneficente União do Vegetal e, posteriormente, como Centro Espírita Beneficente União do Vegetal‖ (p. 561). Já, segundo Brissac (2004), ―Em 1967, após incidentes de perseguição policial ao grupo em Porto Velho, é encaminhada a constituição de uma entidade civil, primeiramente denominada Sociedade Beneficente União do Vegetal, adotando depois o nome definitivo de Centro Espírita Beneficente União do Vegetal‖ (p.

572). E, de acordo com a ―Agenda 2011. UDV 50 anos construindo a paz no mundo‖30, depois daquele episódio, ―criou-se a Associação Beneficente União do Vegetal. A eleição da Diretoria foi no dia 1º de novembro, e a posse foi no dia 6 de janeiro de 1968‖ (CEBUDV– DG, 2011, p. após a data 02/01); esta é a versão oficial a respeito do nome, também

encontrada no site da UDV

(http://www.udv.org.br/A+BOA+CAUSA+DA+UDV+DA+ORIGEMBRa+VIToRIA+NA+S UPREMA+CORTE+DOS+EUA/Destaque/19/). Mas, independentemente do primeiro nome registrado juridicamente, percebe-se, sem dúvida, que a necessidade da legalização da UDV foi decorrente de perseguição policial. Nesse sentido, ela vem buscando seu direito de existir. Por isso utilizou meios jurídicos para buscar garantir esse direito, mas, também, pesquisas científicas para buscar comprovar que o chá é inofensivo no âmbito da instituição e da

maneira criteriosa como é ali utilizado.

Foto 5 –Preparo de Hoasca (Fonte: www.udv.org.br)

Por isso, a instituição realizou o Projeto Hoasca em 1993 que teve como objetivos ―Investigar os aspectos médicos da Hoasca, respondendo a duas perguntas básicas: 1-―O Chá Hoasca utilizado no contexto da UDV é seguro?‖ e; 2-―Como ele age no cérebro?‖.‖ (CEBUDV, 2000, p. 2). Ele envolveu cinco instituições brasileiras e quatro estrangeiras e, ―Segundo o Dr. Charles Grob (UCLA), Principal Investigador do projeto, ―Foi um estudo jamais realizado dos aspectos médicos da Hoasca, intensivo e exaustivo‖‖ (Ibid., p. 3-4).

Cabe aqui explicitar a respeito da concepção de ―droga‖ na UDV. Concebe-se que

―droga‖ é tudo que é prejudicial; para diferenciar de substâncias benéficas, usam-se as

palavras ―remédio‖ ou ―medicação‖. Quanto ao Vegetal, por ser um chá que altera o estado de consciência, gerou-se toda uma polêmica31 entre UDV e instituições do estado, onde os adeptos da primeira se embasam em pesquisas científicas, como já mencionei, e nos efeitos transformadores da ―Hoasca‖ para argumentar que ele não é uma droga. Os argumentos são de que: 1) não é prejudicial à saúde (―do ponto de vista toxicológico, o Vegetal é quase tão inócuo quanto a água‖); 2) não causa dependência (―não causa qualquer padrão de dependência, abuso, overdose ou abstinência‖); 3) não causa prejuízo social (não se constatou o aparecimento de distúrbios mentais posteriores ao uso do chá); 4) transforma positivamente os seus usuários (―São abundantes, entre os membros da UDV, histórias de transformação moral, frequentemente envolvendo curas de alcoolismo, abuso de drogas, violências domésticas, prática de negócios fraudulentos etc.‖); e, em consequência; 5) O uso ritualístico do chá é permitido legalmente, tanto no Brasil (desde a época da ditadura militar) quanto nos EUA (CEBUDV, 2000; CEBUDV, 2008; DC 21-03-2010). Destaco que, neste país, houve uma longa disputa jurídica para garantir o direito de beber o Vegetal em ritual. (Ver ―ANEXO C – A defesa dos direitos da União do Vegetal‖.).

Foto 6a – Flor do Mariri (Fonte: www.udv.org.br)

Conforme os entrevistados CIC&L32 28-08-2010, naquela ocasião,

31

Apresento aqui só a informação a respeito da concepção, pois não é objetivo deste trabalho entrar nessa polêmica.

travaram as plantação de Vegetal todo nos Estados Unidos e eles prenderam o Vegetal, recolheram todo o Vegetal que existia. Então nós ficamos um período de quase 6 anos até a solução da Corte aprovando e liberando o Vegetal. Nesse período que nós ficamos sem o Vegetal, a gente fazia as sessões regulares, 1ª e 3ª escala, bebia água, então tinha as chamadas de abertura, as chamadas regulares. E a sessão rolava por 4 horas do mesmo jeito (...).

- Foi um momento muito difícil pra mim, eu não tava pronta pra aquele momento, não. Eu queria mesmo era beber o Vegetal e continuar minha caminhada espiritual.

E, a respeito de dois acontecimentos no Brasil, de acordo com o DC 22-04-2010, Mais uma entrevista em um programa de televisão, agora com alcance internacional, como consequência da repercussão da morte33 do cartunista Glauco; mais um evento que marca o avanço da busca do reconhecimento por três religiões hoasqueiras34: título de cidadão acreano aos líderes das mesmas. Neste caso, houve coincidência do momento, pois já havia o planejamento da homenagem antes do trágico acontecimento. Um ponto em comum nos dois casos é que, por conta do preconceito (originado mais por desconhecimento) por parte da mídia e população em geral, colocam os hoasqueiros em situação de alerta e mobilização emocional. Há narrativas de preocupação por parte de colegas e, principalmente, de familiares que ainda não conhecem o Vegetal. Isso pode ser vivenciado como algo até perturbador, já que é questionada a identidade dos hoasqueiros: são viciados em droga? E os questionamentos decorrentes daí. No Brasil não há questionamentos em relação às religiões católica e evangélicas; quanto ao kardecismo, principalmente com a projeção de Chico Xavier, parece não sofrer mais preconceitos; já as de origem afro, como o candomblé, ainda parecem sofrer mais preconceito, contudo, têm sido objeto de estudo há muitas décadas e, devido ao movimento negro no Brasil, têm tido espaço na mídia e até no currículo escolar do país. Contudo, as religiões hoasqueiras ainda são um mistério para a maioria da população, principalmente pela utilização de um chá, considerado alucinógeno. No estado do Acre, já por terem uma tradição maior, obtiveram um reconhecimento da Assembleia Legislativa, o que tranquiliza mais os hoasqueiros e familiares, mas ainda está longe do atual status das outras religiões no país. Isso se reflete em uma maior proximidade dos grupos hoasqueiros (internamente e entre si), que fortalecem sua identidade. Pelo que eu saiba, não houve casos de afastamentos de pessoas desses grupos por conta dos acontecimentos trágicos (assassinato do Glauco e mortes de dois outros, noticiados na mídia anteriormente).

E, de acordo com o DC 21-03-2010,

32 Utilizo ―&‖ no caso de serem dois entrevistados.

33

Por parte de uma pessoa com distúrbios psiquiátricos.

34

Devido ao assassinato do cartunista Glauco e seu filho Raoni, foi colocada a gravação da entrevista com o Secretário Nacional de Políticas sobre Drogas, General Paulo Uchoa. A situação trágica gerou diversas ideias, sendo uma delas a de que o Daime teria ocasionado a tragédia, ao que o General opinou, contrariamente, que o réu confesso teria cometido uma insanidade daquelas em qualquer outra circunstância.

A transcrição desta gravação se encontra na íntegra no ANEXO L. Assim, há no Brasil, desde a época da ditadura militar, ainda uma luta em curso pelo direito a existência dos grupos ayahuasqueiros. Se no Peru, país vizinho, esse chá é patrimônio Cultural (ANEXO J –

Declaração de Ayahuasca enquanto Patrimônio Cultural do Peru), no Brasil se enfrentam

dificuldades como a petição que a UDV sentiu-se no dever de fazer ao CONTRAN (ANEXO

K – PETIÇÃO AO CONSELHO NACIONAL DE TRANSITO – CONTRAN).

Em síntese, as dificuldades enfrentadas pela instituição na busca de legitimação, por mais desagradáveis que tenham sido, acabaram fortalecendo a identidade do grupo.