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As manifestações de autoformação

5.1 UM OLHAR SOBRE A AUTOFORMAÇÃO

5.1.3 As manifestações de autoformação

Associada a um contexto de situação de aprendizagem, as manifestações de autoformação podem ser representadas a partir de três dimensões:

a) a autoformação como manifestação do próprio sujeito:

Eu aprendi a não aceitar tantos nãos que às vezes as pessoas impõem para a gente... Eu aprendi a questionar. (Rita)

Eu aprendi sozinho... Eu mesmo, pesquisando, correndo atrás... (Guilherme)

Por mim, aprendi a parar para refletir, antes de tudo, sobre as minhas ações... Modificar todas as ações que já tinha esquematizado. (Elizabeth)

Por mim mesma, eu aprendi a dar aula. Porque na faculdade você aprende a matéria, o conteúdo, mas você só vai aprender a dar aula na vida quando te jogam na sala. [...] enfrentar muitas coisas, a conversa para que não fosse tão problema. E que enfrento hoje de uma forma mais fácil. (Lau)

Comigo mesmo estou trabalhando para aprender a ter consciência e fazer errado ou certo. Realizar, mas não sofrer se não der certo... (Márcia)

Por mim mesmo... Controle. Conforme você vai se conhecendo, você aprende a respeitar os seus limites e o dos outros. Você aprende que tem que ceder. [...] Eu aprendi comigo que eu sou capaz. Eu aprendi comigo que eu me amo. Eu em primeiro lugar, Deus, família... Constantemente pesquisando. Constantemente lendo. Constantemente observando o outro. E vendo onde estou errando,

onde estou acertando, onde eu posso arrumar, onde eu posso aprimorar ou aperfeiçoar... A minha formação se dá num diálogo entre eu e eu mesmo... (Saraiva)

Por mim mesmo, aprendi a investigar as coisas, pesquisar, correr atrás. Eu sou apaixonado por livros... (Thiago)

Eu aprendi que era sozinha e ninguém iria fazer nada por mim... Então, tinha que aprender, tinha que fazer... (Ana)

Ficaram explícitas, na fala dos entrevistados, as ideias construídas ao longo de seu processo formativo, em que os sujeitos associam a necessidade de buscar conhecimentos por si mesmos, além de autonomia e responsabilidade por esta aprendizagem. Eles associam o conhecimento à atualização e sua mobilização para aprender.

b) a autoformação como manifestação do outro:

Acho que, além da formação, eu aprendi com pessoal o apoio, com o próprio ambiente escolar. Tudo isso favoreceu... Tudo que vai fazer diferença e favorecer a minha prática eu acho que vale a pena aprender... Eu aprendi que o principal é a formação do caráter. Ela se dá justamente em estar com o outro, em estar na escola... Eu aprendo com o outro. Então, o outro o tempo todo vai ter alguma coisa a passar pra mim. (Rita)

Aprendi com minha família. Aprendi com minha mãe. Aprendi com outros professores, nos cursos que participei. Aprendi com viagens que eu fiz para outros países. Não sei, eu acho que a gente sempre aprende... Hoje através dos livros, através da internet. (Guilherme) A minha família me ensinou principalmente o respeito com as pessoas e comigo mesma... Ser humilde, além de tudo... Minha mãe sempre presente. Ela trabalhava em casa de família, mas mesmo assim, toda noite, ela estava lá olhando nossos cadernos, vendo se tinha lição ou não. Se não estava pronto, dava bronca. E isso foi pra vida toda e isso eu apliquei como mãe também. (Elizabeth)

Aprendi com a família a união, a solidariedade, a aprender, a conviver, a amar ao outro, coisa da cidadania... Além da escola, eu aprendi em casa com os meus pais. Eu aprendi também com os amigos. Sempre que nos reunimos, aprendemos. Na própria escola, com os outros professores. Com a minha mãe eu aprendi a religião. (Lau)

Com a minha família eu aprendi... Infelizmente, a engolir muito sapo. E depois eu quis colocar todo esse sapo para fora, aí eu passei a ser muito ignorante. Aprendi a união, a ligação familiar... Independente do que acontecia, a gente estava sempre juntos... (Márcia)

A minha família me ensinou a lutar, a não desistir jamais. Vá em frente! Minha mãe falava e deixava bem claro: “eu tenho poucos estudos, mas quero que você tenha mais do que eu”. Eles sempre me incentivaram. (Saraiva)

Especialmente a minha mãe, me ensinou a ser um excelente homem, fazer tudo direitinho, com responsabilidade, e tudo aquilo

que tenho que assumir e fazer com empenho... Eu aprendi a ser. (Thiago)

Os sujeitos desta pesquisa revelam o aprender com os outros, que é construído na relação e no diálogo. Foram capazes de construir e reconstruir o significado de aprender como ponto de chegada à percepção do próprio processo, o que se dá por meio do contato com o outro, e nessa relação adquiriram e construíram saberes. O que para Morin (2000) é um importantíssimo aprendizado, pela valorização do aprender a conviver com os outros e desenvolver a percepção de interdependência, administrar conflitos, participar de projetos comuns.

c) a autoformação como manifestação do ambiente, seja escolar ou não. Na escola, aprenderam:

[...] na escola aprendi a ler e escrever e depois fui aprendendo... (Guilherme)

[...] na escola aprendi muita coisa mesmo, até ser uma pessoa. (Elizabeth)

[...] eu aprendi a conviver com professores maravilhosos que me formaram... Mas, o que foi importante é que me lembro de coisas que eu aprendi lá com eles. Não só a parte de tudo das matérias, mas também a convivência era uma coisa muito boa, eu acho que aprendi muito com isso. (Lau)

[...] aprendi na escola o conhecimento intelectual, mas o mais me marcou foi o que não devo fazer com o aluno... (Márcia)

[...] na escola eu aprendi que a educação é a base de tudo. Sem educação você não é nada. Sem educação você é um fantoche da classe dominante. Sem educação você não tem opinião. Sem educação você não é um ser. Sem educação você não faz a diferença. (Saraiva)

[...] aprendi na escola que da parte do conhecimento absorvemos 70% de 100% que o professor passa, mas para a vida eu aprendi a conviver em sociedade, a ter limites e saber agir como cidadão... Aprendi para a vida e foi além do conhecimento. E, também, que o professor não tem que passar apenas o conhecimento, ele tem que passar a forma de como viver uma vida mais agradável. (Thiago) Eu digo que saímos crus, mas a teoria é muito importante. Eu gosto muito de psicologia do desenvolvimento, e não entendia cada fase que a criança passava, então, isso foi muito importante para o meu aprendizado. (Ana)

E o que aprenderam fora da escola:

Eu acho que o que aprendi fora da escola foi mais na vida familiar... São tantas coisas. Como tratar as pessoas no dia a dia, no cotidiano... Aprendi com a família que eu posso sempre ir além... Aprendi nas comunidades, na igreja [...] Hoje estou fazendo algo que eu sempre quis fazer, que é um curso sobre deficiência visual pela

prefeitura, na igreja... A arte em si é algo que eu sempre quis aprender e nunca tive a oportunidade. (Rita)

Fora da escola eu aprendi bastante coisa, eu fiz vários cursos. Com a família, aprendi a educação... A ter respeito, limite, educação com as pessoas... Se eu quisesse ter alguma coisa na vida, devia estudar... A conviver com as pessoas, respeitar. (Guilherme)

Fora da escola também muita coisa. Esse contato com as pessoas. As histórias das pessoas, isso modifica muito a vida da gente... Aprendi nas viagens, nos espaços culturais, teatro, cinema... Eu acho que, a partir do momento que você sai de casa, você olha ao redor e vai aprendendo a cada minuto, cada instante. A partir do momento que põe o pé na rua, você vê que as coisas vão acontecendo. Então, acho que [o aprendizado] é em todos os lugares. (Elizabeth)

Fora da escola, é tão engraçado que não consigo separar a escola, que já estou tão dentro dela... (Lau)

Fora da escola, a pessoa que mais me ensinou, por duras penas, foi meu pai... Em todo lugar eu aprendo. (Márcia)

Fora da escola eu aprendi a vida... A ser mais independente... Tudo o que tenho hoje, tudo o que eu sou hoje, é uma somatória do que aprendi na escola e o que eu vivi na rua. Eu, particularmente, com 12 ou 13 anos fui trabalhar no trem. Eu vi de tudo. Fiquei dos 12 aos 18 anos no trem... O trem foi uma grande escola para mim. Concomitantemente ao trem, o Cefam. Eu pude comparar as duas realidades, uma dava subsídio à outra. [...] Museus, teatros e a própria conversa de rua, do trem, lugares que aprendi. [...] Hoje, como estou na graduação, eu aprendo na universidade e aqui [escola]. Eu costumo dizer que a minha formação se deu mesmo além daqui, na aula na minha casa. Lá eu tenho hoje três salas de aulas completas. Quinze anos que nós temos essas salas de aula. Eu aprendi a dar aula, realmente, na minha casa. (Saraiva)

Eu aprendi dentro de casa, principalmente que algumas coisas a gente tem que seguir à risca... Na rua, o aprendizado era um pouquinho diferente. Ali, aprendia-se tudo o que não presta e em casa era consertado. Na vida, fora de casa e ambiente escolar, tem coisas que a gente não deve aprender. [...] Dentro de casa, com amigos e em ambientes um pouco mais cultos, como restaurantes, aprendi como funciona a culinária, a cultura de um povo fora do país. Viajei para os Estados Unidos! (Thiago)

Eu aprendi com as situações dentro de casa e que levamos para a escola... Aprendemos muito na condição de pais. Refletindo como pais e levando depois para a escola... Fora isso, eu aprendi nas minhas leituras, nos cursos. (Ana)

Os sujeitos investigados situam-se nas múltiplas relações com as experiências que os constroem. Isto se liga à visão do pensamento complexo segundo a qual a parte está no todo, assim como o todo está na parte. Assim, devemos romper com a noção de que as partes, ou os indivíduos estão de um lado e o universo, o todo, de outro. Esta relação do ser humano com seu mundo é que introduz a ideia de auto-eco-organização, de criação de suas próprias estruturas e

de novas formas de pensamento, em que o conhecimento vai sendo construído no contexto vivido a partir da interação interdependente com o meio.

Essas relações múltiplas do sujeito com o ambiente em que vive são como aberturas a novas possibilidades; dessa maneira, na aprendizagem com novas experiências, tendo contato com o diferente, amplia-se o conjunto desses aprendizados e se vislumbram outras concepções e saberes.

Os entrevistados demonstraram ter vivenciado o processo auto-organizativo na e pela reflexão, num movimento recursivo de ação constante, que acabou por transformá-los. Essa prática se efetiva no princípio recursivo de que fala Morin (2007a), em que cada sujeito e universo é, ao mesmo tempo, produtor e produto, causa e efeito, fim e meio do outro.