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Márcia: “eu não consigo me enxergar nesse mundo fazendo outra coisa.”

4.4 APRESENTANDO OS ENTREVISTADOS, OS SUJEITOS DA

4.4.5 Márcia: “eu não consigo me enxergar nesse mundo fazendo outra coisa.”

O que mais penso, testo e explico: todo-o-mundo é louco. O senhor, eu, nós, as pessoas todas. Por isso é que se carece principalmente de religião: para se desendoidecer, desdoidar. Reza é que sara da loucura. No geral. Isso é que é a salvação-da- alma... Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco

ocasião de religião... (ROSA, 1970, p. 15)

Márcia leciona no ciclo II do ensino fundamental e no ensino médio da escola privada. Formada em Matemática, atua profissionalmente há 22 anos.

Eu fiz a licenciatura curta na universidade Brás Cubas e fiz a licenciatura plena na Faculdade Hebraico Renascença. Não tenho pós. Não tenho porque depois eu comecei a investir nos filhos. Eu fiz cursos assim: o [Centro de Aperfeiçoamento do Ensino de Matemática] Caem da [Universidade de São Paulo] USP. Sai um curso eu faço, mas um curso que tenha um custo baixo e que eu tenha certificado. E teve grupo de estudos que eu participei, mas por minha conta. Mas o meu sonho mesmo era ter formado um grupo de estudos de Matemática, em que pudéssemos nos encontrar

regularmente... Só que as pessoas começam e acabam parando, por isso não deu muito certo.

A trajetória de Márcia é marcada pela aprendizagem com a família, principalmente com o pai, no sentido de uma tomada de consciência daquilo que não queria para si mesma e a decisão em dar um rumo diferente à sua vida:

[...] a pessoa que mais me ensinou, por duras penas, foi meu pai... [...] Com a minha família eu aprendi... Infelizmente, a engolir muito sapo. E depois eu quis colocar todo esse sapo para fora, aí eu passei a ser muito ignorante. Aprendi a união, a ligação familiar era muito importante para nós. Independente do que acontecia, a gente estava sempre juntos, um sempre estava apoiando o outro, segurando o outro e tal. E a gente aprendeu a união, é isso.

A professora demonstrou muita emoção ao relatar o que aprendeu com a família. E mostrou como, aos poucos, foi deixando para trás o conformismo, foi-se transformando e compreendendo outras possibilidades para sua vida: “Eu encontrei no espiritismo esse equilíbrio que eu preciso pra lidar com o ser humano e para lidar comigo mesma. Eu não saberia viver afastada de uma religião e ter equilíbrio, eu necessito de religião”.

A transformação é anunciada por intermédio de seu ingresso na religião, quando diz: “Eu vivo me recarregando, eu sou muito dependente espiritualmente, então eu não sei desvincular minha vida, por exemplo, da espiritual, porque eu dependo disso pra ter gás”. Percebo que a fé, junto com a educação, fazem-na acreditar que os alunos podem crescer.

Outro contexto em que ela manifesta sua capacidade de apropriação de saberes é a sala de aula, em que é convocada a reagir:

[...] eu acho que ser professora me tornou uma pessoa melhor. Porque eu me via como pavio curto e lidar com as pessoas me tornou mais humana. É, eu aprendi a lidar com vários tipos de pessoas, a ter equilíbrio e entender melhor as pessoas. Eu acho que eu me tornei melhor por ser professora e creio que eu tenha contribuído porque tenho uma fé imensa que eles [alunos] podem crescer.

Ao abordar o desafio que a levou ao ingresso na profissão, diz:

Eu nasci pra isso e foi um desafio também porque a gente é extremamente humilde, eu escutei coisas assim: “você não vai conseguir ser professora”, “como que uma pobre ia ser professora”, eu acho que isso me incentivou: “agora é que vou ser”.

A religião e a família ocupam um lugar fundamental no processo de formação de Márcia: “eu acredito na continuidade da vida, e eu acredito que ter vida é aprender e no momento que eu parar de aprender eu começo a morrer”.

Da escola, ela destaca: “[...] como aluna, o que eu não devo fazer com o aluno, aprendi muita coisa... Conhecimento intelectual, mas o que mais me marcou foi o que eu não devo fazer...”. E, em relação a si mesma: “eu aprendi a acreditar mais, eu aprendi a não desistir”.

É neste contexto de trocas e interações que Márcia vai-se constituindo enquanto pessoa e profissional.

4.4.6 Saraiva: “eu estou constantemente mudando...”

Uma parte de mim é permanente: outra parte se sabe de repente. (GULLAR, 2001, p. 335)

Saraiva atua no ensino médio da escola privada. Está cursando Física na USP, estudou Magistério no Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (Cefam) e está na docência há cinco anos.

A minha formação é assim... Como eu estou constantemente mudando, comecei fazendo Biologia, parei, não gostei. Não gostei não, não era a minha área! Fiz História, dois anos e meio, parei. Fiz Matemática, um ano e meio, parei. Fiz Física pela Federal de São Paulo, dois anos e meio... Faltando um semestre, parei... O meu sonho foi sempre entrar na USP. Claro, fui para a USP, recomecei. Estou terminando o curso, atualmente. Minha formação é professor licenciado em Física.

A experiência com o aprendizado é lembrada como fato marcante e de estudos exaustivos. Fez várias tentativas para chegar ao curso da USP, o sonho de sua vida: “[...] eu costumo dizer que eu sou um ser inconcluso... Cada dia eu aprendo, eu tenho que aprender muito”.

As mudanças têm seus desdobramentos, conforme ele destaca:

Constantemente pesquisando. Constantemente lendo. Constantemente observando o outro. E vendo onde estou errando, onde estou acertando, onde eu posso arrumar, onde eu posso

aprimorar ou aperfeiçoar. A minha formação, ela se dá num diálogo, entre eu e eu mesmo.

Saraiva revela a presença da educação como primordial:

Eu aprendi que a educação é a base de tudo. Sem educação, você não é nada. Sem educação, você é um fantoche da classe dominante. Sem educação, você não tem opinião. Sem educação, você não é um ser. Sem educação, você não faz a diferença.

O professor constrói suas aprendizagens para realizar um sonho:

[...] aprendi a vida, fora da escola. A vida me ensinou a ser mais independente... Tudo o que tenho hoje, tudo o que eu sou, é uma somatória do que aprendi na escola e o que eu vivi na rua. Eu, particularmente, com 12 ou 13 anos, eu fui trabalhar no trem. Eu vi de tudo. Fiquei dos 12 aos 18 anos no trem. Então, se eu tivesse que me perder, eu tinha me perdido no trem. No trem você conhece todo o tipo de pessoas, você conhece drogas, você conhece a parte podre da sociedade, mas conhece também a parte boa. O trem foi uma grande escola para mim. Concomitantemente ao trem, o Cefam.

Emerge na trajetória de Saraiva a busca de outras possibilidades para dar continuidade à sua formação:

[...] a gente não para... A graduação é somente o meio do caminho. Eu quero chegar ao mestrado e ao doutorado. Eu quero chegar a dar aula numa universidade. Eu sei que tenho potencial para isso. Mas, estou vindo de baixo. Eu estou conhecendo todo o processo para chegar lá em cima e não ser mais um.

Ele revela as situações de aprendizagem em processos educativos formais e informais, em espaços e tempos diversos. Na escola: “A escola me ensinou, mas a vida me ensinou... Eu pude comparar... Isso eu quero pra mim, isso eu não quero...”. Fora de escola: “[...] aprendi a vida, fora da escola. A vida me ensinou a ser mais independente... Tudo o que tenho hoje, tudo o que eu sou hoje, é uma somatória do que aprendi na escola e o que eu vivi na rua”. Na família: “A minha família me ensinou a lutar, a não desistir jamais. Se você tem um sonho, não desista do sonho, por mais árduo que seja o caminho. Vá em frente!” Por si mesmo: “Eu aprendi comigo que eu capaz [...] eu consegui ser autodidata. [...] tomei consciência das coisas que a escola não me ensinou, mas a vida me ensinou. As coisas dependem de mim, não do outro. Aí, sim, eu passei a estudar de maneira eficaz”.

É possível perceber, nas falas de Saraiva, que as situações de trabalho são espaços privilegiados em que se desenvolve a dimensão da formação docente.

Eu costumo dizer que a minha formação, ela se deu mesmo além daqui, na aula na minha casa. Lá eu tenho hoje três salas de aulas completas. Quinze anos que nós temos essas salas de aula. Eu aprendi a dar aula, realmente, na minha casa.

Sua trajetória é marcada pela presença dos entrelaçamentos da vida e da escola. É perceptível que está sempre atuando, construindo estratégias, forjando espaços para si mesmo, tomando decisões e fazendo escolhas.

4.4.7 Thiago: “aprender um pouco de cada coisa, o máximo que você conseguir