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Então, o que é formação?

3.1 FORMAÇÃO: TESSITURAS E SENTIDOS

3.1.1 Então, o que é formação?

Etimologicamente, a palavra formação (do latim forma: ação de formar e de se formar, maneira pela qual algo se configura e é formado) remete às noções de contorno, aparência e de princípio interno de unidade.

No contexto geral, formar é “dar forma a algo”. No caso do ser humano, pressupomos que seja dar uma feição ao conjunto das relações humanas vividas pelo homem e a maneira como isso ocorre na aquisição de conhecimentos, capacidades, atitudes. Tal processo resulta da constituição dos seres em suas interações com a natureza e a sociedade. Toda apropriação de aprendizagem é, de fato, uma transformação (metamorfose), uma passagem além e através de um

modelo para que possa emergir um novo formato de saber (morfogênese)21 (GALVANI, 2002).

“O termo formação, com suas conotações de moldagem e conformação, tem o defeito de ignorar que a missão do didatismo é encorajar o autodidatismo, despertando, provocando, favorecendo a autonomia do espírito.” (MORIN, 1999b, p. 10-11) De acordo com o autor, a moldagem e a conformação têm relação direta com as circunstâncias que envolvem e condicionam a constituição do sujeito humano e a consequente instituição da educação. A formação promove o dimensionamento complexo que envolve a relação entre o que é da esfera individual, da espécie, e o que pertence à sociedade, numa mediação que se desdobra na atuação do sujeito, em conformidade com parâmetros subjetivos que mobilizam sua ação humana e pelos quais vem sendo conduzido, de acordo com os parâmetros normativos da sociedade. Em seu processo formativo, o sujeito pode ou não apresentar dificuldades, como o valor da liberdade e da igualdade, os quais encontram múltiplas interferências, interpretações provenientes do processo dinâmico da aprendizagem na constituição humana. Morin (1997b) adota a definição de autodidatismo como o processo de aprender por si mesmo, ou seja, um processo de fazer-se, de questionar e compreender como se dá a construção para si de um devir cultural e humanizado, mediatizado nas relações com outro e o mundo.

A formação destacada por Morin leva em consideração o autodidatismo, caracterizada por um processo de aprendizagem recíproca, de trocas, experiências e conhecimentos, num movimento recursivo e de exploração intersubjetiva, supondo a possibilidade de um retorno reflexivo sobre sua própria experiência para o aprimoramento de sua ação.

[...] meu autodidatismo recolhe, enfim, o mel de tantas colheitas passadas e, a partir da colheita, todas as flores de que minhas pesquisas precisam para este livro; os polens de uma cultura feita de colheitas aqui e acolá, embebida de todos os gêneros literários e de todas as disciplinas de ciências humanas, encontram-se reunidos e organizados. (MORIN, 1997a, p. 33-34)

Em sua fala, aparece de maneira viva o conceito de autoformação: sua intenção é a de extrair o melhor do paradoxo entre saberes aparentemente

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“A formação é um processo vital e permanente de morfogêneses e metamorfoses emergindo das interações entre a pessoa e o meio ambiente físico e social” (GALVANI, 2002, p. 3).

antagônicos. Nesse sentido, diz, “é um caldo de cultura onde prossigo minha formação sobre terrenos múltiplos” (MORIN, 1997a, p. 35).

Morin também vê a ausência cultural como impulso à busca, à curiosidade e ao saber, quando diz:

[...] fui feito por aquilo de que eu sentia sede. Minha abertura onívora sustentou meu autodidatismo, que sustentou minha abertura onívora. Através de meu autodidatismo, descobri-me e descobri minhas verdades contrárias.

[...] tudo o que a literatura, o filme, a canção revelaram conflui em minha busca...

[...] aprendi literatura no colégio, mas muito mais nos livros que lia escondido do que nas aulas dos professores. (MORIN, 1997a, p. 41, 27, 15)

Mostra-nos, ainda, a sua caminhada formativa, quando diz:

[...] Assim começou a minha caminhada autodidata: a partir do romance popular, do filme, das cançonetas, a partir da cultura da rua de Ménilmontant. Digo autodidata porque este não conhece hierarquia e categorias a priori, e opera sua seleção em função de necessidades tão profundas quanto inconscientes. É nesta caminhada sem caminho que vou ter acesso, por meus próprios meios, à cultura dos eruditos (MORIN, 1997a, p. 18).

A formalização do desenvolvimento da aprendizagem por si só, para Morin (1997a), acontece ao permitir a dessubstancialização do universo cultural, deixando de considerar as possíveis verdades fixas e estáveis, atribuindo-se, em seu lugar, relações com a civilização, “o que ajuda o espírito a contextualizar, globalizar, antecipar” (MORIN, 1997a, p. 45). A ideia, para ser compreendida, deve ser inserida num complexo sistema de pensamentos e experiências, deve ser contextualizada.

Pode-se afirmar que o saber, o conhecimento é uma construção permanente, inesgotável, pois na vida e na ciência não há certezas absolutas. Com base nessa ideia e convicção, encontro no pensamento complexo a possibilidade de um aparato teórico que me proporcione uma leitura de maior abrangência, mais crítica e profunda, dos complexos fenômenos da temática estudada, como possibilidade de ampliação de leitura e análise. Presumo que o pensamento complexo, enquanto pressuposto teórico norteador, possibilita transcender uma análise da “autoformação” tão-somente enquanto saber acadêmico, considerando suas demais dimensões. O cerne do pensamento complexo é distinguir, mas não separar; considera todas as dimensões do sujeito e do contexto e relaciona o que é de

origem diversa e múltipla, relação que se dá entre os seres, de cada ser consigo mesmo e com seu contexto social, ecológico, econômico, político, místico, histórico, cósmico, formando um inseparável e único pensamento: o complexus.

Destaca-se, ainda, dentre as diferentes concepções de formação, a abordagem de Pineau, que a define como um processo permanente e vital de todo ser e a criação de uma forma. O autor nos mostra que toda vida humana implica uma aptidão para conhecer e, reciprocamente, todo conhecimento implica um sujeito interagindo reflexivamente com o meio ambiente físico e sociocultural. Pineau presume uma experiência com o conhecimento, uma reestruturação e transformação do sujeito frente à vida pessoal e social. Tal concepção vai além de uma visão sociológica e/ou educacional, na direção de uma perspectiva antropológica. Nessa perspectiva, a formação é entendida como sendo gerada por três polos: 1) da atividade permanente do sujeito sobre si próprio, “como a apropriação por cada um do seu próprio poder de formação” (PINEAU, 2011, p. 1), a começar de si mesmo, autoformação; 2) da interação com os outros, heteroformação; e 3) da interação com as coisas do mundo, ecoformação.

A ideia de que há que aprender a construir-se, a dar-se forma, criando um sentido para a existência, tal como para a aprendizagem, está na base de uma concepção na qual a autoformação deve ter papel fundamental, a qual se justifica pela prática coletiva que a interliga a tudo o que a rodeia, levando em conta as vivências e os saberes.