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Autoformação imbricada nos aspectos da natureza (ecoformação) e na

3.2 TEORIA TRIPOLAR DA FORMAÇÃO

3.2.3 Autoformação imbricada nos aspectos da natureza (ecoformação) e na

A ideia fundante do princípio da autoformação resulta da própria condição de humanidade e emerge da religação complexa entre a natureza e a cultura na constituição do sujeito docente. Não pode haver autoformação desvinculada do contexto global. Trata-se de um processo integrado ao contexto social e cultural, no qual a pessoa se inscreve.

Compreende-se que a natureza da autoformação está intrinsecamente relacionada à forma de ser singular do sujeito, às condições subjetivas e aos diferentes contextos dos tempos e espaços da interação com o meio ambiente físico e social. Como sujeito inserido na cultura, encontra-se em uma relação permanente com os movimentos de mudança. E seu papel diante do mundo no qual vive está imbricado na dinâmica de suas experiências, nas suas diversas inteligências, e esta demanda exige dele um exercício permanente na transformação de si e do mundo.

Para a compreensão do sujeito e da atividade humana, é preciso perceber a interação entre as fontes naturais e culturais do seu comportamento. Desse modo, pode-se inferir que a ideia de autoformação também é produto de uma construção cultural.

Esta ideia reforça uma concepção de formação de natureza complexa, pois é aberta, mutante, dinâmica e reflexiva. Pensar a partir desse referencial requer uma mudança paradigmática: é necessário ter, como base de aprendizagem, a compreensão do homem e do mundo, dos fatos e dos fenômenos; é preciso trabalhar o conhecimento em sua multidimensionalidade por meio de práticas educativas que ocorrem nos espaços formativos da aprendizagem da docência, isto é: pessoal e profissional. Pensar a formação docente no sentido de destacar sua implicação com a complexidade do ser humano, que tem as características inalienáveis de enfrentar as incertezas, de interagir com os outros e com o mundo, num ir e vir constante das partes para o todo e vice-versa, de maneira entrelaçada e dialógica.

Além disso, a formação propicia um processo integrador que transita entre autoformação, heteroformação e ecoformação simultaneamente, e se revela na constituição do ser e nas práticas pedagógicas transformadas.

Nas palavras de Pineau (2011, p. 1),

Entre a ação dos outros (heteroformação) e a do meio ambiente (ecoformação), parece existir, ligada a estas últimas e dependente delas, mas à sua maneira, uma terceira força de formação, a do eu (autoformação). Uma terceira força que torna o decurso da via mais complexo e que cria um campo dialético de tensões, pelo menos tridimensional, rebelde a toda simplificação unidimensional.

Dito de outro modo, o desenvolvimento da autoformação pode ser visto como um percurso de investimento na própria aprendizagem, em que o sujeito docente se

constrói num processo de autonomização24, ou seja, apropria-se de seu próprio poder de formação, que permite a busca do seu devir e de sua própria identidade. A identidade aparece ligada à construção da autonomia, que, por um lado, ressalta a existência individual, comportamental, cultural, social e espiritual na identificação do sujeito em relação aos outros sujeitos; e, por outro lado, é a relação “eu-outro” que vai determinando a possibilidade de autonomia e dependência. Pode-se dizer que somos tanto mais autônomos quanto mais dependentes. Nesse movimento, o sujeito inclui um caráter existencial inseparável do outro: é que ele só pode tornar-se ele mesmo sob a influência dos outros e, ainda nessa relação, afirmar a singularidade de si próprio.

É por meio da identidade que se pretende compreender e comunicar-se com as contradições da condição humana. É o que se pode chamar de relação de alteridade, que implica mudança de atitude, instruir-se, ou seja, formar-se no encontro do eu e do outro, no movimento de oposição e demarcação (imbricado no “nós” cultural), no processo interativo e comunicativo caracterizado pela existência da percepção de construir-se como pessoa e de modo a apropriar-se da própria história.

3.2.4 O sujeito na formação

A percepção de uma concepção de sujeito que possa servir como referência concreta para a autoformação docente significa a compreensão das dimensões que constituem a complexidade humana e suas relações, no sentido de tecer juntos os vários aspectos que a constituem e que estão imbricados na realidade humana e educacional e, ainda, com a possibilidade de construção de um processo de ação docente, com uma prática reflexiva sobre o conhecimento. Uma instrução que construa significados para desenvolver uma relação pessoal, transformadora e que partilhe socialmente as ações.

A autoformação é vivenciada na interação com o outro, com os demais seres, com o cosmos, e é inseparável da vida planetária. É nesse espaço que a autoformação deve acolher a reflexão sobre a condição humana, que implica o respeito à condição de existência de todos os seres que interagem com o planeta.

       24

Segundo Gaston Pineau, "a noção de poder, o poder de si mesmo de estabelecer as próprias normas, as próprias leis" (PINEAU; MARIE-MICHÈLE, 1983, p. 75, tradução nossa).

Sujeito originário do cosmos, da natureza, da vida, mas que, devido à própria humanidade, à cultura, à mente, à consciência, torna-se estranho a esse cosmos que parece secretamente íntimo. O pensamento e a consciência nos fazem conhecer o mundo físico e nos distanciam dele. O fato de o sujeito considerar racional e cientificamente o universo separa-o dele. Isto é desenvolvido além do mundo físico e vivo.

Há que considerar o conhecimento como um processo interativo entre o sujeito e as possibilidades de ver a relação entre ele e os outros, consigo mesmos e com o mundo que os circunda. Emerge o sentido para uma nova visão do mundo e da vida, em que a ação do sujeito vai além do que é projetado no mundo e a partir do contexto vivido. É nesse “além” que tem lugar a complexidade da humanidade. Tudo isso faz emergir o processo de hominização, isto é, a humanização é testemunhada pela possibilidade da evolução, tanto cultural quanto biológica, da educação sociocultural e de um meio “complexificado” pela cultura.

Isso significa reconhecer, como disse Montaigne (apud MORIN, 2007a, p. 73), que “cada homem carrega a forma inteira da condição humana”, com a complementaridade e também com os antagonismos e contradições indivíduo/sociedade/espécie.

Nesse patamar, torna-se imprescindível a compreensão da identidade planetária do ser humano, pois somos constituídos da mesma substância do cosmos, das estrelas, da Terra e de todos os seres que nela habitam. Refletir sobre quais as repercussões que a autoformação, que está sendo construída pelo sujeito docente, irá gerar para os alunos, para a comunidade local, para a sociedade, para as futuras gerações, para a humanidade e para o planeta.

Pensar a autoformação docente implica reconhecer que o conhecimento envolve limites, possibilidades e tem uma relação intrínseca entre sujeito e objeto; amplia as possibilidades de escolha, mas também a incerteza, assim como a necessidade em encontrar meios de contornar as limitações.

No conjunto dessas considerações factuais, é importante destacar uma referência feita por Morin sobre as diversas fontes da incerteza, propondo algumas ações e abrindo diversas possibilidades ao conhecimento, entre elas, as trocas entre os sujeitos humanos e a consciência reflexiva. São fundamentais novas maneiras de gerar e regenerar o conhecimento e permitir enfrentar o paradoxo essencial: “o operador do conhecimento deve tornar-se ao mesmo tempo objeto do

conhecimento” (MORIN, 2008b, p. 36). A incerteza pode propiciar ao sujeito aprendente certa alquimia mental capaz de transformar as pulsões de vida, as proposições mobilizantes em ferramentas do conhecimento.

Não precisamos alcançar o poder absoluto de nosso espírito/mente. Necessitamos da pertinência dele. Devemos libertá-lo da miopia e fragmentação que lhe são culturalmente impostas. Queremos que ajude a salvar o futuro da humanidade. [...] como esse futuro depende também da mente humana, o problema da reforma do pensamento, ou seja, da reforma do espírito, tornou-se vital. (MORIN, 2007a, p. 258)

Morin alude a uma importante referência: a reforma do pensamento. O processo de autoformação precisa incluir a reforma do pensamento, que parta de um pensamento reducionista em direção a um pensamento complexo, capaz de ligar, contextualizar e globalizar.

3.2.5. Polo heteroformativo

Descobrir a autoformação como simultaneamente oposta e ligada à heteroformação, como a noite é ao dia.

(PINEAU, 2000, p. 155)

Tendo em vista a complexidade e a abrangência da interação na tarefa formativa ao longo da vida, Pineau não prioriza um dos três polos (autoformação, heteroformação e ecoformação), mas os coloca juntos em ação, para articular as contradições e a invariância dos níveis de realidade que os preservam, pois as polaridades são extremamente complexas e indicam desdobramentos de outros processos, não previstos.

Em decorrência do processo, haverá sempre um sujeito em desenvolvimento, que é único e se torna incompreensível para os outros. Isso significa que prevaleceu a capacidade de autoformação sobre os outros dois polos. Por outro lado, entender como a constituição de um sujeito o torna semelhante à outra pessoa é colocar o polo da autoformação numa situação social complexa de tensão, “tão diferente, mas também tão ligado quanto a noite pode estar ao dia” (PINEAU, 2000, p. 131), e aí encontrar a heteroformação.

O sujeito em desenvolvimento não controla todos os aspectos de sua formação, e o aprender com os outros requer recombinações de suas experiências

anteriores, imbricadas nas relações dependentes e autônomas do meio e da própria pessoa.

É, pois, a questão da heteroformação que merece destaque e reflexão, segundo Pineau (1988, p. 66): “função de síntese, de regulação, de organização dos múltiplos e heterogêneos que constituem o ser vivo, numa unidade viva. Função sempre em ação, pois a unidade viva nunca é evidente”.

A ação da construção da aprendizagem se dá na relação simultânea e interdependente que o sujeito mantém com os outros para implementar seu projeto. O sujeito forma-se na relação com os outros, integrado, interdependente e interpenetrado nas várias situações e nas aprendizagens conjuntas.

O processo conduzido pelo polo heteroformativo inclui o âmbito social e as relações de trocas mútuas entre o ser no mundo e na sociedade. Esse movimento, em consonância com a autonomização do polo autoformativo, designa o caráter social e alia-se ao outro na constituição do ser. Essa condição de ser no mundo ocorre na interação com o meio ambiente: eis o processo da heteroformação potencializando a educação pelas influências herdadas da família e do meio sociocultural.

É importante trazer os contributos da heteroformação ao contexto da formação, pois na relação entre o social (outros) e a livre expressão individual (o si mesmo) em determinados contextos e tempos, aparece a mediação das ideias, da discussão, dos pontos de vista, dos elementos novos que podem aparecer entre os envolvidos. Vale destacar a possibilidade de transformação existencial e social do sujeito em processo de metamorfose nesse polo.