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2. Inclusão

2.2. A atualidade portuguesa

2.2.2. As opções do Decreto-Lei n.º 3/2008

Como já dissemos, quando surgiu, o Decreto-Lei n.º 319/91, de 23 de Agosto, este representou um avanço inovador aos desafios colocados pela época em que foi criado, respeitando as perspetivas técnicas, científicas e filosóficas mais atuais. Talvez por isso se tenha mantido em vigor durante tanto tempo, apenas sendo substituído por uma nova regulamentação, o Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, publicado em 2008, passados cerca de 17 anos.

Já em 1999, ao enaltecer os princípios inovadores introduzidos, Correia e Cabral (1999b), apontavam algumas omissões, por exemplo, relativas à operacionalização das situações mais ou menos complexas ou à definição pouco rigorosa da constituição e funções

da equipa responsável pela elaboração do PEI. De facto, o mundo não parou, emergindo inevitáveis transformações sociais, mudanças no funcionamento e estrutura das escolas, bem como um novo enquadramento relativo a conceitos estruturantes, dado pela filosofia inclusiva.

Neste contexto, aceitavam-se alterações e, talvez por isso, o Ministério da Educação tenha apresentado o novo dispositivo legal tentando a maior publicitação possível, com a indicação dos grandes avanços que preconizava. Em nossa opinião, este processo terá ficado marcado por alguma desconsideração pelo percurso da Educação Especial tomado até aqui, na medida em que se apresentaram como novas, respostas que já existiam, ao mesmo tempo que se reduziu a população alvo da Educação Especial.

Vejamos então quais os aspetos mais relevantes inscritos na nova legislação, começando pelos princípios e conceitos que preconiza. No quadro da valorização da educação e melhoria da qualidade de ensino, no seu preâmbulo defende a “promoção de uma escola democrática e inclusiva, orientada para o sucesso educativo de todas as crianças e jovens”, reafirmando a dimensão eminentemente social e de equidade educativa que decorre da

Declaração de Salamanca, fazendo-lhe referência expressa. Também no seu preâmbulo, ao

mesmo tempo que refere que “Todos os alunos têm necessidades educativas” também explicita que os “apoios especializados”, identificados com a resposta de Educação Especial, visam responder a alunos com “limitações significativas”, resultado de “alterações funcionais e estruturais, de carácter permanente”, assumindo que “Entre os alunos com deficiências e incapacidades (…) apenas uma reduzida percentagem necessita de apoios personalizados altamente especializados”. Deste modo, ao se identificar com os princípios preconizados pela Declaração de Salamanca, o Decreto-Lei n.º 3/2008 reduz de forma muito significativa o número de alunos a quem podem ser disponibilizados apoios no âmbito da Educação Especial, num exercício algo contraditório.

Ao nível do seu âmbito de aplicação o mesmo dispositivo legal prevê a sua ampliação à educação pré-escolar e aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo (art.º 1.º, n.º1), embora tal já se verificasse. De facto, como vimos, a aplicação das medidas de regime educativo especial previstas no Decreto-Lei n.º 319/91 tinham já sido alargadas ao pré-escolar em 1993, com a portaria n.º 611/93, de 29 de Junho bem como já eram colocados docentes de apoio em educação especial que, embora afetos a uma escola pública, exerciam funções de apoio a alunos a frequentar estabelecimentos particulares, desenvolvendo planos educativos

encontra qualquer e, no segundo, o Decreto-Lei n.º 3/2008 apenas vem formalizar legalmente uma prática pré-existente.

No novo enquadramento, assume particular relevância a definição da população escolar alvo da Educação Especial. Esta é uma das principais alterações expressas no novo normativo (art.º 1.º, n.º 1), na medida em que, em definitivo, restringe a Educação Especial aos alunos com necessidades educativas especiais de carácter permanente (NEECP), formalizando a separação entre o atendimento realizado no âmbito da Educação Especial, onde apenas cabem os alunos com NEECP identificados por referência à Classificação

Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), e outras eventuais respostas

disponibilizadas pela escola a todos os outros alunos com dificuldades escolares. Dizemos em definitivo porque a conceptualização relacionada com aquele carácter permanente já tinha sido introduzida pelo Decreto-Lei n.º 6/2001 (cf. supra) pelo que a presente legislação veio apenas apontar com clareza o caminho preconizado para a Educação Especial em Portugal.

Neste âmbito, o Ministério da Educação, através da Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular (DGIDC) chega mesmo a avançar com 1,8% como a prevalência dos alunos com NEECP que carecem de apoio no âmbito do novo enquadramento da Educação Especial (ME, 2008).

Como indicado, intimamente ligado à avaliação e elegibilidade dos alunos para a aplicação de medidas educativas no âmbito da Educação Especial, o Decreto-Lei n.º 3/2008 apresenta uma verdadeira inovação, a utilização da comummente designada por CIF (OMS, 2003), uma classificação da Organização Mundial de Saúde, referindo que os resultados da avaliação aos alunos devem ser “obtidos por referência à Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (…), servindo de base à elaboração do programa educativo individual.” (art.º 6.º, n.º 3). Mais tarde o Ministério da Educação vem esclarecer que a classificação a utilizar é a versão da CIF para Crianças e Jovens, conhecida como CIF- CJ (ME, 2008).

Este processo de avaliação, monitorizado de perto pelas Equipas de Apoio às Escolas, estrutura dependente das Direções Regionais de Educação, produziu desde logo resultados, traduzidos numa significativa diminuição de alunos anteriormente identificados como tendo NEE e que deixaram de ver-lhes aplicadas medidas educativas de apoio especializado plasmadas num Programa Educativo Individual. Assim, em 2009, existiam 31 776 alunos com NEE e PEI, representando 2, 6 % do universo da população a frequentar a escolaridade obrigatória (ME, 2009).

Ao nível do processo de referenciação, avaliação e programação também se encontram algumas clarificações. Aqui sai reforçada a participação dos pais e encarregados de educação e o normativo refere expressamente a confidencialidade do processo. Embora seja consensual a sua importância, também estes aspetos eram já assegurados por anteriores práticas e em legislação geral relativa à proteção de dados individuais.

Reafirma-se a obrigatoriedade da elaboração de um Programa Educativo Individual (PEI), já prevista no dispositivo legal que vem revogar (era o Plano Educativo Individual), embora com a eliminação de um segundo documento, o Programa Educativo. Ainda na planificação e programação educativa, introduz o Plano Individual de Transição (PIT) como complementar ao PEI, dirigido a alunos cuja problemática os impeçam “de adquirir as aprendizagens e competências definidas no currículo” (art.º 14.º, n.º 1), também aqui, formalizando práticas já generalizadas em muitas escolas.

Após a referenciação das crianças e jovens que eventualmente necessitem de educação especial e até à homologação e consequente produção de efeitos do PEI, todos os documentos exigidos passam por um processo que passa por várias fases e intervenientes. Começa pela elaboração conjunta do relatório técnico-pedagógico pelo docente de educação especial e serviço de psicologia com o contributo dos restantes intervenientes no processo (diretor de turma e restantes docentes, professor do 1.º ciclo ou educador-de-infância, encarregados de educação e outros intervenientes quando necessário, mesmo que exteriores à escola), passa pela elaboração e aprovação em Conselho Pedagógico do PEI, caso se considere a elegibilidade do aluno para efeitos de aplicação de medidas educativas no âmbito da educação especial, e termina com a sua homologação pelo diretor. Se a implicação de todos os intervenientes nos parece adequada, já as restantes fases do processo nos parecem pouco ágeis e, eventualmente pouco eficientes, podendo colocar em causa o cumprimento dos 60 dias definidos para a sua duração.

Como novidade estabelece o diretor de turma, professor do 1.º ciclo ou educador de infância como coordenador do PEI, remetendo o docente de educação especial para uma intervenção técnico-pedagógica com funções de reforço e desenvolvimento de competências específicas ou de desenvolvimento de conteúdos do currículo específico individual (a medida mais restritiva).

No que respeita à organização dos agrupamentos e escolas, o Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro refere que os mesmos devem incluir nos seus projetos educativos, aspetos organizacionais e de funcionamento necessários às respostas exigidas pelos alunos com NEECP.

Concomitantemente, estabelece a criação de uma rede de escolas de referência para a educação bilingue de alunos surdos e para a educação de alunos cegos e com baixa visão, bem como a possibilidade dos agrupamentos e escolas proporem a criação de unidades de ensino estruturado para a educação de alunos com perturbações do espectro do autismo e unidades de apoio especializado para a educação de alunos com multideficiência e surdocegueira congénita a criar por despacho do diretor regional de educação competente (art.º 4.º).

Até aqui já existiam unidades especializadas de apoio a alunos sediadas em determinadas escolas, para responder a diferentes problemáticas, no entanto, o novo enquadramento legal veio definir esta solução de forma generalizada, limitando a disponibilização de recursos mais específicos às mesmas, em detrimento das escolas da área de residência dos alunos. Com esta opção, existiam no início do ano escolar de 2009/10, em todo o território português continental, 10 agrupamentos de escolas e 10 escolas secundárias de referência para a educação bilingue de alunos surdos, 25 agrupamentos de escolas e 27 escolas de referência para apoio à educação de alunos cegos e com baixa visão, 187 unidades de apoio especializado a alunos com perturbações do espectro do autismo e 292 unidades de apoio especializado a alunos com multideficiência (ME, 2009). Considerando o percurso da educação inclusiva importa realçar que, por exemplo, no caso das escolas de referência para a educação bilingue de alunos surdos aquele número corresponde a uma escola para todo um distrito. Nos outros casos a situação é diferenciada mas esta opção pode implicar sempre uma grande distância desde a residência do aluno até à escola de referência ou unidade especializada, sendo que o Decreto-Lei n.º 3/2008 não faz qualquer referência à forma como são resolvidos aspetos básicos relacionados com o transporte ou alimentação dos alunos deslocados.

Finalmente, uma referência à diminuição do número de medidas educativas previstas que de 9, no Decreto-Lei n.º 319/91, de 23 de Agosto, passaram para 6. Nestas é de realçar a introdução da medida “Tecnologias de apoio” por substituição da anterior medida de regime educativo especial “Equipamentos especiais de compensação”, em última análise, adequando-se a terminologia e a utilização de equipamentos e tecnologias disponibilizadas pelo mundo tecnológico atual. A algumas (“Adequações curriculares individuais”,

“Adequações no processo de matrícula” e “Apoio pedagógico personalizado”) foi alterado o

nome, grosso modo, mantendo-se idênticas quanto ao conteúdo, foi introduzida a medida

“Currículo específico individual” em substituição do anterior “Currículo alternativo” e as