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CAPÍTULO 3 – ANÁLISE QUALITATIVA

3.5 Os crimes hediondos, o traficante, as organizações criminosas e os casos célebres – de 1990 até os dias atuais

3.5.2 As organizações criminosas

De acentuada da influência da legislação estrangeira autoritária, a entrada em vigor da Lei n. 9.034, de 3 de maio de 1995, instituiu no País um novo mito: o crime organizado. Combatê-lo, virou palavra de ordem em qualquer discurso político, seja da esquerda quanto da direita127.

O grande mal surgido na década de 1990 e nos anos seguintes é a criminalidade

organizada que, segundo o discurso jurídico-penal criado como justificativa de sua existência,

teria se enraizado no Estado, possuindo vários “tentáculos” de atuação.

Juarez Cirino dos Santos revela o mito do discurso jurídico-penal relativo ao crime organizado que esconde o viés autoritário sob o manto de maior eficiência do combate à criminalidade:

A resposta penal contra o chamado crime organizado é mais ou menos semelhante em toda parte: maior rigor repressivo, introdução de novas modalidades de prisões cautelares, instituição de “prêmio” ao acusado colaborador, criação de programas de proteção de testemunhas, inaugurando o assim denominado duplo binário repressivo, com o Código Penal para os crimes comuns, e leis especiais para o chamado crime organizado. Nessa linha, o conceito de crime organizado parece cumprir relevantes funções de legitimação do poder, especialmente nas áreas da polícia, da justiça e da política em geral: a) amplia o poder da polícia, capaz de mobilizar maiores recursos materiais e humanos; b) confere mais eficiência à justiça, mediante redução de complicações legais e introdução de segredos processuais, por exemplo; c) oferece aos políticos um tema de campanha capaz de produzir votos, aos partidos políticos a oportunidade de competirem entre si pela melhor estratégia contra o crime organizado e ao poder político o discurso sobre a ameaça real desse novo inimigo interno da democracia, capaz de justificar restrições aos princípios da legalidade, da culpabilidade e de outras garantias do processo legal devido do Estado Democrático de Direito128.

Mas, infelizmente não é só. O discurso do combate à “criminalidade organizada” se entrelaça e se funde na jurisprudência do STF com a figura do traficante, fruto da política de

127 Sobre o tema, indicamos a leitura do texto de KARAM, Maria Lúcia. A esquerda punitiva. Disponível em:

<http://pt.scribd.com/doc/74572563/Maria-Lucia-Karam-A-esquerda-punitiva#archive>. Acesso em: 1º dez. 2012.

128

SANTOS, Juarez Cirino dos. Crime organizado. 1º Fórum Latino-Americano de Política Criminal − IBCCRIM. Ribeirão Preto (SP), 14 a 17 de maio de 2002. Disponível em: <http://www.juareztavares.com/textos/ crime_organizado.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.

86 guerra às drogas norte-americana. É justamente essa junção que compõe o novo foco a ser combatido, os novos inimigos a partir da segunda metade dos anos de 1990. Daí o autor arrematar:

... segundo, assume a teoria simplista de que crime organizado e narcotráfico são causas da criminalidade, ignorando a relação de determinação entre estruturas de exclusão de sociedades desiguais e criminalidade, com a inevitável formação de associações de poder ilegal independentes do Estado: se a sociedade civil exclui do sistema escolar e dos processos sociais de produção e de consumo legais milhões de seres humanos, então a sobrevivência animal desses cidadãos de segunda classe deve oscilar, necessariamente, entre a guarda de carros em vias públicas e o crime patrimonial, com o mercado da droga ilegal aparecendo como alternativa possível e, de fato, melhor...

Se na cidade de São Paulo dos primeiros anos do século passado, conforme demonstrado com Boris Fausto, é a vadiagem que produz a criminalidade, tal qual um foco de epidemia, na atualidade é traficante líder de uma organização criminosa. Importante notar que o uso do conceito vago da organização criminosa é mero instrumento de retórica discursiva para legitimação de um exercício de punir sem peias, dado que o delito de quadrilha ou bando já contempla, desde há muito o que hoje se entende por criminalidade organizada.

Com relação às organizações criminosas, Habeas corpus n. 102.164/RJ:

Decreto de prisão preventiva devidamente fundamentado na garantia da ordem pública, considerada a participação do Paciente em organização criminosa, notadamente o exercício de chefia, e a possibilidade objetiva de reiteração delituosa, que não é desmentida pelos elementos constantes nos autos (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC n. 102.164/RJ. Ministra Carmem Lúcia. 27 de maio de 2010. Disponível em: <http://stf.jus.br>).

As organizações criminosas passam a compor o discurso jurídico-penal com a entrada em vigor da lei em maio de 1995, o que indica que a partir de então os atores jurídicos tiveram que buscar o que seria organização criminosa e quem a compunha.

Recentemente, com a Lei n. 12.694, de 24 de julho de 2012, 17 anos após a entrada em vigor da primeira lei é que se definiu o conceito de organização criminosa:

Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de

87 qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.

Perceptível o caráter de vacuidade conceitual para aplicação do dispositivo o que permite um uso discricionário e sem peias na sua aplicação.

Assim, o discurso jurídico-penal brasileiro recebeu dos países do primeiro mundo uma nova possibilidade discursiva baseada no medo que a criminalidade, agora “organizada” – antes nunca fora? – representa para a sociedade.