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CAPÍTULO 4 – ANÁLISE QUANTITATIVA

4.3 Apresentação dos dados

4.3.4 A questão do tempo entre a data do fato/prisão e o julgamento pelo STF

A prisão preventiva para garantia da ordem pública guarda ou deveria guardar uma relação de imediatidade com a ocorrência do fato criminalizado.

Ou seja, se um crime alterou a normalidade social de determinada localidade e que, portanto, se faça necessária e urgente a segregação cautelar daquele sobre o qual recai a acusação de sua prática (a fim de se “normalizar” a situação), a informação relativa à data de sua ocorrência nas decisões da Suprema Corte se torna, ao nosso sentir, fundamental para o julgamento. Do contrário, se perderia as referências mínimas sobre a realidade fática do fenômeno social e se correria o risco de julgar com base em uma ilusão temporal de ótica.

136 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Mudar a mentalidade. Gazeta do Povo, 31 mar. 2009. Disponível em:

<http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?id=872592>. Acesso em: 12 set. 2012.

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G1 BRASIL. Lei da nova fiança completa 1 ano, mas não reduz lotação de cadeias, 02 jul. 2012. Disponível em: <http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/07/lei-da-nova-fianca-completa-1-ano-mas-nao-reduz-lotacao-de-

109 Toda decisão judicial é sempre uma retrospectiva de um fato ocorrido. Os juízes acabam, na maioria das vezes, tendo que praticar um exercício de recomposição temporal dos fatos. No caso do processo penal é sempre análise do quanto colhido na instrução, elementos de provas e os significantes do magistrado.

Quando a prestação jurisdicional ocorre no Tribunal, a quantidade de informações sobre o ocorrido é bem menor. Embora, não raro, principalmente por defensores mais diligentes, se junte aos autos cópias integrais do processo de origem. Admitindo que em parte dos processos não dispõem os ministros de completas informações sobre o fato, com as datas de sua ocorrência, nada impede, ao contrário é prática forense solicitar informações ao juízo de origem sobre a situação do processo, realizando assim uma atualização temporal para o julgamento.

Em síntese, em que pese o Tribunal ter que decidir questões colocadas mais objetivamente que nos juízos primeiros, nada impede de se buscar as informações que julgar pertinentes para formação da convicção.

Da mesma forma, a informação sobre a data da prisão do acusado é (ou deveria) ser relevante para a prestação jurisdicional da Suprema Corte no tema da prisão preventiva para garantia da ordem pública.

Portanto, optamos por ir à cata, na análise das 460 decisões do STF, dessas informações nos votos dos ministros para tentar identificar se esta é uma preocupação na construção do discurso jurídico-penal dos ministros, qual o percentual de sua ocorrência nos julgados e compará-las com a data do julgamento.

Somente em 62 processos se constatou a informação da data de ocorrência do fato, o que significa 13,5% dos processos. Com relação à data da prisão, somente 94 processos, ou 20,4% deles, foi possível encontrá-la. O baixo índice tanto de uma, quanto de outra informação, revela- nos um silêncio importante nas justificativas dos ministros.

Ao comparar os dados relativos à data da ocorrência do fato com a do julgamento pelo STF, temos o seguinte cenário:

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Tabela 5 – Tempo entre o fato e o julgamento – 1936-2012

Tempo entre o Fato e o Julgamento FREQUÊNCIA PERCENTUAL

Até 1 ano 8 12,9% 1 a 2 anos 16 25,8% 2 a 3 anos 14 22,6% 3 a 4 anos 11 17,7% 4 a 5 anos 3 4,8% 5 a 10 anos 4 6,5% Mais de 10 anos 6 9,7% TOTAL 62 100,0%

Fonte: Elaborada pelo autor.

Os números relevam que:

1) o STF realiza, na grande maioria dos casos analisados, um hipotético e, porque não, irreal e ilusório estudo sobre a necessidade da prisão para garantia da ordem pública e do atual estado da realidade social que gerou a prisão. Nesta análise, se despreza o tempo transcorrido entre a ocorrência do fato e o momento do julgamento pela Corte.

2) a prisão cautelar para garantia da ordem pública tem se mostrado como verdadeira antecipação da pena, haja visto que na maior parte dos casos a distância entre o fato e o julgamento supera 1 ano, sendo considerável a quantidade daqueles que ultrapassam 2 anos.

3) O silêncio na grande maioria das decisões quanto à data de ocorrência do fato representa ofensa à garantia constitucional de se fundamentar as decisões judiciais, ademais de desprezar, talvez propositalmente, informações que poderiam constituir uma contradição ao discurso jurídico-penal oferecido.

E, ao comparar os dados relativos à data da ocorrência da prisão com a do julgamento pelo STF, não temos um cenário mais animador:

Tabela 6 – Tempo entre a prisão e o julgamento – 1936-2012

Tempo entre a Prisão e o Julgamento FREQUÊNCIA PERCENTUAL

Até 1 ano 14 15,1% 1 a 2 anos 32 34,4% 2 a 3 anos 25 26,9% 3 a 4 anos 10 10,8% 4 a 5 anos 7 7,5% 5 a 10 anos 4 4,3% Mais de 10 anos 1 1,0% TOTAL 93 100,0%

111 Se quanto à existência de informação nos acórdãos sobre a data do fato os acórdãos analisados indicam um silêncio preocupante, com relação à data da prisão esta preocupação só aprofunda.

Em 79,6% dos acórdãos do STF não existe a informação sobre a data da prisão daquele que bate às portas do Tribunal. Mesmo considerando possível percentual de casos em que o paciente tenha por alguma outra forma sido posto em liberdade – o que não conseguimos alcançar com a pesquisa – ainda assim, são dados preocupantes.

Em mais de 1/3 dos processos o acusado está preso cautelarmente há mais de um ano, podendo chegar até dois anos. O que reforça a hipótese de que, com relação à prisão preventiva para garantia da ordem pública, vigora um regime de punição antes mesmo da condenação definitiva.

Em 37,7 % dos casos em que consta a informação da data da prisão, esta perdura de dois a quatro anos. Ou seja, se a custódia cautelar foi determinada para tranquilizar a ordem pública, impensável a necessidade de manutenção um, dois, três ou quatro (!) anos após sua ocorrência. A única viabilidade argumentativa é a de que o exercício do poder punitivo, nestes casos, extrapola os limites da legalidade e razoabilidade. Não só, a Corte responsável pela garantia dos direitos constitucionais legitima tal estado de coisas. Primeiro, silenciando quanto a informações imprescindíveis como data do fato e da prisão e, depois, coonestando a antidemocrática situação de se punir sem o devido processo legal, sem a prestação jurisdicional da sentença definitiva.

Assim, ao fazer constar em apenas 20,5% dos casos a informação sobre a data da prisão do criminalizado se torna evidente a ruptura entre as funções declaradas e as latentes do sistema penal. Se a prisão antes da condenação definitiva para garantia da ordem pública se prolonga por tempo indeterminado na grande maioria dos casos estudados, se torna um mito a sua declarada função de excepcionalidade e de servir de instrumento ao processo. Sim, porque nada justifica a manutenção da custódia cautelar de um cidadão ou cidadã no cárcere por três anos para garantir uma suposta ordem pública.

Daí o acerto de Vera Andrade:

Quer dizer: enquanto suas funções declaradas ou promessas apresentam uma eficácia meramente simbólica (reprodução ideológica do sistema), porque não são e não podem ser cumpridas, o sistema penal cumpre, de modo latente, outras funções reais, não

112 apenas diversas, mas inversas às socialmente úteis declaradas por seu discurso oficial, que incidem negativamente na existência dos sujeitos e da sociedade138.

A inquietação que se evidencia é sobre qual ordem pública estamos falando? A que foi desestabilizada pela ocorrência de um fato típico e antijurídico ocorrido 365 antes do julgamento pelo Supremo? Mil dias antes? Ou a atual ordem pública? Mas, se é a atual ordem pública que o