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CAPÍTULO 2 – ANÁLISE DO DISCURSO: IMPORTANTE INSTRUMENTAL PARA O ESTUDO DO DIREITO

2.5 Linguagem e direito

Se os estudos que trabalham com a intersecção entre direito e AD não são ainda tão comuns no Brasil. embora a técnica date do final de 1960 e possua o país uma escola consolidada de AD, o mesmo não ocorre para os estudos que trabalhem com Linguagem e Direito.

Em 1974, Tércio Sampaio Ferraz Júnior, com a obra que apresentou para sua livre docência na Universidade de São Paulo − Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática do discurso jurídico − estabelece um modelo para uma pragmática do discurso jurídico a partir de Theodor Viehweg, Chain Perelman e Miguel Reale.

Em breve resumo, Tércio analisa o discurso jurídico dividindo o em três pontos fundamentais, o primeiro abordando o discurso judicial; o segundo trabalha o problema da norma como discurso; o terceiro procura um critério, com ajuda da pragmática, para distinção entre a doutrina jurídica e as ciências empíricas do Direito como a sociologia etc.

A partir deste modelo, ensaiamos uma análise do discurso jurídico, distinguindo em discurso judicial (discursos processuais, contratuais etc.), que manifesta os caracteres da discussão-contra, discurso da norma (a norma jurídica vista como discurso), onde se discute o problema da presença, no discurso jurídico, do momento monológico, aparecendo aí a questão do valor e da ideologia, e o discurso da Ciência do Direito, onde se examinam as condições de possibilidade de uma discussão-com científica no Direito100.

100 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática do discurso

53 Na Universidade de Brasília, Cláudia Rosane Roesler, autora do livro Theodor Viehweg

e a ciência do direito: tópica, discurso e racionalidade, desenvolve a linha de pesquisa

“Argumentação Jurídica na Produção e Aplicação do Direito”.

Muito embora, assim como Tércio, não se filiar à escola francesa de discurso, importante registrar, também, o trabalho desenvolvido pela professora Virgínia Colares e de seu Grupo de Pesquisa Linguagem e Direito101, da Universidade Católica de Pernambuco.

O grupo de pesquisa Linguagem e Direito busca discutir a construção do discurso jurídico no âmbito da doutrina, da jurisprudência e nas diferentes situações de interação na justiça. Partindo do pressuposto de que o domínio da relação entre a linguagem e a atividade jurisdicional se inscreve numa prática necessariamente transdisciplinar, estuda- se a linguagem como atividade sociocultural e seu funcionamento no Direito. Considera- se tanto os estudos hermenêuticos de interpretação dogmática quanto as abordagens linguístico-discursivas nas quais, se destacam o papel do sujeito produtor do discurso jurídico, as estruturas de participação e os contextos sociais imediatos que interferem nos diversos processo de produção e circulação de sentidos das ações linguísticas desenvolvidas no âmbito do funcionamento jurídico102.

Dentre os trabalhos do grupo, destaca-se a participação, em 2008, na 11ª Conferência Internacional sobre Direito e Língua da Academia Internacional de Direito Linguístico, intitulada "Direito, Língua e Cidadania Global", em Lisboa, Portugal, em colaboração com a Associação de Professores de Português (APP), na Fundação Calouste Gulbenkian. E em 2010, a publicação de Linguagem e Direito pela editora da UFPE com estudos inclusive que tratam da AD.

Colares trabalha com a perspectiva da Análise Crítica do Discurso e, embora não siga, portanto, a escola francesa de AD, importante registrar que tem aglutinado e estimulado a produção de estudos que trabalham com a perspectiva da interface entre linguagem e direito, discurso jurídico etc.

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DISCURSO LEGAL. Grupo de Pesquisa Linguagem e Direito. Disponível em: <http://discursolegal.webnode.com.br/>. Acesso em: 14 maio 2012.

54 No domínio da linguística aplicada, a Análise Crítica do Discurso (ACD) aponta formas de olhar a linguagem em suas interfaces e confluências com as demais ciências humanas e sociais, identificando os processos sociocognitivos nos quais, inevitavelmente, são investidas políticas e ideologias nessas práticas cotidianas de sujeitos históricos. O foco da linguística aplicada em contextos institucionais tem motivação em princípios teórico- metodológicos da perspectiva da pragmática linguística pós-wittgensteineana para quem "/.../o falar da linguagem é uma parte de uma atividade ou uma forma de vida". A linguagem, como uma forma de ação social, nos "treina" a assumir certas posições em nossas interações interpessoais, a partir da produção, distribuição e consumo de textos. Esse treinamento linguístico (e social) nos permite reconhecer como 'naturais' e não problemáticos textos tipicamente marcados por assimetrias de poder, como é o caso daqueles proferidos na instituição jurídica, durantes eventos sociais autênticos. (Wittgenstein, [1953], 1996, § 23)103.

Ainda sobre tema da linguagem e direito, importante mencionar que em 2005, com edição de Maria Cristina Name e Paulo Cortes Gago, a Veredas − Revista de Estudos

Linguísticos104, da Universidade Federal de Juiz de Fora, publica um dos primeiros exemplares,

em território nacional, acerca de pesquisa de linguistas que se dedicam ao estudo da linguagem em contextos jurídicos, com número especial sobre Linguagem e Direito.

Vê-se, portanto, que independente da opção da perspectiva de análise, direito e discurso, direito e linguagem são interfaces não somente possíveis, como necessárias, para se entender processos de formação discursiva e os caminhos argumentativos percorridos pelos atores jurídicos.

Não sem razão, a Constituição da República no inc. IX do art. 93 estabelece, ademais da publicidade dos julgamentos, a induvidosa necessidade de se fundamentar todas as decisões do Poder Judiciário sob pena de nulidade.

103 COLARES, Virgínia. Direito à imagem e os jogos de linguagem: no limiar entre o discurso oficial e o discurso

oficioso. II Colóquio da Associação Latino-americana de Estudos do Discurso (ALED), p. 39-40, Brasília, 2008. Também disponível em: <http://discursolegal.webnode.com.br/artigos/>. Acesso em: 12 jun. 2012.

104 VEREDAS. Revista de Estudos Linguísticos, v. 9, n. 1 e 2, 2005. Disponível em: <http://www.ufjf.br/

55 Fundamentar em matéria criminal, portanto, é expor as razões de convencimento que levaram ao deslinde do caso penal. Neste processo decisório, verdadeiro caminhar por entre leis, fatos e justificativas, não existe neutralidade105.

105 “Partindo da premissa de que o ‘mito da neutralidade’ do julgador é mais objeto de ‘museu jurídico’ do que de

discussão séria, mas considerando que ainda navega no (in) consciente social e jurídico – já que na pesquisa efetuada 17% dos magistrados brasileiros acreditam ser neutros −, não se pode deixar a letere tal questão, sem precisar, entretanto, retomar as razões já expostas, eis que a ‘ilusão’ da neutralidade – PH 7 – do julgador está plenamente superada, pois diz Cappelletti: “el procesalista há tomado consciência del hecho de que ninguna técnica jurídica es um fin em si mismo y que ninguna es neutral desde el punto de vista ideológico.” Sem neutralidade, pode-se afirmar, de um lado, que não existe mais o sujeito único, pasteurizado de valores, e, de outro, que este espaço não pode ficar vazio, inserindo-se a assunção ideológica (Miranda Coutinho).” MORAIS DA ROSA, Alexandre. Decisão penal: bricolagem de significantes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 249.

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