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A comunicação empresarial, em razão do avanço tecnológico, se expandiu para além das fronteiras das organizações, principalmente porque, conforme afirma Giddens (2005, p. 298), “as organizações propriamente ditas não se limitam tanto a ‘estar’ em algum lugar como antigamente”. Atualmente, vemos com frequência empresas que não possuem espaço físico, mas, por meio da tecnologia, estão em todos os lugares e frequentemente interagindo com seu público-alvo e com a sociedade. Elas se fazem presentes, estão atentas às demandas sociais e criam canais de comunicação com o ambiente social em que estão inseridas.

Bueno, W. C. (2009) explica esse processo, apresentando uma perspectiva segundo a qual a comunicação empresarial não se limita mais à instituição. Ela se estende para o mercado, ultrapassando as barreiras da comunicação interna, na ânsia por evidenciar que a prioridade não é a busca por lucros, mas pelo desempenho dos papéis sociais da organização. Portanto, ao mesmo tempo em que a comunicação empresarial se cerca de regras, ações, planos e estratégias interinamente, como um “manual de boas maneiras”, ela também, com isso busca “estabelecer a relação permanente e sistemática com todos os seus públicos de interesse” (BUENO, W. C., 2009, p. 3-4).

Os estudos da comunicação empresarial no Brasil e o espaço conferido a ela no mercado de trabalho remetem a um passado recente. Como conceito, a comunicação empresarial tem cerca de 50 anos, iniciando-se a partir da década de 1970, com os reflexos limitadores do período de exceção, vividos nos governos militares. Isto se materializava na comunicação austera vivida internamente pelos funcionários das empresas, “marcada pelo autoritarismo, pelo desestímulo à participação e ao diálogo” (BUENO, W. C., 2009, p. 5), a comunicação era fragmentada, carente de integração, o que resultava em um descompasso entre a comunicação

interna e externa. Enquanto a primeira era dura e pouco democrática, a segunda, voltada para os consumidores, se apresentava em tom de descontração e simpatia.

Até os anos 1960 ainda havia poucos estudos na área de Comunicação no Brasil e a atividade era exercida com frequência por profissionais de outras áreas de formação, cenário que só veio a mudar em meados dos anos 1970, quando os primeiros cursos de Comunicação foram criados e o mercado já sinalizava algumas mudanças em relação ao pensamento sobre a comunicação nas empresas. A partir daí a comunicação institucional foi se consolidando e as primeiras assessorias de comunicação e relações públicas começaram a ser implantadas, porém lentamente e ainda enfrentando muitas resistências por parte das empresas mais conservadoras. As mudanças nesse sentido só começaram a ocorrer de fato na década de 1980, após o fim do regime militar (BUENO, W. C., 2009), quando houve o aumento significativo do número de egressos dos cursos de Comunicação no mercado de trabalho. A postura das organizações foi se modificando para se adaptar às novas demandas sociais, que hoje ultrapassam a mera compra de produtos.

Desse período até os dias atuais, o cenário em muito se modificou, principalmente a forma de abordagem a um novo tipo de consumidor, pertencente a uma sociedade mais conectada, mais segmentada e, em sua maioria, com maior facilidade de acesso às informações. Impulsionada pela revolução tecnológica e o crescimento da internet e das novas tecnologias, a relação comunicativa das empresas com a sociedade começou a ganhar os contornos do que temos hoje. A partir dos anos 1990, a visão da comunicação voltada apenas para a venda foi ficando obsoleta. Com o advento das novas tecnologias e o consumo mais rápido de informações e imagens (FLUSSER, 2013) e maiores possibilidades de engajamento, os consumidores se tornaram mais exigentes no que se refere aos valores empresariais. A comunicação empresarial, visando a se adequar a esse novo tipo de consumidor e a essa nova sociedade da informação, alterou-se e “deixou de ser um mero conjunto de atividades, desenvolvidas de maneira fragmentada, para se constituir em um processo integrado que orienta o relacionamento da empresa ou entidade com todos os seus públicos de interesse” (BUENO, W. C., 2003, p.7).

A partir desse cenário, ficou mais difícil para as organizações manterem uma imagem positiva perante o consumidor atual, pois este se mostra mais exigente, mais evoluído no processo da cidadania e exigente em relação às ações empresariais. A relação que as empresas mantêm com seu público de interesse não se resume apenas à compra, estendendo-se a exigências sociais mais amplas. “Todos, indistintamente, tendem a condenar a agressão ao meio ambiente, a exploração do trabalho infantil e a busca obsessiva do lucro pelo lucro” (BUENO,

W. C., 2003, p. 105). Ou seja, o reconhecimento de uma empresa como cidadã vai muito além do fato de ela pagar impostos ou não: requer que ela tenha uma certa postura e comportamento diante de questões sociais, que passe uma mensagem de engajamento e sensibilidade em relação à sociedade e ao meio-ambiente.

Um indício da mudança no discurso empresarial, para ajustar o tom da comunicação empresa/sociedade, de modo a se aproximar das demandas sociais, pode ser encontrado no site oficial da Vale, no qual a empresa destaca que sua missão é “transformar recursos naturais em desenvolvimento sustentável”, sua visão é “ser a empresa de recursos naturais global número um em criação de valor de longo prazo, com excelência, paixão pelas pessoas e pelo planeta” e seus valores são “a vida em primeiro lugar, valorizar quem faz a empresa, cuidar do nosso planeta, agir de forma correta, crescer e evoluir juntos, fazer acontecer”. A empresa evidencia ainda que trabalha para gerar prosperidade, com responsabilidade social e respeito ao meio ambiente (VALE, [201-]a).

Nessa concepção, afirma Bueno, W. C. (2003, p. 105), “as organizações começam a perceber, também, que sua imagem pública depende da avaliação de um conjunto diversificado de públicos, mesmos daqueles com os quais elas não têm contato direto [...]”. Nesse sentido, não há segmentação, nem público-alvo. O público de interesse é virtualmente toda a sociedade, na qual a empresa está inserida e com a qual deve estar comprometida. Portanto a empresa deve buscar atender às novas demandas sociais e se engajar nas questões que despertam o interesse da coletividade. Sobretudo, não deve primar apenas pelo lucro, pois os novos consumidores e a sociedade de uma forma geral estão mais atentos e exigentes em relação à postura das empresas. É necessário que esteja entre as suas prioridades um modelo de gestão socialmente responsável e que isso se reflita na narrativa da comunicação empresarial.

O capital simbólico da empresa se reflete na configuração dessa narrativa, que chega até nós por vários meios dos quais as grandes empresas dispõem. Comparato (1996) ressalta que as multinacionais são as grandes responsáveis e agentes que fomentam a economia mundializada em que vivemos atualmente. Elas atravessam os mercados nacionais e regionais, atuando em escala global, produzindo bens, tanto materiais quanto imateriais, ideias, gostos e estilos. O autor ressalta que, entre os anos 1969 e 1994, o número de multinacionais subiu de sete para trinta e sete mil, de acordo com relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), e estas controlavam mais de duzentos mil subsidiárias em países que não os da sua sede. Aproximadamente um terço dos investimentos estrangeiros no mundo, na época (década de 1990), tinham origem nessas grandes empresas.

Ao reconhecermos o volume das movimentações financeiras empresariais, percebemos que as empresas, detentoras de grande poder econômico, assumem papéis centrais na vida social e por isso devem ou deveriam agir em favor das demandas sociais. Porém, Comparato (1996, p.44) indica que, apenas em 1919, a noção de que a empresa estava também subordinada ao interesse da coletividade, e não somente aos seus próprios interesses, apareceu na forma de lei, estabelecida na Constituição de Weimar. A partir daí muitas outras legislações abordaram o tema.

A lei reconhece que, no exercício da atividade empresarial, há interesses internos e externos, que devem ser respeitados: não só os das pessoas que contribuem diretamente para o funcionamento da empresa, os funcionários e os capitalistas, mas também os interesses da ‘comunidade’ em que ela atua. (COMPARATO, 1996, p. 44).

Comparato (1996), ao trabalhar a relação Estado/capital privado, admite que seria uma ingenuidade pensar que o sistema empresarial pode, no lugar do Estado, ou livre do controle do Estado e dos poderes públicos, promover de fato a justiça social, visto que o objetivo da empresa, em um mercado cada vez mais global e competitivo, é o lucro. Porém, o que se percebe, a partir da tessitura da narrativa da comunicação empresarial, é a busca pela construção de uma imagem positiva no exercício de tarefas que são de responsabilidade do poder público. A comunicação das empresas com a sociedade, segundo Kunsch (2003, p. 164), “está intrinsecamente ligada aos aspectos corporativos institucionais que explicitam o lado público das organizações”, ou seja, procura estabelecer uma relação de sentido que vincule organização e responsabilidade social.