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A capa da 15ª edição da revista Amazônia Viva apresenta a imagem paradisíaca de uma ilha, com duas pessoas de costas para o leitor, olhando na direção do mar. A cor azul predomina na paisagem e lê-se ao horizonte em letras maiúsculas e destacadas a palavra “Algodoal”. O título completo da capa diz “Com um plano de manejo sustentável em mãos, comunidade pretende regularizar o turismo na ilha de Algodoal” (Figura 9). A imagem, por si só, transmite calma e tranquilidade, assim como todas as demais fotografias presentes na matéria (UM PLANO..., 2012, p. 38-46), cuja temática versa sobre a vida na ilha, com cenas de paisagens e da população local executando tarefas do dia a dia.

Figura 9 - Capa da Revista Amazônia Viva, n. 15, nov. 2012

Fonte: O LIBERAL, 2012d

Observamos que as fotografias, tanto da capa quanto da matéria principal apelam à ordem do espetacular, especificamente quando se refere à natureza amazônica. A estética espetacular das imagens e a alienação delas em relação ao real (DEBORD, 1997) se faz presente. Essa espetacularização se materializa no distanciamento, na inacessibilidade da

paisagem espetacular, mostrada de maneira idealizada, paradisíaca, que busca, pela estética do belo, orientar o olhar e a atenção do leitor para a imagem.

A matéria possui uma narrativa de caráter mais pessoal, pois o narrador não se esforça para apagar suas marcas discursivas, colocando inclusive a narrativa em primeira pessoa. A esse tipo de texto Motta (2013, p.198) denomina jornalismo literário, pois eles são híbridos entre jornalismo e literatura e possuem a característica de “escancarar seu caráter narrativo”

O texto trabalha a aliança entre sociedade civil e organizações privadas para a criação e manutenção de Áreas de Preservação Ambiental, considerando que Algodoal é uma APA. A marcação do tempo também se assemelha à da narrativa literária, com a utilização de expressões que criam referencialidade geográfica (MOTTA, 2013, p.201) e temporal, como “no sobe e desce do barco”, “já no trapiche da ilha”, “ao descer do Veloz”, “ainda à noite”, “por volta das sete da noite”, “em cerca de meia hora”, “vinte minutos depois” (UM PLANO..., 2012, p. 38- 43), por meio das quais o narrador transmite a passagem do tempo, o lugar onde a cena se passa e o encadeamento de ideias.

A história carrega um sentido poético, compondo imagens idílicas sobre a ilha de Algodoal, também trabalhando os personagens nativos de maneira romantizada, criando assim um efeito de sentido de lugar paradisíaco, utilizando-se de hipérboles e adjetivos na descrição do ambiente no qual a narrativa se desenvolve. Algo similar aos relatos de Sir. Arthur Conan Doyle, em O mundo perdido (apud GONDIM, 2007, p. 225), nos quais o autor retrata a natureza amazônica de maneira espetacular:

[...] As aves eram abundantes; viam-se, principalmente, pernaltas, cegonhas, garças reais e íbis [...] ao mesmo tempo, por baixo de nós, a água cristalina estava cheia de vida, contendo peixes de todas as formas e de todas as cores imagináveis. [...] A paz profunda daquele estranho curso de água não era perturbada por qualquer presença de criatura humana. (DOYLE, s.d. apud GONDIM, 2007, p.225)

Percebemos na narrativa desta edição da revista, uma estética similar, com uma linguagem atualizada na forma, porém com os mesmos componentes descritivos no conteúdo da composição da narrativa, conforme o excerto:

No sobe e desce do barco Veloz, que atravessa o mar com um motor de 24 cavalos, a imensidão do Atlântico circunda o cenário, apresentando aos olhos uma porção de terra, ainda disforme para um olhar destreinado. [...] ambos observam os exércitos de mergulhões, maçariquinhos e gaivotas que refazem o percurso diário em direção aos minhais costeiros. (UM PLANO..., 2012, p. 39)

Percebemos, neste episódio, a narrativa estruturada segundo os parâmetros do imaginário pré-concebido sobre a Amazônia, conforme pesquisas de Bueno, M. F. (2002), Gondim (2007), Dutra (2009) e Costa, V. M. T. (2011), como lugar paradisíaco, com um modo de vida peculiar, simples e ao mesmo tempo cercado de grandiosidade, o que fica evidente nas hipérboles, expressões de surpresa e no linguajar poético escolhido pelo narrador para falar tanto das paisagens, quanto da população local, a exemplo de “a lua beijava o mar”, “paraíso natural”, “caboclo perguntador”, “vida simples”, “coexistência entre homem e natureza”, “calmaria” e “uma rotina longe das preocupações”.

A narrativa é construída, nos três primeiros episódios, em pretérito imperfeito, na forma de relato, no qual o narrador busca transportar o leitor para a história, que, no total, possui quatro quadros de sentidos distintos. O primeiro descreve a ilha, os habitantes, as atividades que eles executam e as projeções para o futuro do lugar, do ponto de vista do narrador em relação à ilha, desde a chegada até a sua interação com a comunidade local (UM PLANO..., 2012, p. 39).

Já o segundo, trabalha uma narrativa mais técnica e informativa, por essa razão, é também mais didática, com a utilização de infográficos para explicar de forma simplificada e acessível ao leitor do que se trata uma APA (UM PLANO..., 2012, p. 40). Em seguida o narrador retoma a temática do primeiro episódio, se colocando novamente na narrativa, como personagem ativo, interpela outros personagens e faz projeções para o futuro com base nas ações atuais dos personagens e na opinião de personagem especialista, autoridade no tema tratado na narrativa (UM PLANO..., 2012, p. 41-45).

Já a última parte da narrativa constitui-se em um frame cognitivo independente, permanece na mesma temática dos episódios anteriores, porém por um enfoque totalmente novo. O narrador se distancia do texto e introduz a Vale no contexto ao qual a história está ligada, começando pelo título “Fundo Vale atua na proteção de áreas na Amazônia” (UM PLANO..., 2012, p. 46). Nesse quadro, notamos uma utilização maior de fontes numéricas, datas e porcentagens (assim como no segundo quadro, que explica o que são as APAs) e um uso amplo de palavras e expressões com sentidos positivos relacionadas ao conceito de sustentabilidade, tais como: integridade, protegidas, valorização, manejo, integração, monitoramento, preservação, desenvolvimento sustentável, biodiversidade, proteção ambiental, uso sustentável, conservação e qualificação. Já o número de palavras com sentido negativo é muito pequeno. Encontramos, neste quadro, apenas a palavra desmatamento uma única vez; o que denota sentidos muito mais positivos que negativos relacionados à empresa e

sua atuação, sendo esta mesma citada sete vezes apenas neste frame. É importante observar que o Estado é pouco citado no texto e, quando aparece, é representado por instituições públicas de pesquisa ou como ator que só age quando provocado por pressão popular.