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As Palavras Têm História: Adolescência e Juventude, Conceitos Socialmente

SEÇÃO IV À LUZ DAS TEORIAS: JUVENTUDE, ESCOLARIZAÇÃO E

4.1 As Palavras Têm História: Adolescência e Juventude, Conceitos Socialmente

A terminologia juventude é uma palavra que não pode ser problematizada como uma categoria que sempre existiu. Ao contrário, até o século XIX, os sujeitos eram tomados ou como crianças ou como adultos. Isso indicava que até aproximadamente os 14 (catorze) anos de idade, os tratamentos, as vestimentas e os comportamentos deveriam ser condizentes com a ideia de um ser que está na fase da infância.

Todavia, essa condição de ser criança, após os 14 (catorze anos) sofria uma mudança brusca. Como se fosse um passe de mágica, as características dessa fase deveriam ser esquecidas e; outras posturas, comportamentos e atitudes necessitariam ser postas em prática por esses sujeitos que seriam vistos, a partir daquele momento, como adultos, inclusive no que se refere à ideia de trabalho.

Assim, sobre o fato de que existe uma fase de transição, podemos afirmar que é uma ideia consideravelmente recente, pois a maioria das sociedades definia um período específico para dizer que um sujeito passava da condição de criança para a de adulto. Em 1898, o psiquiatra americano Granville Stanley Hall30 cunhou a palavra adolescente e esta passa a ser usada com exclusividade por psicólogos.

Com o fim da segunda guerra mundial, essa terminologia ganha popularidade, no mesmo período em que surgia o Rock and Roll (1940 a 1950), um estilo musical, também considerado como um movimento, que provocou a primeira revolução cultural que afetava direta e exclusivamente os jovens. O estilo de música oriunda desse movimento, sofria desprezo por parte dos adultos e era ouvida pelos jovens, que paralelamente constituíam um peculiar modo de portar-se e vestir-se socialmente. É desse tempo histórico e desse primeiro movimento que nasce a expressão juventude, como a preconizamos hoje.

Cabe destacar que embora o Rock and Roll tenha sido considerado o movimento pioneiro e responsável para se pensar a ideia de juventude, essas fomentações foram gestadas por aproximadamente um século. As visões sobre esses sujeitos caminhavam sobre dois vieses: a primeira, a romântica que entendia essa fase somente a partir de seus sentimentos intensos, da energia natural e, sobretudo, da falta de compromisso que os jovens possuíam

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Introduzindo o conceito de adolescência como um período de transição na experiência humana, G. Stanley Hall caracterizou-a como um momento de comportamento subversivo ou rebelde e maturação biológica (puberdade). Stanley Hall identificou este estágio de desenvolvimento como ocorrendo entre as idades de 14 e 24 anos.

com a vida; a segunda é a advinda do crescente movimento de urbanização, da expressiva explosão demográfica e principalmente das precárias condições de vida das classes trabalhadoras.

Em meio a esse novo contexto social e cultural, surgiram os grupos de gangues como os hooligans de Londres e os apaches de Paris. Essas gangues possuíam estilos próprios, que se tornaram inaceitáveis para a época. O pesquisador Britânico Jon Savage, em seu livro A criação da Juventude, destaca que a intenção primeira desses jovens era tornar ilegítimas as regras socialmente construídas da época.

Essas várias dinâmicas transformaram a juventude numa espécie de problema social que deveria ser controlada e ajustada às regras pré-existentes, daí que surgiram no século XIX, as primeiras leis de ensino obrigatório. Nesse mesmo sentido, os nacionalistas passaram a clamar pela urgência de se iniciar um processo de doutrinação do jovem da época, na perspectiva ou a partir do discurso da necessidade de “direcionar” suas energias.

Foi com esse propósito, que em 1908, o inglês Robert Baden-Powell lançou uma espécie de cartilha de orientação da conduta juvenil. Apoiado em sua experiência militar, Powell dizia que em virtude das inaceitáveis condutas sociais dos jovens, era preciso a propagação de hábitos disciplinares para esses indivíduos, pois só assim teriam condições de viver “harmoniosamente”, em sociedade.

Ansiosamente esperado, logo que chega às bancas, esse livro intitulado Scouting for Boys31 ganha uma notória repercussão, sendo adotado por quase toda a Europa. Com suas orientações sobre tocaia, comida selvagem, primeiros socorros, organização de um acampamento, mas também sobre cidadania, caráter, importância do serviço ao próximo, se tornou um best-seller mundialmente conhecido e aceito.

Com o final da segunda grande guerra mundial, os discursos para falar da juventude giravam em torno das exitosas carreiras construídas pelos jovens soldados, vindos da guerra. As falas evidenciavam as experiências daqueles que ao voltarem do conflito, casaram, formaram família e construíram bem-sucedidas carreiras que auxiliaram na recuperação

31 Escotismo para Rapazes é um livro técnico, onde é descrita a filosofia e técnica escotista de Robert Stephensen Smith Baden-Powell, editado pela primeira vez em 1908. Escotismo para Rapazes surge devido a outro livro de Baden-Powell, "Aids to scout", publicado em 1901, destinado ao exército. Estava a ser usado como livro de texto nas escolas masculinas e por rapazes em toda a Inglaterra. Quando o Escotismo para Rapazes sai nas bancas, a adesão é tal que se propaga pela Europa inteira em poucos anos e encontra-se traduzido em dezenas de línguas, sendo vendido em quase todo o mundo. Nasce assim o movimento escoteiro internacional, sendo a base de toda a sua filosofia e técnica descrita neste livro.

econômica de seus países. Esse período é também marcado por um boom econômico, gerando uma potencial classe de consumidores.

Jon Savage vai destacar aproximadamente o ano de 1947, como o princípio da visão do adolescente enquanto sujeito consumidor. O aparecimento da revista americana Seventeen, que era destinada para o público jovem do sexo feminino, que estava cursando o Ensino Médio, bem como a origem do próprio termo popular para adolescentes em inglês: teen - que vem da sílaba final dos números entre 13 (treze) e 19 (dezenove) - são demarcadores desse processo de constituição do termo juventude.

Assim fica claro que a construção histórica do termo juventude, se consolida a partir de contradições que sempre estiveram atreladas a questões sociais, econômicas e mesmo políticas; logo, qualquer tentativa de compreensão que descarte essas características é inválida, uma vez que, como nos coloca Bourdieu (1983), “somos sempre o jovem ou o velho de alguém” (p. 113). Nas palavras desse autor, não podemos compreender a ideia de juventude como se todos os sujeitos jovens fizessem parte de uma mesma “unidade social” ou ainda que constituíssem “um todo harmônico”, com interesses e realidades comuns.

A grande problemática que se apresenta no trato dessa categoria, está na compreensão de que existem sim similaridades que marcam e constituem as identidades juvenis, mas, sobretudo no reconhecimento da existência de uma gama de diversidades e singularidades entre jovens ou grupos sociais de jovens, sendo então impossível pensar os jovens como se todos eles fizessem parte de um único grupo homogêneo e coeso, de acordo com Nunes (1968).

Não se vê como possam englobar-se numa mesma geração - e, por conseguinte, num mesmo grupo - indivíduos que, apesar de coetâneos e portadores do sentimento comum de se encontrarem em presença de outras gerações na sociedade, se identificam a si mesmos como pertencendo, por exemplo, a classes sociais, grupos ideológicos ou grupos profissionais diferentes. (Nunes, 1968, p. 91).

Isso demonstra que o pensamento sobre a identidade juvenil vem, ao longo da história, passando por várias modificações em função das próprias transformações que ocorreram na sociedade e que incidem completamente na forma como os jovens se constroem, e são representados.

Nesse sentido, é necessário percebermos criticamente as várias concepções que fomentam a categoria juventude, pois só assim poderemos ter condições de fugir dos muitos discursos hegemônicos, biologizantes, unívocos e homogêneos, que têm preconizado historicamente essa terminologia, simplesmente como uma fase da vida, com início e fim.