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SEÇÃO II DELINEANDO CAMINHOS: PERCURSO METODOLÓGICO

2.3 Cenário Investigativo: Caracterizando o Lócus de Pesquisa

2.3.1 Características de um Espaço Chamado Amazônia Legal

O próprio conceito de sociedade implica, de qualquer modo, sua espacialização ou, num sentido mais restrito, sua territorialização. Sociedade e espaço são dimensões gêmeas. Não há como definir o indivíduo, o grupo, a comunidade, a sociedade sem ao mesmo tempo inseri-los num determinado contexto geográfico, “territorial”. (HAESBAERT, 2007, p. 20).

O autor acima citado, ao falar de territorialização, chama atenção para a necessidade de analisarmos os sujeitos, a partir dos espaços em que estão imersos. Alega que as realidades vivenciadas por eles, incidem diretamente sobre seus modos de vida, seus comportamentos e principalmente suas visões de mundo. Ao tratar do espaço amazônico, essas características se ampliam, pois pensamos as condições de um espaço que é plural e heterogêneo desde a sua constituição.

A Amazônia Legal é tida como um espaço que concatena um território de nove estados do Brasil, que pertencem à bacia amazônica e à área de ocorrência das vegetações amazônicas. De acordo com as afirmações dos pensadores desse conceito, essa designação se deu em função da prerrogativa de reunir regiões com “idênticos” problemas econômicos, políticos e sociais, para então planejar o seu desenvolvimento. Assim sendo, para fins administrativos e de planejamento econômico instituiu-se o conceito de “Amazônia Legal”.

A constituição da denominação “Amazônia Legal” data de 1953, por meio da Lei nº 1.806, abrangendo os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins em sua totalidade e parte dos estados do Maranhão (Nordeste) e Mato Grosso (Centro-Oeste), o que compreende um território de aproximadamente 5.217.423 Km², o que corresponde a 61% do espaço brasileiro.

Apesar de falarmos de um grande espaço em termos territoriais, sua população, corresponde a apenas 12,32% do total de habitantes do Brasil. Vivem nela, aproximadamente 23 milhões de pessoas, segundo o Censo de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), distribuídas em 775 municípios. Rica em muitos aspectos, a região Amazônica, além de conter 20% do bioma cerrado, abriga ainda todo o bioma Amazônia, considerado o mais extenso dos biomas brasileiros, que corresponde a 1/3 das florestas tropicais úmidas do Planeta, abarca a mais elevada biodiversidade, o maior banco genético e 1/5 da disponibilidade mundial de água potável.

No espaço da Amazônia Legal que envolve os nove estados supracitados, vivem 55,9% da população indígena brasileira ou seja, cerca de 250 mil pessoas, de acordo com o

Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI), a referida região ainda abriga grande parte de florestas tropicais, além de outros tipos de vegetação.

No tocante ao aspecto populacional, a região conglomera brancos, negros e índios, dos quais alguns ainda vivem em tribos espalhadas pelas regiões de reserva, dentre eles, Ianomâmis, Maku, Assurini e outros. Sobre a população indígena do espaço amazônico, um dado precisa ser destacado, de acordo com o Censo do IBGE (2000), existe uma considerável presença do índio na cidade, o que acaba por gerar outros desafios para os órgãos responsáveis.

Um aspecto que não pode ser esquecido quando falamos de Amazônia, diz respeito às questões ligadas aos processos de desmatamentos pelos quais essa região passa. Fator que gera preocupações em nível mundial. Em junho de 2015, o Sistema de Alerta do Desmatamento (SAD), indicou que foram desmatados cerca de 2.286 km² de floresta da Amazônia Legal, entre os meses de agosto de 2014 e maio de 2015. Ainda sobre isso, em 2016, esse mesmo órgão advertiu ter havido em setembro, 387 Km² de desmatamento. Números preocupantes, sendo que isso significou um aumento de 69% em relação a setembro de 2015, quando o desmatamento somou 229 Km².

Os estados onde o desmatamento ocorreu de forma mais nefasta foram: Mato Grosso (42%), Pará (25%), Rondônia (16%), Amazonas (15%) e Tocantins (1%), ou seja, uma ampliação de cerca de 170% em comparação ao ano anterior. Sobre isso, Antonio Donato Nobre (2014), vai dizer que a floresta amazônica é o principal órgão vital do planeta, e com isso, a solução dessa problemática deve ser prioridade na política (nacional e internacional). Em seu livro “O futuro climático da Amazônia”, lançado em meados de 2015 em São Paulo, afirma que a mudança climática é um fato de ciência e de experiência; e adverte: “estamos indo para o matadouro”.

Esses dados servem para demonstrar que estamos falando de um espaço, segundo Hage23 (2010), que é plural e heterogêneo em todos os seus aspectos, sejam eles: produtivo, ambiental e sociocultural.

No que tange ao aspecto sócio cultural, Hage destaca a existência dos vários sujeitos: indígenas, caboclos, ribeirinhos, povos da floresta, sem-terra, assentados, pequenos agricultores, quilombolas, pescadores, camponeses imigrantes e colonos, oriundos, especialmente, de outras regiões como o Nordeste e o Centro-Sul do país, entre outras. E

mais, em virtude de ter uma população indígena estimada em 226 mil habitantes, o número de idiomas chega a 250, enquanto que no trecho brasileiro da mata, sobrevivem 140 línguas.

De acordo com Salomão Hage e Oscar Barros (2010), no artigo Currículo e educação do campo na Amazônia: referências para o debate sobre a multisseriação na escola do campo, a construção das identidades culturais da Amazônia é bastante emblemática. Segundo esses autores, muitos dos saberes, valores e modos de vida indígenas, que eram dominantes na região, sofreram fortes interferências em função das várias imposições de outras culturas, oriundas de seus colonizadores e povoadores. E ainda,

A implantação de projetos de colonização e assentamento agrícolas, fazendas de gado, exploração madeireira, garimpagem, construção de barragens e hidrelétricas, mineração, construção de rodovias e ferrovias, distritos industriais, etc., têm provocado o deslocamento da fronteira humana, econômica e social do centro‐sul do país em direção à Amazônia. (HAGE; BARROS, 2010, p.5).

No campo educacional, ao considerar a diversidade de sujeitos existentes nessa região, os debates são circunscritos em torno da necessidade de se considerar as peculiaridades existentes nesse espaço, especialmente, quando se trata de políticas públicas. É preciso que se pense no mosaico de realidades em que a juventude amazônica tece seu cotidiano e seus projetos de vida.

Essas particularidades produtivas, ambientais e socioculturais próprias da Amazônia [...] revelam a complexidade e o antagonismo que envolvem relações de poder entre grupos, populações e movimentos sociais presentes na região e mais especificamente no meio rural em torno da disputa pela hegemonia de projetos sociais específicos; de suas identidades culturais próprias; e do uso dos recursos naturais da Região. Toda essa riqueza e diversidade precisam ser incorporadas nos processos de formulação de políticas e propostas educacionais e curriculares para a região (HAGE, 2009 p. 10).

De acordo com o teórico Salomão Hage, que tem dedicado grande parte dos seus estudos para o entendimento da Amazônia, qualquer tentativa de análise não pode ser feita sem que se considere toda a complexidade existente nessa região, sejam em seus aspectos territoriais, sociais, econômicos, e também culturais.

Assim, falar da Amazônia Legal e particularmente da Amazônia paraense, na qual está inserido o município de Bragança, significa reconhecer essas inúmeras variantes de ordem ambiental, social, política, histórica, cultural e até mesmo geográfica, pois os cenários na Amazônia Legal têm se mostrado variados em função dos níveis de atuação do homem, tanto

em relação à degradação do meio ambiente, quanto em relação aos grupos organizados24 que assumem bandeiras para enfrentamento ao modo como a Amazônia tem sido tratada, sobretudo pelos grandes latifundiários, grileiros de terras, que em defesa de um modelo de exploração da “mãe terra” pautado no capitalismo, têm fortalecido, por exemplo, as desigualdades sociais na nossa região.

Esta parte da Amazônia tem características que englobam peculiaridades, tanto ambientais como sociais, das regiões ao seu redor, assim como possui um grupo social diversificado, oriundos do Nordeste (da Baixada Maranhense e do Ceará em grande medida)25 e de outros estados, que vieram trabalhar em Bragança nos tempos da colonização de sua zona rural. A natureza da região envolve outros aspectos, como manguezais, savanas, campos naturais e praias de água salgada e também áreas de mata e capoeira, construindo uma paisagem diversa do que se compreende necessariamente por região amazônica.

Esses grupos também trouxeram, para além de suas necessidades materiais, a sua contribuição cultural, importante para a formação social atual de Bragança, seus sotaques, sua culinária, suas formas celebrativas, práticas culturais diferentes e até mesmo problemas para o município, tais como as condições de moradia hoje, tão deficitárias.