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As Plantas de Expansão Urbana e os Códigos de Posturas

3 URBANISMO: EM BUSCA DE UMA DELIMITAÇÃO CONCEITUAL

5 OS PLANOS E A EXPANSÃO URBANA EM FORTALEZA: DA CIDADE PORTUÁRIA À CIDADE-METRÓPOLE

5.2 AS PLANTAS DE EXPANSÃO URBANA E A HEGEMONIA DE FORTALEZA

5.2.1 As Plantas de Expansão Urbana e os Códigos de Posturas

Uma das primeiras iniciativas do coronel Manuel Inácio de Sampaio (1812-1820), então presidente da província, foi orientar tecnicamente as ações administrativas e urbanas sob o comando da Câmara Municipal. Com esse intuito, convidou, para ocupar o cargo de ajudante-de-ordem do governo da província do Ceará, o português, tenente-coronel e engenheiro, Antônio José da Silva Paulet.

Em 1824, esse engenheiro elaborou a “Planta do Porto e da Villa da Fortaleza” (Mapa 4), de forma a orientar a expansão urbana, concretizada num traçado regular, indicando os espaços de propriedade pública e privada. A cartografia de Paulet32 mostra o sítio inicial às margens do riacho Pajeú, em linhas orgânicas, adaptadas às condições naturais e à malha de expansão, em xadrez. Castro (1994) levanta três hipóteses quanto à inspiração deste traçado:

a) o traçado em xadrez de expansão premeditada, originada dos gregos e romanos, nas fundações coloniais, reproduzidas na Renascença pelos espanhóis e pelos portugueses, na América;

b) o traçado implantado nas vilas novas, nos séculos XIII e XIV, na Europa, aplicado pelos portugueses nas ocupações árabes e também no Brasil, do primeiro século, quando adaptados à topografia, em pequenos trechos;

c) o traçado aplicado no Ceará, na implantação das vilas, no século XVIII, sob a orientação da legislação real.

Considera, o autor ,então, uma quarta hipótese, mais plausível, os traçados geométricos, sob influência das idéias iluministas, difundidos no século XVIII e XIX. A planta correspondia à zona central, ocupando a área plana da cidade constante de duas ou três ruas, dispostas na direção norte-sul, cortadas ortogonalmente por travessas.

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Segundo o professor José Liberal de Castro, não há nenhum exemplar desta planta. A idéia da proposição foi extraída de um encarte inserido na “Carta da Capitania do Ceará” correspondente, levantada por ordem do governador Manoel Ignácio de Sampaio, pelo seu ajudante-de-ordens, Antonio Jozé da Silva Paulet no Anno de 1813” (CASTRO,1994).

Nesta planta, já fica delineada a conformação radioconcêntrica sobreposta à malha ortogonal que serve de diretriz à expansão da cidade, determinada pelos seguintes caminhos: Picada do Mucuripe (atuais, vias que margeiam a praia, Estrada de Aquiraz, CE-040), bifurcando com a Estrada da Precabura (atual avenida Antônio Sales), Estrada do Arronches (depois avenida Visconde do Cauípe e hoje avenida João Pessoa), Estrada do Soure (o complexo avenida Bezerra de Menezes, Mister Hull e BR-222), Estrada de Jacarecanga (atual avenida Francisco Sá).

As diretrizes da “Planta do Porto e da Villa da Fortaleza”, conforme afirma Castro (1994), continuam sendo respeitadas pelo presidente da Câmara, Boticário Ferreira (1843-1859), cujas ações se submetem à orientação da Corporação Comunal. Nesta administração foram realizados vários trabalhos de cartografia urbana, como a Planta de 1850 do arruador-cordeador do município, Antônio Simões Ferreira Tomás e a Planta de 1856, baseada no levantamento cadastral, elaborada pelo padre Manoel de Rego Medeiros.

O período de reordenação política, social e econômica que desencadeou a abolição da escravatura33 implantou o trabalho assalariado e o regime republicano, ao delinear outras correlações de forças e valores sociais alterou o conteúdo da transformação socioespacial. Na Província do Ceará, este período é o de maior desenvolvimento econômico, quando emergem grupos de oposição às oligarquias, os quais congregam camadas sociais médias, intelectuais, pequenos comerciantes e jornalistas.

Do ponto de vista fundiário, um expressivo evento nas relações urbanas foi a Lei de Terras, de 1850, nova modalidade de obtenção e transmissão de terras, mediante compra e venda. Em relação ao assunto, Marx adverte sobre o impacto, nos municípios, desse processo:

Calcado em tão parcas e tênues normas legais, e da parte dos concessionários de datas de chãos citadinos-, percebe-se, nessa época, uma atuação nova e muito maior para com a estipulação, e exata estipulação, do que respectivamente lhes pertencia: do rossio em suas partes, urbana e rural, assim como das datas novas e daquelas já há muito obtidas, transmitidas e até mesmo edificadas, uma atenção nova para com os limites entre esses dois tipos diferentes de chão, o público e o de domínio privado. Não que houvesse a consciência da diferença

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entre ambos antes, porém agora se torna importante e mais urgente estabelecer a demarcação. Algo de novo se anuncia[... ] (MARX, 1991, p.119).

As Leis de Terras significam a passagem da idéia de domínio relativo da terra para a de propriedade absoluta. Tais circunstâncias motivaram o estabelecimento de medidas de reforço administrativo nas aglomerações mais prósperas, a elaboração das plantas de expansão e demarcação do domínio público e privado e a adequação das posturas municipais quanto às medidas de alinhamento e uso do espaço.

De acordo com Castro (1994), nesta ocasião, Adolpho Herbster, pernambucano, filho de suíço alemão, foi contratado pela Câmara Municipal como engenheiro. Neste cargo, elaborou três plantas: a primeira planta, a “Planta Exacta da Cidade”,34 de 1859, modificada em 1861, foi realizada na escala 1 por 400 palmos, correspondente a 1:4000, e expõe em convenção gráfica o relevo e o uso do solo (Mapa 5). Apresenta, na legenda, as denominações dos logradouros e a localização dos edifícios públicos, civis, religiosos, militares e os limites de Fortaleza: ao norte, a orla marítima; a oeste, a rua 24 de Maio; ao sul, a rua Clarindo de Queiroz; a leste, a rua Barão do Rio Branco até a Cidade da Criança; a leste, o riacho Pajeú, um pequeno núcleo na praia (alfândega e armazéns de exportação) e indícios de ocupação da zona leste, nas imediações da Casa de Educandos (Colégio Imaculada Conceição).

A segunda, a “Planta da Cidade de Fortaleza e Subúrbios” (1875), de Adolpho Herbster (Mapa 6), mostra a expansão em direção aos três quadrantes: sul, avenida Domingos Olímpio; oeste, riacho Jacarecanga, e leste, avançando para a Aldeota. Neste mapa constam algumas obras de destaque realizadas pelo governo, a

exemplo do Gasômetro e do Passeio Público. A planta apresenta um cinturão de avenidas, denominados boulevards (influência francesa), emoldurando a zona central

(avenida Duque de Caxias, avenida Imperador, avenida Dom Manuel), destinados a dar racionalidade à ocupação do solo e fluidez ao tráfego por meio do alinhamento de ruas e da abertura de avenidas.

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Segundo Castro (1994), da última planta existe os originais enquanto das duas primeiras, apenas as cópias.

A terceira, a “Planta da Cidade da Fortaleza/ Capital da Província do Ceará” (1888), elaborada por Adolpho Herbster, (Mapa 7), era um aperfeiçoamento da planta de 1875 por ele realizada. Estas plantas foram executadas com o rigor das técnicas de topografia e constituem documentos fidedignos da realidade (CASTRO, 1994).

Alinhada ao projeto médico-higienista, a Câmara desempenhou efetivo papel nas medidas administrativas e de disciplinamento do espaço, e em 1835 aprovou o primeiro Código de Postura. Mesmo inspirados em modelos distantes da realidade local, os códigos de postura introduzem novas regras de conduta e prenunciam o disciplinamento urbano. Para Rolnik (1999), estes códigos, que configuram cidades ideais, são frutos de modelos importados, apropriados como instrumento delimitador das fronteiras do poder, da ordem administrativa e da ordem urbanística. No entanto, em função dos princípios que norteiam estes códigos, eles se qualificam mais como instrumentos de controle administrativo do que como diretrizes de crescimento da cidade.

O Código de Postura de Fortaleza, de 1835, no artigo 1°, já lança uma primeira tentativa de diretriz de ordenamento do território:

Que pessoa alguma poderá levantar cazas, ou outro algum Edifício dentro desta capital e Povoações do Município, sem proceder licença da câmara a fim de serem alinhadas na forma da planta adoptada pelo Arruador da Câmara com assistência do inspector respectivo (ROLNIK, 1999, p.18).

Os códigos de 1865, 1870 e 1879, ainda no regime imperial, introduzem novos dispositivos relativos ao controle das ações privadas, à utilização dos espaços públicos e à morfologia urbana. As ações de ordem higienista relacionavam-se ao corte de árvores e limpeza dos rios e riachos, e as de morfologia determinavam a relação entre espaço público e privado (dimensão da rua e altura das edificações),

Neste primeiro momento, as ações urbanas eram orientadas pelas plantas de expansão urbana e pelos códigos de postura, que representavam a ideologia higienista sanitarista, fundada na medicina social.

Segundo evidenciado, a precária estrutura administrativa e a inexistência de profissionais responsáveis pelas práticas urbanísticas revelam a

tímida economia da vida urbana. Nos estudos de Oriá (1995) sobre o governo municipal no período imperial, tendo como fontes as atas, atesta-se a existência de um arruador (arquiteto leigo) cordeador da Câmara, o português Antônio Simões Ferreira de Farias. Referido

profissional, além de orientar os traçados da rua, cujo parâmetro era a “Planta do Porto e Villa da Fortaleza”, também realizou as obras do Mercado Público.35 O corpo de profissionais que exercia influência nas práticas urbanísticas eram os engenheiros militares, civis, os práticos (arruador) e os médicos ligados à Medicina Social.