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OS PLANOS DIRETORES DE DESENVOLVIMENTO LOCAL INTEGRADO

3 URBANISMO: EM BUSCA DE UMA DELIMITAÇÃO CONCEITUAL

4 ALGUMAS EXPERIÊNCIAS DE URBANISMO/ PLANEJAMENTO URBANO NO BRASIL

4.4 OS PLANOS DIRETORES DE DESENVOLVIMENTO LOCAL INTEGRADO

As experiências sobre os planos de desenvolvimento local integrado (PDLIs), realizados no final dos anos 1960 e no início dos anos 1970, atendem ao sistema político centralizador implantado pelo governo militar. O governo federal, ao assumir a atribuição de planejar e modernizar as cidades, institucionaliza uma política urbana para o País. Para tanto, cria inicialmente o Banco Nacional da Habitação (BNH) e o Serfhau, através do mesmo ato legal, Lei nº 4 380, de 21 de agosto de 1964.

Durante a vigência do BNH até sua extinção, em 1986, sua atribuição consistia na promoção da produção habitacional e na gestão dos recursos destinados a investimentos em infra-estrutura urbana. Ao Serfhau, extinto em 1986, era destinado o papel de gerenciar a prática de elaboração de planos diretores.

A ação do Serfhau, conforme os preceitos da Política Urbana Nacional, apoiava-se em duas idéias-forças: a modernização e o controle social. A promoção do crescimento consistia na modernização das cidades, em especial das capitais, e da máquina administrativa. A criação das condições de infra-estrutura e de habitacão, além de favorecer a reprodução das relações

capitalistas e fortalecer o capital internacional, visava integrar a população marginal, mediante regulação administrativa dos conflitos. Este período constitui uma tentativa de anular todo o esforço de construção política dos movimentos sociais e urbanos.

Aos planos diretores locais integrados associa-se o viés do

comprehensive planning ao sistêmico, no qual se enfatiza a visão

multidisciplinar, retoma-se a idéia do planejamento como processo e aborda-se a cidade no contexto metropolitano. Os procedimentos metodológicos da vertente sistêmica, apoiada em modelos de simulação de uso do solo e de transportes, significavam um reforço da visão técnico-científica dos problemas urbanos e suas soluções, e compatibilizavam-se com a idéia de neutralidade da atuação governamental, recurso ideológico para assegurar a legitimação das ações do governo no urbano. Além do mais, a visão estruturalista significava um avanço na perspectiva de uma integração da ação governamental nos vários níveis.

Estas experiências denotam a influência das idéias de racionalização administrativa do planning americano e do aménagement du territoire, de procedência francesa. As idéias utópicas próprias do ideário reformista, de forte expressão política, na fase anterior, cedem lugar à visão técnica e a procedimentos mais racionais, principalmente administrativos.

A revisão crítica realizada por Barata e Santos (1990), técnicos e consultores na área de Planejamento Urbano orientado pelo Ibam, centra-se em três aspectos: a política urbana praticada, os procedimentos metodológicos aplicados na elaboração dos planos e o planejamento como processo. Quanto à política urbana, atribuem sua ineficácia ao caráter centralizador, baseada em procedimentos metodológicos simétricos marcados pela uniformidade no tratamento em termos de pesquisa e concepção dos planos, omitindo as divergências quanto à escala demográfica, ao papel dos municípios na rede urbana do País e à falta de disponibilidade de recursos financeiros e humanos para implementação dos planos. Para estes autores, a ação do Serfhau não alcançou os objetivos colimados em razão da concepção dos planos dentro de uma visão global, comprovadamente utópica, a qual priorizava diagnósticos amplos e setorizados, fundamentados em dados e em pesquisas quantitativas, sem percepção das contradições e conflitos socioespaciais e da centralização

do poder no governo federal, que fragilizou os governos municipais, retirando, ainda mais, sua autonomia decisória e financeira. Desta forma, o papel do Serfhau, de coordenador de investimentos federais com vistas a realizar a integração horizontal e vertical nas ações sobre o urbano, resumira na capacitação das prefeituras no campo administrativo (estruturas e processos internos) e no financiamento da elaboração dos planos de desenvolvimento local integrado. Do ponto de vista físico-territorial, os planos não foram indutores dos programas das agências federais e das práticas das administrações municipais, e restringiram-se ao controle urbanístico, aplicando a legislação sobre uso do solo.

Quanto aos aspectos positivos, o Serfhau contribuiu para a difusão da cultura de planejamento e a institucionalização da atividade, ao incentivar a criação de órgãos de planejamento urbano e a formação dos profissionais consultores e planejadores. Afirmam os autores:

Dessa forma, o Serfhau funcionou para reproduzir, no nível municipal, a ideologia tecnocrática consolidada pelos governos militares. O município, visto como esfera mais atrasada da Federação, entraria na era da modernidade a partir da absorção dos instrumentos e do planejamento, necessários para operar a mudança. Sob este ponto de vista, a adoção do planejamento nesse período não se constituiu em um movimento espontâneo das municipalidades, sendo imposta pelo mecanismo das relações intergovernamentais definido pela União (BARATA e SANTOS, 1990, p.29).

Costa (1994) aliando o conhecimento teórico às ações práticas, em razão do seu papel de professor e de técnico comprometido com a elaboração de planos, destaca duas ordens de críticas relativas às práticas de planejamento moderno: num primeiro momento, as críticas de ordem prática, as procedentes do interior do grupo de planejadores, as quais se referiam à operacionalidade dos planos em razão da comprovação dos limitados resultados; e num segundo momento, as de ordem teórico-reflexiva, substanciadas nos avanços dos estudos urbanos nas ciências sociais, as quais refletem maior aprofundamento e amadurecimento, pois se exploram os aspectos teóricos e práticos do planejamento urbano no contexto da dinâmica urbana e do papel do Estado.

Para este autor, quando a prática passou a ser problematizada e considerada atividade em crise, foram destacados os seguintes aspectos: os

PDLIs não orientaram o desenvolvimento das cidades e só incidentalmente os objetivos anunciados foram alcançados e as metas executivas realizadas; não foram reconhecidos na orientação das práticas político-administrativas, tanto do Executivo quanto do Legislativo municipal. Quanto à lógica interna dos planos, destaca-se a desvinculação entre as diretrizes e os instrumentos propostos, sem estratégia de viabilização de ação executiva e normativa e dos recursos disponíveis.

Ao admitir ser o plano uma carta de intenções, Costa (1994) sem qualquer sanção legal, comprova: o divórcio entre as metas e as possibilidades financeiras e operacionais do governo local; o descompromisso com os interesses e aspirações das comunidades; e a inexistência de recursos legais, de forma a tornar obrigatória a ação pública sobre o disposto no plano, executiva ou normativa.

Nas palavras de Costa (1994), o aspecto mais grave reside no distanciamento entre os planos, as comunidades e as administrações locais:

Parecia inegável que sua elaboração constituía um ritual burocrático cujo cumprimento formal, por parte das prefeituras, servia muito mais como demonstração de que enquadravam na política federal de desenvolvimento urbano: habilitavam-se, dessa forma à obtenção de financiamento de programas habitacionais, saneamento básico e de certos equipamentos sociais, estes sim de interesse dos políticos locais (COSTA, 1999, p.12).

Nesse sentido, o cerne destas críticas remete à relação entre técnica e política, no planejamento moderno, cujo discurso competente era compatível com os interesses das elites econômicas e políticas, alinhadas à reprodução das relações capitalistas dos países centrais. Desta forma, os planos nos aspectos funcionais relativos à urbanização corporativa, serviram de diretrizes e, mais precisamente, como recurso burocrático de inserção nos programas e fonte de recursos nacionais e internacionais. É inegável sua contribuição à cultura do planejamento urbano, ao produzirem documentos, criarem instituições e contribuírem para a formação dos profissionais.