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3 URBANISMO: EM BUSCA DE UMA DELIMITAÇÃO CONCEITUAL

3.2 VERTENTES DO URBANISMO/ PLANEJAMENTO URBANO

3.2.1 Vertente Funcionalista

não como diretriz de ação.

Segundo Sampaio (1999), as vertentes teóricas do urbanismo quando operacionalizadas nos planos, percebe-se a coexistência de duas ou mais, muitas vezes apropriadas por contextos políticos e sociais diferenciados, somente analisáveis a partir de pesquisa empírica em formações determinadas, vistas caso a caso.

Neste estudo privilegia-se as vertentes que mais fundamentaram as práticas de planejamento urbano, em Fortaleza: vertente funcionalista, vertente orgânica e vertente sistêmica.

3.2.1 Vertente Funcionalista

O corpo de idéias seminais do urbanismo moderno fundamenta-se em duas linhas metodológicas, articuladas e consideradas híbridas por Montaner (2000). Uma delas se vincula à tradição idealista e historicista de Hegel, ancorada na idéia de progresso e de espírito dos tempos, Zeitgeist, representada pelas teorias psicológicas da percepção e da pura visibilidade, sustentadoras do novo conceito plástico do espaço moderno, por exemplo: Bauhaus, na linhagem de Moholy Nagy. A outra, privilegiada neste trabalho, é a tendência difundida por Le Corbusier, em 1925, mais hegemônica e de suporte racionalista cartesiano, oriunda do ideário de Auguste Comte e das práticas de Gottfried Semper. Esse último ideário funda-se na crença no progresso técnico e na utilização do método cartesiano, pela decomposição da realidade em seus elementos básicos. O ideário funcionalista, de viés mecanicista, resulta no princípio da tábula rasa cartesiana, enfatizando a divisão do todo em partes, que repercutiu na estética dos encaixes e no urbanismo do zonning (decomposição da cidade em suas partes básicas). É uma tendência amplamente divulgada no mundo ocidental e ancora-se numa vertente de ação planejadora, baseada por uma lógica formalista e uma racionalidade abstrata, que buscavam legitimar-se pela ciência e pela técnica, sem captar a dinâmica dos processos sociais e dos agentes sociais da cidade real.

No Brasil, esta vertente serviu de paradigma nas práticas urbanísticas do período entre guerras, culminando na década de 1960, com o caso mais

expressivo de Brasília. No urbanismo “modernista”, de viés cartesiano, a organização do espaço obedece a princípios racionais de ordem funcional e é definida na Carta de Atenas pelas três funções básicas: habitar, trabalhar e recrear, posteriormente acrescida da função circular.

Estas quatro funções são as chaves do urbanismo “modernista” e foram amplamente difundidas e aplicadas. Este viés foi concebido como saber derivado da arquitetura, especializado e de ação prática, conforme expressa Le Corbusier (1973, p.14)

O urbanista nada mais é que o arquiteto. O primeiro organiza os espaços arquiteturais, fixa o lugar e a destinação dos continentes construídos, liga todas as coisas no tempo e no espaço por meio de uma rede de circulações. E o outro, o arquiteto, ainda que interessado numa habitação e, nesta habitação, numa mera cozinha, também constrói continentes, cria espaço, decide sobre circulações. No plano do ato criativo , são um só o arquiteto, e o urbanista.

A ênfase no funcional coloca o urbanismo na condição de um instrumento capaz de organizar a sociedade. Têm-se como aspectos fundamentais deste urbanismo a amplitude de seu objeto, que ultrapassa o marco intra-urbano12, buscando seu caráter essencialmente funcional, assentado em uma necessidade de transformar a cidade herdada. Introduz a idéia de uma nova ordem que visava harmonizar densidades de ocupação do solo e distribuição dos equipamentos, bem como resolver os problemas circulatórios e modificar a estrutura fundiária.

Para Le Corbusier (1973) o básico era a função na conformação do espaço urbano, expressa nas seguintes características:

• a arquitetura como a “figura”, o elemento gerador do desenho da cidade, provocando a dissolução do tecido urbano tradicional, que tinha na rua o elemento gerador e aglutinador;

• o Estado considerado um agente neutro a serviço do bem comum, objetivando a implantação do estado de direito sem mudanças sociais;

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Introduz um conceito de região em substituição aos tradicionais, administrativos, geográficos e históricos: o de região funcional delimitada pela área de influência da cidade. Este conceito foi depois melhor desenvolvido por Perroux, Boudeville e Richardson. A cidade constitui uma parte do sistema econômico, político e social, e deve ser estudada dentro do conjunto de sua região de influência. Esta postura advém da consciência dos desequilíbrios territoriais provocados pela civilização industrial, não solucionáveis em nível de cidade.

• o projeto de cidade idealizado pelo urbanista, como profissional autorizado, responsável pelas opções técnicas, legitimadoras das ações sobre o urbano;

• a população caracterizada pelos “usuários”, ausentes na participação dos processos decisórios;

• o modelo espacial abstrato sem relação com uma formação social concreta. A técnica, como discurso do especialista, é competente13 e ideologizada, ancorada na racionalidade técnica e científica que assegura a legitimidade das propostas.

Num primeiro momento, as críticas ao urbanismo funcionalista, emergentes da década de 1960, são mais negativas que positivas, centrando-se em um reducionismo da racionalidade técnica funcional, o qual prioriza a função, mas descuida da complexidade das relações humanas e, portanto, omite a dimensão do imaginário e do simbólico. Ainda seguindo estas críticas, a idéia de comunidade como “célula” básica da estrutura da cidade omite a dinâmica urbana, seu caráter plural e diversificado. A estética, baseada na máxima de que “a forma segue a função”, reflete a idéia de um espaço funcional abstrato, geométrico, contrapondo-se à concepção de lugar, que inclui as especificidades geográficas e culturais, conforme defende Sitte (1992).

Em síntese, as críticas ao urbanismo funcionalista desembocam no caráter autoritário e tecnocrático das experiências representadas pela figura do arquiteto-herói, resultantes na prática em propostas espaciais fragmentadas, decorrentes da setorização da cidade, da criação de interstícios e vazios, provocando a descontinuidade e deterioração da trama urbana. A supressão da “rua corredor”, por exemplo, substituída por vias de circulação automotiva, repercutiu na perda do espaço público, marcado por grandes edifícios de elevada altura, distanciados, mas unidos por um grande parque.

Além disso, as medidas regulatórias de coeficientes quantitativos, tais como densidade de construção, taxa de ocupação, altura máxima, primam pelas soluções volumétricas individuais em detrimento do conjunto da organização urbana.

As críticas ao planejamento racionalista e mecanicista, denominado por muitos autores de “operacional”, não podem ser generalizadas. Só uma

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O termo discurso competente é denominado por Chauí (1993), mostra que o discurso técnico é também um discurso ideológico.

análise empírica da relação entre a cidade-ideal dos planos e a cidade-real pode revelar os limites e possibilidades dessas práticas socioespaciais.

Para Scherer (1994), o paradigma dos Ciam’s respondia a um conceito de racionalidade próprio da sociedade européia daquele período (nas primeiras décadas do século XX). Era um modelo de uma sociedade onde o Estado tinha de assegurar não apenas uma legislação de previdência social e o acesso ao consumo de produtos industrializados correntes, mas também assegurar os equipamentos sociais e os serviços urbanos para a massa.

Em Fortaleza, a repercussão do urbanismo funcionalista restringiu-se à área de formação profissional, portanto não constituiu referência para as práticas de urbanismo.