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AS POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS A PARTIR DA CONTRARREFORMA DO ESTADO

1 A GESTÃO EDUCACIONAL E AS INTERFACES DO ESTADO NAS REDEFINIÇÕES DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

1.2 AS POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS A PARTIR DA CONTRARREFORMA DO ESTADO

As políticas públicas brasileiras, a partir da década de 1990, foram tangenciadas por influências externas, principalmente advindas de organismos

multilaterais e influências internas diretas a partir das reformas neoliberais no Estado. No entanto, antes de iniciar o debate acerca das políticas públicas brasileiras, que definiram o Plano de Ações Articuladas, nossa questão principal é conceituar os termos-chave concebidos nessa discussão.

O primeiro termo-chave é “política”, o qual não apresenta um caráter único, incorporando ao mesmo tempo a esfera política; a atividade política; e a ação pública. Quando se trata da esfera política, faz-se a distinção entre o mundo da política e da sociedade civil; ao referir-se à atividade política designa a competição por cargos públicos, debates partidários e formas de mobilização; e, por fim, a política enquanto ação pública designa o processo pelo qual são elaborados e implementados programas de ação pública, ou seja, dispositivos político-administrativos (MULLER; SUREL, 2002).

Considerando que esta investigação tem como objetivo analisar a implementação de uma política pública, ou seja, o PAR, partiremos da designação da política, enquanto ação pública, de modo que as duas primeiras distinções não serão ignoradas mediante a análise.

Por isso mesmo, análise das políticas públicas não procede de um recorte da esfera política, privilegiando certas atividades e deixando outras de lado. É próprio da análise política lançar um olhar diferente sobre a ação pública em seu conjunto, colocando-se do ponto de vista daquilo que se torna centro da gravidade da esfera política, a saber, a implementação de políticas públicas (MULLER; SUREL, 2002, p.11).

Uma análise das políticas públicas que privilegie algumas ações em detrimento de outras, e que aplique um olhar unidirecional poderá comprometer a investigação. É importante complementar que “uma política é um constructo social e um constructo de pesquisa” (MULLER; SUREL, 2002, p.12), o que aumenta o desafio de uma interpretação mais sistêmica. Ademais, o envolvimento dos atores políticos e o caráter contraditório de toda política dificultam a sua análise na totalidade.

Figueiredo e Figueiredo (1996) entendem por análise política a avaliação e elucidação do critério ou critérios que fundamentam determinada política: as razões que a tomam preferível a qualquer outra. Para mais, ainda há o

distanciamento entre os objetivos da política definidos na sua elaboração e os resultados alcançados após sua implementação.

A concepção de “implementação” para este estudo considera os modelos mais dinâmicos e processuais, pressupondo tanto uma relação da política com o contexto mais geral da macropolítica quanto as relações dinâmicas entre as estruturas organizacionais, os distintos recursos de apoio mobilizados e as características sociais, culturais e econômica dos atores envolvidos (PEREZ, 2010).

Partindo dessa compreensão, a implementação do Plano de Ações Articuladas está envolvida por toda essa dinâmica política. A análise em sua totalidade, portanto, representa um desafio, particularmente por constituir elementos concretos e explícitos – como a sua formulação – e elementos abstratos, os quais revelam a sua real intencionalidade.

A análise de toda a conjuntura política é essencial para a compreensão das razões socioeconômicas que estão na base de todos os processos de “reforma” do Estado, a qual interfere diretamente no campo educacional. E um fato marcante para o capitalismo difundir-se foi o acordo de Bretton Woods21, no qual o Estado keynesiano, do Bem-Estar Social e regulador, ao final da segunda guerra mundial já não satisfazia os expoentes do pensamento conservador (PAULANI, 2010).

Hayek22, que ocupava na época uma cadeira importante na London Schollof Economics, convocou uma reunião, na qual se discutiu a estratégia necessária para enfrentar a significativa regulação e intervencionismo estatal que “ameaçava” o capitalismo. Essa reunião visava combater o Keynesianismo e preparar o caminho para um novo capitalismo no futuro, “um capitalismo duro

21O acordo de Bretton Woods, portanto, foi importante como procedimento de

institucionalização da hegemonia dos EUA no campo monetário internacional, e o aspecto- chave neste sentido foi a definição do ouro como ativo de reserva. A partir da aceitação do dólar como referencial internacional, a gestão monetário-financeira mundial, de fato, passa a estar sujeita aos ditames da política norte-americana (BAER et al, 1995, p.80).

22Hayek foi um dos principais personagens de um debate ocorrido nesses mesmos anos e que

ficou conhecido na literatura como ‘debate sobre o cálculo socialista’. Por meio de artigos originais, réplicas e tréplicas que colocaram de um lado Hayek e von Mises e de outros economistas que defendiam o planejamento central, como o conhecido Oskar Lange, travou-se um debate em torno da possibilidade ou não de uma economia não organizada pelo mercado produzir uma situação de ótimo social. O resultado desse debate foi trágico para alguém com as arraigadas convicções liberais de Hayek. Lange não demonstrara apenas que o cálculo racional era perfeitamente possível numa sociedade não regida pelo mercado (PAULANI, 2010).

e livre de regras” (ANDERSON, 1995, p.10). O intervencionismo do Estado, considerado um obstáculo para o avanço econômico pretende:

[...] limitar o tamanho do Estado ao mínimo necessário para garantir as regras do jogo capitalista, evitando regulações desnecessárias; segurar com mão de ferro os gastos do Estado, aumentando seu controle e impedindo problemas inflacionários; privatizar todas as empresas existentes, impedindo o Estado de desempenhar o papel de produto, por mais que se considera essencial e/ou estratégico um determinado setor; e abrir completamente a economia, produzindo a concorrência necessária para que os produtores internos ganhassem em eficiência e competitividade (PAULANI, 2010, p.71).

O contexto da Guerra Fria23, juntamente com o choque do petróleo e a profundidade da crise no início dos anos de 1970 contribuíram decisivamente para a expansão do capital. Assim, como tinham que dar conta de manter o poder hegemônico do país, as autoridades norte-americanas responderam com políticas expansivas à compressão das margens de lucro e à aceleração da inflação, que delinearam a política econômica dos Estados Unidos. Paulani destaca que, nesse momento, os bancos privados internacionais se associaram para contornar a crise e expandir o capital, buscando tomadores nos países da periferia do sistema, dentre os quais, os países latino- americanos foram as primeiras vítimas.

Estourou, portanto, o endividamento que abalou a América Latina a partir do final de 1979 e, no caso do Brasil, os efeitos dessa dívida são sentidos até os dias atuais. Enquanto isso, o volume do capital das instituições financeiras só aumentou, impulsionado também pelas medidas de desregulamentação estatal. Esse contexto favoreceu para que o Banco Mundial protagonizasse a reestruturação e abertura das economias dos devedores, garantindo a renegociação e, consequentemente o pagamento das dívidas externas (HADADD, 2008).

23A Guerra Fria foi uma disputa pela superioridade mundial entre Estados Unidos e União

Soviética após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). É chamada de” Guerra Fria” por ser uma intensa guerra econômica, diplomática e ideológica travada pela conquista de zonas de influência.

As recomendações do Banco Mundial (1997), propõem superar as dificuldades na área educacional, nos países periféricos, a partir da implementação de um quadro de ações orientadas por resultados que, conforme Hadadd são analisados a partir de uma visão economicista.

Todas las medidas de política orientadas a reduzir los controles al comercio exterior, eliminar las barreras que obstaculizan el acceso de la industria privada y privatizar empresas estatales en una forma que asegure la competencia son beneficiosas en la lucha contra la corrupción. En este terreno hay que actuar con decisión: las reformas que abren oportunidades para la participación de la empresa privada en sectores de la economía que le estaban vedados, pero que dejan ese acceso a la discreción de los funcionarios públicos en vez de establecer procesos abiertos y competitivos, crean también enormes posibilidades de corrupción (BANCO MUNDIAL, 1997, p.9).

O economicismo e o fortalecimento das empresas privadas, assim como a privatização das empresas estatais, são defendidos pelo Banco mundial com a justificativa de garantir a eficácia dos serviços e combater a corrupção dos funcionários públicos. Para a área educacional, o conjunto de reformas educativas coincide com elementos cruciais da gestão educacional constante na proposta do Plano de Ações Articuladas que será analisado efetivamente no segundo capítulo deste estudo. Os elementos centrais da reforma são:

a)Prioridade na educação primária; b) melhoria da eficácia da educação; c) ênfase nos aspectos administrativos; d) descentralização e autonomia das instituições escolares, entendida como transferência de responsabilidades de gestão e de captação de financiamento, enquanto ao Estado caberia manter centralizadas as funções de fixar padrões, facilitar os insumos que influenciam o rendimento escolar, adotar estratégias flexíveis para a aquisição e uso de tais insumos que influenciam o rendimento escolar; d) a análise econômica como critério dominante na definição das estratégias (HADADD, 2008, p.24).

As medidas adotadas no conjunto de reformas no campo educacional estão estritamente ligadas às estratégias economicistas condizentes com as políticas neoliberais de redução do papel social do Estado e de adoção de princípios mercadológicos para as políticas públicas

Chesnais (1996) atribui à “mundialização” do capital, ou seja, à constituição de um regime de acumulação mundial predominantemente financeiro, uma série de consequências que comprometem os serviços públicos e a relação capital/trabalho.

Da mesma forma, Husson (1994) caracteriza a mundialização da economia como um processo contraditório, desigual e assimétrico, intensificado pela revolução tecnológica e pelo neoliberalismo, cuja essência é o afastamento dos obstáculos à circulação do fluxo de mercadorias e do capital financeiro; reduzindo, portanto, o papel do Estado nas questões econômicas e exigindo deste uma série de medidas em prol da financeirização.

A mundialização atinge três formas institucionais: o mecanismo de gestão da relação salarial; o mercado como gestor da moeda; e a redução da capacidade de intervenção dos Estados (BEHRING, 2008). Essas medidas que o capital financeiro impõe ao Estado através de “reformas” em todos os setores públicos (economia; educação; saúde; etc) são denominadas por Behring como “Contrarreforma”.

A mundialização reforça, portanto, a hegemonia burguesa no Estado e, juntamente com o ideário neoliberal, provoca transformações na configuração da democracia:

Políticas engendram uma concepção singular de democracia, que abandona a perspectiva do Estado liberal de direito e de um tecido social mais denso e participativo em nome: da participação nos processos eleitorais, os quais se convertem – em muitas situações mas não em todas, dependendo dos processos histórico-sociais interno dos países – em um mecanismo plebiscitário de legitimação do sistema; do reforço do Poder Executivo em detrimento dos demais poderes constitucionais; do freio ao desenvolvimento da sociedade civil capaz de interferir e controlar os processos decisórios; da animação, em contrapartida, de um “associanismo light” e bem comportado, que tem a função de amenizar as sequelas da dura política econômica (BEHRING, 2008, p.60).

A autora expõe a distorção que a política neoliberal provoca na concepção de democracia, a qual é reduzida à participação em processos eleitorais nos quais há a supremacia de representantes da classe burguesa, que detém o controle hegemônico.

No Brasil, a política neoliberal e a “contrarreforma”, ainda, estabelecem nos anos de 1990 uma política de defesa do capital de empréstimo, com elevadas taxas de juros e inflação zero, juntamente a uma política fiscal que alivia a carga fiscal sobre o mercado financeiro, transferindo-a para os rendimentos do trabalho. Ademais, ainda, de acordo com Behring (2008), para a política social a orientação é a focalização das ações, com estímulos a fundos sociais de emergência, e a mobilização da “solidariedade” voluntária, assim como a ação de organizações filantrópicas e não governamentais prestadoras de serviços de atendimento público.

Considerando a contrarreforma que se estabeleceu no Estado brasileiro, há a necessidade de desvelar a origem de todo esse conjunto de transformações que desencadearam na implementação de políticas públicas contraditórias, quando se acredita que os seus objetivos devem priorizar o atendimento às necessidades sociais. Nesse sentido, abordaremos brevemente as implicações dos organismos internacionais para a gestão pública e, mais especificamente, para a gestão educacional.

1.3 OS ORGANISMOS INTERNACIONAIS E A GESTÃO EDUCACIONAL