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1 A GESTÃO EDUCACIONAL E AS INTERFACES DO ESTADO NAS REDEFINIÇÕES DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

1.1 A GESTÃO EDUCACIONAL: DA GERERE AO GERENCIALISMO

1.1.3 O Modelo Gerencial de Gestão

A redefinição do papel do Estado, bem como as reformas no âmbito educacional, baseadas nos preceitos da mundialização do capital e dos pressupostos neoliberais, têm traçado um novo rumo para a educação brasileira. Conforme Castro e Cabral Neto (2011), a reforma educacional em curso no Brasil insere-se na logica desse processo de adaptação às novas exigências do capital, ao mesmo tempo em que o Estado deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social (por meio da

redução de seu papel intervencionista), para se fortalecer na função de promotor e regulador desse desenvolvimento.

Deste modo, as reformas ocorridas no campo educacional na década de 1990 no Brasil, evidenciaram a necessidade de modernizar a gestão da educação, considerada ineficiente e burocrática pelo ideário neoliberal. Conforme Castro (2007):

As transformações ocorridas na sociedade em geral, a partir do início de 1970, exigiram não só do setor privado, mas também do setor público, uma série de transformações como resultado do esgotamento do modelo de desenvolvimento do pós-guerra. As primeiras reformas implantadas nessa época para superar a crise do modelo capitalista, chamadas de reformas de primeira geração, foram de caráter macroeconômico, cujas diretrizes podem ser encontradas no marco do Consenso de Washington (p.123).

O modelo “gerencial” é incorporado, portanto, da empresa privada para o serviço público, a partir da Reforma do Estado com o intuito de adequar as instituições educacionais às exigências do mercado. Bresser-Pereira, responsável pela elaboração do documento do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, defende que embora a reforma da administração pública tenha buscado inspiração na administração privada, ela se diferencia desta por não visar a lucratividade, mas sim o interesse público, pois o critério político nela circunscrito é mais importante que o critério de eficiência e porque “pressupõe procedimentos democráticos que, por definição, não têm espaço no seio de empresas capitalistas” (BRESSER-PEREIRA, 1996, p.109).

A contradição de Bresser-Pereira está em propor uma reforma pautada na administração privada e com ênfase nos resultados, ou seja, de caráter gerencialista, mas reafirmando que o caráter democrático está presente.

Na mesma perspectiva, o Documento do Centro Latino Americano para o Desenvolvimento (CLAD, 1999) afirma que o modelo gerencial se adéqua ao modelo democrático no qual está inserido e justifica que a América Latina deve preparar-se para as mudanças estruturais com impacto mundial, da mesma maneira que deve enfrentar a competição econômica internacional trazida pela globalização. Logo,

Nesse caso, o Estado deve alterar suas antigas políticas protecionistas, substituindo-as por medidas que induzam as empresas a serem mais competitivas no novo ambiente econômico mundial. Para atingir esta meta, é preciso ter um sólido projeto para o setor de comércio exterior, visando aumentar a participação dos países no fluxo de comércio mundial; além disso, os recursos públicos e privados devem ser canalizados estrategicamente para programas nas áreas de educação, ciência e tecnologia (p.122).

Bresser-Pereira, bem como o documento do CLAD, propõe que o Estado necessita adequar-se às demandas do mercado haja vista que a globalização exige um Estado com intervenção mínima no funcionamento do mercado. Neste sentido, considerando as recomendações para o novo papel do Estado, propõe-se que, em termos econômicos, ao contrário de uma intervenção direta como produtor, o aparelho estatal deve concentrar suas atividades na regulação. As privatizações e a criação de agências reguladoras fazem parte deste processo. Além disso, o autor afirma que o Estado deve desenvolver sua capacidade estratégica de atuar junto ao setor privado e fortalecer a competitividade das empresas.

Esse modelo, conforme Abrucio (2003), condiz com os princípios da Nova Gestão Pública (NGP), cujo objetivo é a reconstrução do Estado em novas bases, a partir da melhoria do desempenho governamental, ou seja, melhorar a eficiência e eficácia da gestão, mediante a profissionalização da burocracia pública e aprimoramentos dos seus instrumentos gerenciais. Em contrapartida, Castro (2007) define que a reforma gerencial almeja a eficiência, por meio da redução e controle dos gastos com os serviços públicos, demandando maior qualidade e descentralização administrativa.

Portanto, embora o discurso apresente alternativas para tornar “eficiente” a gestão pública, as reformas aplicadas acabam enfraquecendo o setor público, principalmente, a partir do corte dos gastos com os serviços públicos.

A Nova Gestão Pública traduz-se mais como um depósito de orientações, técnicas e métodos do que como um conjunto sistemático e ordenado de propostas que devem ser utilizadas de acordo com problemas específicos e objetivos a alcançar, o que explica a diversidade de reformas empreendidas (BARZELAY, 1998).

Na discussão de Castro (2007) é possível identificar três etapas do gerencialismo: modelo gerencial puro; consumerism; e Public Service

Orientation. A primeira etapa, considerada a primeira iniciativa de implantação

do modelo gerencial, busca a eficiência, o que desencadeou a administração por objetivos e a descentralização administrativa, a qual, segundo a autora, na prática tornou-se “desconcentração” de poderes.

A segunda etapa, identificada pela autora como consumerism, incorporou o conceito de qualidade dos serviços públicos; e na dinâmica intra- governamental priorizou os conceitos de flexibilidade, planejamento estratégico e qualidade. Na prática, refere-se à adoção de serviços públicos voltados para satisfazer os clientes consumidores. Já a terceira etapa está relacionada com a defesa da substituição do conceito de cliente para o conceito de “cidadão”; essa etapa, conhecida como Public Service Orientation, tem como conceitos básicos a accountability20 e equidade na prestação de serviços públicos.

A gestão gerencial também se apropria de conceitos e princípios da gestão democrática, como autonomia, participação e descentralização, no entanto são atribuídos a essas palavras sentidos diferenciados, consideradas “tendencialmente despojadas de sentido político” (LIMA, 2008, p. 120). Segundo ele, os novos sentidos definem: a autonomia como instrumento fundamental de construção de uma cultura organizacional-empresarial; a participação como um fator de coesão e consenso; e a descentralização coerente com a “ordem espontânea” do mercado, garantindo a liberdade individual e a eficiência econômica.

Na lógica gerencial, a autonomia ocupa lugar de destaque na ressignificação dos mecanismos da gestão democrática (ADRIÃO, 2006). A autonomia se traduz na responsabilização das unidades escolares pelo sucesso ou fracasso das políticas educacionais. Adrião ainda afirma que a

20 Frequentemente utilizado como sinónimo de prestação de contas, o vocábulo accountability

apresenta alguma instabilidade semântica porque corresponde a um conceito com significados e amplitudes plurais. Definimos accountability como um processo integrado de avaliação, prestação de contas e responsabilização. Nesta perspectiva, e em determinadas situações específicas, a avaliação surge como condição necessária para a prestação de contas, sendo que esta, por sua vez, implica fornecer e disponibilizar informações e dar justificações sobre as decisões e os actos praticados (answerability). Finalmente, a imputação de responsabilidades e a imposição de sanções (enforcement) traduzem uma outra importante característica dos sistemas ou modelos de accountabilit (AFONSO, 2010, p.10).

autonomia adotada na década de 1990 contribuiu para o fomento da eficiência da escola, de modo a alavancar os resultados educacionais.

A autonomia, na perspectiva gerencial, carrega em si um elemento democrático, todavia, representa a transferência de responsabilidades para as escolas e a viabilização de práticas da gestão privada no setor público educacional. Nessa mesma lógica, a participação é reduzida ao estabelecimento de parcerias com setores da sociedade civil dispostos a colaborar com a melhoria do ensino público, por meio do trabalho voluntário, incentivado por campanhas do Governo Federal como a “Todos pela Escola” (ADRIÃO, 2006).

A lógica da descentralização, na gestão gerencial, impulsiona o financiamento da educação por setores privados e está associada a uma série de instrumentos de avaliação com o objetivo de mensurar o desempenho das escolas. Segundo Adrião (2006) devem-se analisar de forma articulada as estratégias do novo modelo de gestão: “descentralização de parte dos insuficientes recursos existentes, maior autonomia para gerenciá-los e centralização do controle dos resultados escolares” (p.70), representando, assim, a redução do suporte do Estado no sistema educacional e a sua abertura para o financiamento privado.

Acerca da descentralização na perspectiva do modelo gerencial de gestão, Chaves e Gutierres (2014) problematizam que se utiliza da lei para descentralizar os serviços, mas que na prática o que ocorre é:

A intenção de deslocar a responsabilidade pela oferta dos serviços públicos para a sociedade, no caso da escola, para a comunidade escolar (pais, professores, etc), bem como para o próprio gestor, que terá maior responsabilidade perante a organização social, para alcançar resultados quantitativos com menores gastos. Esses resultados são obtidos por meio de exames estandardizados, que se traduzem em maiores cobranças e responsabilização pela execução das tarefas solicitadas, além da competitividade entre instituições (CHAVES; GUTIERRES, 2014, p. 9).

Essa responsabilização para a figura do gestor e para a sociedade civil condiz com a lógica neoliberal, corroborando com os valores do mercado como produtividade, qualidade e controle. Segundo Paro (2007), essa lógica atribuída

à administração é produto de longa evolução histórica e traz marcas das contradições que acometem a sociedade e dos interesses políticos em disputa.

Em defesa do modelo gerencial, Bresser-Pereira (2006) afirma que na administração pública gerencialista são empregadas: a responsabilização por resultados, a competição; e o controle social por organizações da sociedade civil.

Essas características do modelo gerencial só confirmam a necessidade do sistema capitalista de interferir na administração pública, de modo a reconfigurar todo o serviço público bem como o próprio papel do Estado.

O papel do Estado, portanto, segue a essas determinações do capital, assumindo os interesses do sistema capitalista como seus, ao mesmo tempo em que utiliza meios diversificados para protegê-lo das crises (RIBEIRO; CHAVES, 2015). Ainda de acordo com as autoras, os grupos capitalistas consideram o Estado como aliado importante para evitar o colapso do sistema e, consequentemente, o rompimento da ordem do capital.

Nesta seção foi possível verificar a divergência existente entre os modelos de gestão democrática e gerencial. Enquanto o primeiro privilegia a participação da sociedade civil nas tomadas de decisão, de forma transparente, a fim de garantir o bem comum; a gestão gerencial responsabiliza os indivíduos pelos resultados, priorizando a eficiência do serviço público (fazer mais com menos custo), o que privilegia o sistema financeiro e, portanto, fortalece o capital.

O modelo de gestão reflete o papel que o Estado assume perante a sociedade. Ao longo da história, o Estado teve sua função redefinida conforme interesses de classes e ciclos econômicos, o que desmitifica a sua suposta “neutralidade”. A seguir discutiremos a contrarreforma do Estado brasileiro e suas implicações nas políticas públicas e na gestão educacional.

1.2 AS POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS A PARTIR DA