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1º PAR 2º PAR 1-Gestão

2.4.2 Plano de Ações Articuladas: para qual modelo de gestão?

O PAR apresenta características singulares e paradoxais ao mesmo tempo. Além disso, o Plano reflete toda a conjuntura política e econômica do período, marcada por reformas de cunho neoliberal delineado pela mundialização do capital, seguindo, portanto, orientações dos organismos multilaterais. Esse conjunto de condicionantes, age na redefinição do papel do Estado e nas políticas implementadas por este, traçando um cenário propício para o avanço do capital.

Nessa seção, discutiremos o modelo de gestão que constitui o Plano de Ações Articuladas e, ao mesmo tempo, desvelando de forma crítica toda a conjuntura política que adentra a construção desse padrão administrativo. Para tanto, o conceito de “correlação de forças” norteará essa discussão na medida em que facilita a compreensão da implementação de uma política tão complexa quanto o PAR por ter sido criada no governo do Partido dos Trabalhadores (PT), mas discutido por representantes da burguesia, ou seja, os empresários da educação.

Harnecker (2012) faz um resumo acerca da correlação de forças a partir dos critérios de Lenin40:

a) Quando se fala em correlação de forças, subtende-se que se trata sempre de uma confrontação de forças que se

40 Vladimir Ilyich Ulyanov, mais conhecido como Lênin, foi um importante revolucionário, líder

verifica através de um enfrentamento real e não antes desse enfrentamento; daí não ser possível prevê-la com antecipação; a correlação de forças tem de ser diagnosticada no exato momento em que o enfrentamento ocorre; b) deve-se perguntar em primeiro lugar: quais são as forças que se enfrentam? Isso parece demasiado óbvio, mas não é [...]; c) ao estudar a correlação de forças, é fundamental ter presente o grau de coesão ou o grau de contradições existentes em cada setor em luta [...]; d) a dinâmica da revolução implica numa mudança crescente da correlação de forças em favor das forças revolucionárias (p.85).

Identificar as forças que operam em uma dada realidade não é uma tarefa simples, assim como verificar o grau de contradições existentes em cada setor de “luta” implica num olhar minucioso do real, prevenidos de qualquer reducionismo.

Essas forças opostas que permeiam a gestão educacional, na verdade emergem de um campo político maior. A exigência por uma mudança da gestão patrimonialista para burocrática, e dessa para a democrática não emergiu do vazio, mas de um conjunto de fatores sociais, políticos e econômicos que compõem o que se denomina, nesse estudo, como “força maior”.

A democracia foi incorporada mediante a força dos movimentos em defesa do direito à educação pública, gratuita e democrática. Dessa maneira, a gestão educacional foi reorganizada a partir da “necessidade de modernizar a gestão pública, com maior transparência, estruturas mais democráticas e flexíveis e maior eficiência” (OLIVEIRA, 2015, p.632).

No entanto, essa “democracia” é contraditória no momento em que é incorporada a uma série de reformas que contemplam na mesma pauta o corte nos gastos públicos como requisito de eficiência, bem como a prática de políticas sociais focalizadas. No caso do Plano de Ações Articuladas, o paradoxo se amplia na medida em que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) promoveu, segundo Oliveira (2015), avanços no campo educacional, entretanto, não foi capaz de romper com a racionalidade das políticas educacionais implantadas a partir da “contrarreforma” do Estado da década de 1990. Para a autora, as políticas educacionais:

Seguem promovendo uma ideia de progresso dependente de uma gestão escolar eficaz, que prevê práticas de avaliação e de regulação mais eficientes no acompanhamento da aprendizagem e dos recursos escolares como garantia de resultados mais justos. No entanto, a definição de justiça social, central nessa agenda, é pouco debatida e problematizada nos espaços decisórios em matéria educativa (p. 627).

A gestão educacional prevista no PAR se insere nesse contexto de regulação como método eficaz de garantir resultados para a melhoria da educação básica. Os sistemas de monitoramento (SIMEC), os índices de avaliação da qualidade da educação (IDEB), e o próprio PAR (instrumento) constituem a força da estrutura gerencial advinda das políticas de resultado da iniciativa privada.

É importante notar que a corrente neoliberal concebe a globalização da economia como uma ampliação da democracia; e conforme Silva (2003), isso se dá na medida em que o mercado, com liberdade de ação, “permite” que os indivíduos desenvolvam suas capacidades e atuem participativamente dos processos sociais.

O PAR apresenta na sua dimensão de gestão educacional a área “gestão democrática” com 9 indicadores no 1º PAR e 7 indicadores no 2º PAR. Nesses indicadores, há a indução à composição dos Conselhos Escolares; dos Conselhos Municipais de Educação; dos Conselhos de Alimentação Escolar; dos Planos Municipais de Educação; construção do Projeto Pedagógico; composição e atuação do Conselho do FUNDEB41. O indicador “critérios para escolha da direção escolar” integra a gestão democrática no primeiro Plano, no entanto, passa a constituir a área de “gestão de pessoas” no segundo PAR.

É evidente a importância de todos esses indicadores para a consolidação da democratização da gestão. Exceto a escolha para direção escolar, a qual ainda não prevê o modo mais democrático de escolha – a eleição direta – permitindo, inclusive, a indicação como critério de escolha (herança da gestão patrimonialista).

41 FUNDEB: Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização

No entanto, para identificar o modelo de gestão que constitui o Plano de Ações Articuladas, faz-se necessário ultrapassar o campo da análise dos indicadores que o compõem e compreender o movimento histórico que a democracia percorre, incorporando traços distintos e contraditórios.

O termo “Democracia” é de origem grega, e significa “governo do povo” (demo = povo e cracia = governo). Contudo, Silva (2003) ressalta que desde os tempos de Atenas, a democracia recebe críticas severas das classes dominantes, as quais acabaram desvendando uma forma de utilizá-la como aliada na dominação de classe. A autora discute os modelos de democracia elitista e participativa, lembrando que os diversos modelos têm um conteúdo classista, expresso na forma de controle da participação das classes populares. Assim,

O modelo denominado democracia de equilíbrio ou elitista/pluralista foi sistematizado, em 1942, por Joseph Schumpeter no livro Capitalismo, Socialismo e Democracia [...] Suas formulações ancoram-se no pressuposto de que a sociedade é formada por indivíduos consumidores de bens políticos e que se associam a distintos grupos em busca de maximização de seus interesses. Caberia ao sistema democrático possibilitar o equilíbrio entre a procura e a oferta de bens públicos (p.13).

Isso reafirma a ideia de que a democracia passou a ser utilizada como um artefato da classe dominante, no intuito de manter o equilíbrio, ou seja, garantir o “consenso” que Gramsci já destacava como necessário para que a classe no poder garanta a sua hegemonia42. “A realização de um aparato hegemônico, enquanto cria um novo terreno ideológico, determina uma reforma das consciências e dos métodos de conhecimento, é um fato de conhecimento, um fato filosófico” (GRAMSCI, 1978, p. 52).

Nota-se que o domínio da classe hegemônica não se dá apenas no campo político, mas também no ideológico, impondo sua visão de mundo às classes subordinadas não através da força, e sim através do consenso. A política do PAR, nesse sentido, foi elaborada sem a participação da sociedade

42Apesar de ter suas origens na social-democracia russa e em Lênin, é Gramsci que apresenta

uma noção de hegemonia mais elaborada e adequada para pensar as relações sociais, sem cair no materialismo vulgar e no idealismo encontrado na tradição.

civil organizada. Exceto o movimento da classe empresarial da educação, os movimentos populares e organizações sindicais ligados ao campo educacional não foram convocados para a construção do Plano’, porém, para monitorar e realizar o acompanhamento das ações e subações, os representantes da sociedade civil foram aclamados para formar o “comitê Local do Compromisso”. Todavia, participar apenas do monitoramento e verificar se as ações estão sendo implementadas constitui a “participação democrática”?

A democracia participativa suscita o envolvimento na definição das políticas públicas, o que não ocorreu na elaboração do Plano de Ações Articuladas. Na visão de Held (1987), ao discutir os modelos de democracia, o que impossibilita a efetivação da participação democrática é o papel desempenhado pelo Estado na manutenção das desigualdades sociais. Da mesma forma, Poulantzas (1985), corrobora da visão do Estado como mantenedor das estruturas que garantem a manutenção do poder da burguesia e da reprodução do sistema capitalista, ou seja, limitando o acesso dos setores populares aos centros do poder.

Na correlação de forças imbricadas na elaboração do PAR, a burguesia manteve sua supremacia, ludibriando a sociedade civil com uma “pseudo- participação” a fim de manter o equilíbrio, na medida em que a burguesia reconhece a força da sociedade civil organizada.

Nesse contexto complexo que circunscreve o Plano de Ações Articuladas, é evidente a influência da “contrarreforma” do Estado (1995) no modelo de gestão pública. A lógica neoliberal introduziu mecanismos mercadológicos aos sistemas públicos, incluindo o gerencialismo, inclusive, na gestão educacional. Acerca dessa nova gestão pública, Dalila Oliveira destaca:

Em meio à busca de resultados, vai se perdendo no processo a construção histórica da educação como um bem público, um direito social e que, como tal, não pode ser regulada como mercadoria, produto ou resultado passível de mensuração entregue a especialistas em medição e números. O desenvolvimento das avaliações em larga escala guarda relação com a necessidade de melhor conhecer as diferenças e assimetrias no sistema (2015, p.641).

Oliveira destaca o desvio da educação para valor de mercadoria, deixando de ser considerada um direito social, o que é reflexo do modelo

gerencialista de gestão. A regulação da educação, bem como o processo de avaliação preocupado com a eficiência do sistema, conforme a autora, passam a despertar o interesse de especialistas e empresas de consultorias, ONG, Institutos empresariais, os quais disputam recursos públicos para fins privados.

O IDEB é resultado dessa mercadologização da educação, sendo utilizado para avaliar a “qualidade da educação”, e criando um “ranking” e disputa entre as escolas, o que fortalece o mercado e os empresários da educação. Isso nos remete à afirmação de Marx e Engels: “O poder executivo do Estado moderno não passa de um comitê para gerenciar os assuntos comuns de toda a burguesia” (1998, p. 12).

As políticas educacionais brasileiras após a “contrarreforma” dos anos de 1990 têm reforçado significativamente os interesses da classe burguesa em detrimento das classes populares, o que pode ser identificado no Plano de Ações Articuladas que incorpora o gerencialismo desde a sua elaboração, e de forma mais intensa na sua execução.

É salutar destacar que ainda há a presença do modelo patrimonialista de gestão no PAR, conforme observamos, no critério de escolha para direção escolar ao permitir, inclusive, a indicação do gestor municipal. Esse modelo de gestão é marcado justamente pelo poder arbitrário do gestor, o qual pode utilizar-se do poder público em benefício próprio, que no caso da escolha para a direção escolar traduz-se em vantagens eleitoreiras.

E quanto à gestão democrática, ela constitui o PAR? Esse questionamento é fundamental para esse estudo na medida em que se pretende investigar justamente a possibilidade de democratização da gestão a partir da política indutora do PAR no município de Barcarena-Pa.

Embora sejam evidentes nos indicadores do PAR os componentes da gestão democrática, como a composição e funcionamento de Conselhos deliberativos, a definição das diretrizes e elaboração da política não contou com a participação da sociedade civil organizada, e, ainda, reafirmou a parceria com empresas privadas na gestão da educação básica.

Esta concepção de “democracia burguesa”, como denominou Marx, é mais uma forma específica de dominação, por meio da qual as classes dominantes detêm o poder hegemônico, fortalecendo, portanto, o sistema do capital. Logo, trata-se de uma “pseudodemocracia”.

Em suma, pode-se afirmar que o Plano de Ações Articuladas apresenta um modelo de gestão “heterogêneo”, abrangendo características da gestão patrimonialista, burocrática, gerencial e “pseudodemocrática”.

No capítulo seguinte, será analisado o Plano de Ações Articuladas do município de Barcarena, no Estado do Pará, na perspectiva de identificar as suas implicações na gestão educacional da rede municipal, e mais especificamente nos seus indicadores de gestão democrática.

3 O PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS E A GESTÃO EDUCACIONAL NA