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4 ANÁLISE DOS DADOS

4.2.3 Financiamento Bancário

4.2.3.2 As Políticas Públicas e o Microcrédito como Alternativa de Financiamento: Elas

O programa CrediAmigo, vinculado ao Banco do Nordeste (BNB), dispõe-se como um programa que facilita “o acesso ao crédito a milhares de empreendedores pertencentes aos setores informal ou formal da economia” (BNB, 2017). Ainda segundo o BNB, o “Crediamigo faz parte do Crescer - Programa Nacional de Microcrédito do Governo Federal - uma das estratégias do Plano Brasil Sem Miséria para estimular a inclusão produtiva da população extremamente pobre”.

Embora o programa atenda também às pequenas empresas, os valores iniciais disponibilizados estão entre “R$ 100,00 a 6.000,00, de acordo com o produto, a necessidade e o porte do negócio”. Esses valores são renováveis e podem evoluir até R$ 15.000,00, “dependendo do produto, da capacidade de pagamento e da estrutura do negócio, permanecendo esse valor como endividamento máximo do cliente” (BNB, 2017).

O entrevistado 11, parte do administrativo do programa CrediAmigo, explica sua função e quais os procedimentos para a concessão do crédito:

Minha função é uma função mais administrativa. A função de cadastro, de análise de crédito e de desembolso do pessoal. [...] Antes disso, lógico, tem todo um... Como eu posso falar? Toda uma avaliação do cliente, que é ver a condição financeira, o porte do negócio dele, a condição financeira do negócio, a capacidade de pagamento daquele cliente, então, toda uma análise do crédito.

Ele explica que, apesar de envolvido na concessão do crédito, a figura mais importante no programa é o agente de crédito, indivíduo responsável pela coleta de informações das empresas ou pessoas físicas que querem participar do programa:

Ela [a agente de crédito] vai conhecer o negócio de cada pessoa. Porque o crédito aqui é em grupo. Então é assim: junta-se 3 microempresários, 3 pessoas que tem pequenos negócios, que é o mínimo. [...] Um é avalista do outro. Um é responsável pelo crédito do outro. [...] Então, a agente de crédito marca uma reunião com essas pessoas e lá ela vai pegar o fluxo de caixa daquele negócio, daquela determinada pessoa, vai ver a condição de pagamento, a condição do negócio, se tem uma boa capacidade de pagamento. Enfim. Após essa avaliação, ela coleta todos os dados, documenta esses dados e traz pra cá. Aqui tem um processo chamado Comitê, que é um comitê de risco que analisa aquelas informações prestadas naquele documento. [...] Geralmente é a agente de crédito junto com o coordenador da unidade. [...] Aí o cliente exige, por exemplo, R$ 2.000,00, então ela, junto com o coordenador da unidade, de acordo com aqueles números que estão lá documentados, vai analisar se é viável emprestar esses R$ 2.000,00 ou não.

O programa, portanto, objetiva alcançar pessoas que não teriam condições mínimas de recorrer aos bancos, privados ou públicos, para conseguir empréstimos. Negócios informais ou formais podem ser contemplados desde que atendam ao requisito básico de “ser negócio”.

A agente de crédito (entrevistada 12) explica que o processo de avaliação para conceder o crédito é feita de forma muito próxima ao cliente, inclusive com visitas frequentes ao domicílio deles:

O relacionamento é de você entrar na casa da família mesmo, de você conhecer tudo. Porque, de certa forma, você vai conhecer a família de dentro, porque a gente entra, a gente conhece o comércio, tudo da vida do cliente, praticamente. Entendeu? [...] A gente analisa o CPF do cliente, analisa o comércio, faz um fluxo de caixa, uma avaliação patrimonial. [...] Eu vou no

comércio do cliente, vou perguntando a ele o que ele compra, o que ele vende, o que tem de estoque, tudo. Eu mesma vou anotando. A gente tem o cadastro, e atrás do cadastro já tem as informações pra gente ir perguntando ao cliente.

Empresas maiores, ou que precisem de maior capital, devem recorrer aos procedimentos “normais” definidos pelo BNB, sendo estes critérios diferentes do programa CrediAmigo:

Pessoas que têm receitas acima de R$ 120.000,00, valores altos, aí é diretamente com o BNB. Aí tem uma outra forma de crédito, aí já são juros diferentes, porque os juros nossos são pequenos. Até R$ 2.000,00 é de 1,70%. Passou desse valor é 2%. Aí quando ela pega diretamente com o banco, quando ela tem uma receita alta, aí já um juro diferente, já é diretamente com o banco. Aí já não é conosco mais.

Fazendo uma ligação com o que foi exposto pelo entrevistado 3, que afirmou, em tópico anterior, que os bancos estatais são muito burocráticos, o entrevistado 11 defende que essa burocracia não existe no CrediAmigo:

O CrediAmigo não é um programa burocrático. Pelo contrário. Ele vem justamente pra diminuir essa burocracia”. A entrevistada 12 reforça essa ideia quando afirma que “a burocracia do CrediAmigo é bem menor. A pessoa só vai precisar de identidade, CPF, comprovante de residência e estar com o nome limpo”. As demais informações são coletadas na visita in loco.

A visita também é parte essencial da análise dos clientes, e se diferencia dos bancos pela acessibilidade aos funcionários que os avaliam:

[...] O CrediAmigo é diferente do banco. O CrediAmigo vai na casa do cliente, não é o cliente que vem ao banco. O banco vai até ele, e sem contar que todo mundo que trabalha com o CrediAmigo são pessoas que tem que gostar do que faz. Então a gente é psicólogo, é doutor, é tudo, minha filha. A gente chega na casa do cliente, [e o cliente diz] ‘aí minha filha, me separei’, e você tem que dar importância àquilo! Porque, de certa forma, ele não é só meu cliente, está sendo meu cliente, mas também está sendo meu amigo. Porque se eu não criar um vínculo de confiança com ele, ele não vai querer [...].

A fala da entrevistada demonstra que o programa incentiva o estabelecimento de confiança com os clientes, além de propiciar um ambiente de acessibilidade maior através de mais “informalidade” no atendimento.

Desta feita, o programa se assemelha muito ao que seria esperado pelos empresários entrevistados que tiveram suas respostas apresentadas no tópico anterior (4.2.3.1), com menor burocracia e menor taxas de juros. As quantias ofertadas, entretanto, são limitadas.

O entrevistado 3 (familiar) aduz que o microcrédito não é uma alternativa vantajosa para uma empresa de confecções:

É pouco! Olhe, confecção tem um custo muito alto!”. A entrevistada 12, quando questionada sobre o que poderia ser melhorado, alega que “[...] O valor poderia ser um pouco maior. Porque a gente tem clientes de porte muito bom, então acaba que esse dinheiro pra eles não é tão útil”.

Salienta-se que esse aspecto não deve ser considerado uma falha do programa, porque o mesmo tem seu público-alvo definido. O entrevistado 3 (familiar) apontou que a empresa de sua esposa poderia crescer bastante se ela pudesse ter acesso a crédito com facilidade: “Eu vejo que, se ela tivesse uns R$ 200.000,00 na mão, e ela tivesse um encarregado, a empresa ia ser grande. Porque ela é muito esperta”.

O entrevistado 11 nota que o programa beneficia bastante aquelas empresas ou pessoas sem acesso bancário, e que essa linha permite, inclusive, o acesso a uma conta com direito a cartão e à administração (da conta). O entrevistado acrescenta que essa facilidade talvez decorra da finalidade não-lucrativa do banco.

Diferentemente do que afirmou o entrevistado 4 (bancário) no tópico anterior, o programa de microcrédito é adequado à realidade local, havendo um acompanhamento constante e pessoal das empresas através de visitas e de assessoria em suas fábricas ou casas. O entrevistado 11 mencionou que esse acompanhamento é essencial para definição da concessão do crédito, assim como o “aval solidário”, indicado pelo entrevistado como uma metodologia eficaz de garantias ao banco:

A gente confia muito na questão do aval solidário, que é um sendo o avalista do outro. Então isso pra gente é muito importante. A pessoa não precisa mais de comprovação de renda. A pessoa só precisa ter um negócio. Ela não precisa mostrar que ela tem um rendimento ‘x’ mensal. Ela só precisa ter um negócio, e ela só precisa desse aval solidário. De outras pessoas junto. Então isso nos traz segurança.

Esse aval aumenta as garantias de recebimento do banco, fazendo com que haja menor burocracia e menores taxas de juros. Em contrapartida, a entrevistada 12 asseverou que, por envolver recurso do governo, esse acompanhamento deve ser feito de forma mais sistemática.

Após a concessão de créditos para investimento fixo, por exemplo, os clientes são visitados após 45 a 60 dias. Esse acompanhamento verifica se os recursos foram aplicados à finalidade específica para a qual foram designados quando da concessão.

A concessão do crédito vai além da análise individual da empresa, abarcando, também, dados mercadológicos. A entrevistada 12 informa que, quando faz a análise das empresas, busca conhecer não apenas o controle e fluxo de caixa, mas como estão ocorrendo as vendas e o cenário de mercado. Ela alerta que recorrer a tais créditos, mesmo com valores baixos, sem a devida necessidade, pode gerar dívida. Além do mais, a entrevistada desaconselha a algumas empresas que tomem crédito em períodos de baixa venda, e as ajuda a verificar se há possibilidade de que obtenham recursos sem a geração de uma nova dívida.

Por conseguinte, fica nítido, na fala dos entrevistados, que o programa CrediAmigo, além de crédito, fornece uma consultoria bem próxima à realidade das empresas, e busca atender às necessidades dos clientes. Foi entrevistado um grupo de empresários que são clientes do programa CrediAmigo, com

Para se apurar uma impressão do programa, foi entrevistado um grupo de empresários clientes do programa CrediAmigo, composto por 5 integrantes que exercem diferentes atividades e moram próximos uns dos outros, na zona rural da região. O grupo disse que CrediAmigo os auxiliou no processo de obtenção de créditos, que não estava disponível sequer com familiares, por serem empresas muito pequenas e cujos controles, quando feitos, são quase sempre realizados de maneira manual e simplificada.

A entrevistada 12 corrobora essa realidade, afirmando que “99,9% não faz controle” e que as informações são ditas pelo próprio empresário, registradas pelo banco na “base da confiança”. Por vezes, a visita da entrevistada terminava sendo uma assessoria e um auxílio para a condução da gestão pelos empresários.

Os entrevistados 11 e 12 consentiram que a fonte de financiamento influencia na gestão e condução do negócio, na tomada de decisão e na maior “profissionalização” das decisões e controle, embora seja difícil os clientes com baixa escolaridade adotarem práticas gerenciais de contabilidade mesmo rudimentares (referência à hipótese 2).

Esse estudo espera encontrar evidências de relações entre as fontes de financiamento e as práticas gerenciais de contabilidade. Para tanto, a próxima seção exibe os resultados

encontrados nas entrevistas sobre as práticas gerenciais de contabilidade adotadas pelas empresas, assim como as relações de tais práticas com as fontes de financiamento.

4.2.4 A Informalidade nas Práticas Gerenciais de Contabilidade e as Relações com