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As políticas de saúde em Portugal enfoque nos últimos 30 anos

Nos pontos anteriores destacou-se a situação particular de Portugal nos últimos anos relativamente aos resultados obtidos ou “ganhos” no sector da saúde e o consequente crescimento dos gastos (públicos e privados). Agora será também importante conhecer a evolução que o próprio sistema de saúde português sofreu no passado mais recente, pois ajudará a compreender melhor os factores que mais o influenciaram no seu desenvolvimento e o seu estado actual. Este ponto vai centrar as suas atenções nos últimos 30 anos de história do sistema de saúde português, na prática a partir da revolução de Abril de 1974.

Dos dois modelos apresentados no início desta dissertação – os modelos de Bismarck e Beveridge – aquele que mais influenciou o sistema de saúde português foi o segundo.

Segundo Simões (2004a) nos países de modelo Beveridge, com sistemas integrados de financiamento e de prestação de cuidados, os poderes públicos estão directamente envolvidos no planeamento e na gestão dos serviços. Ao passo que nos países de modelo Bismarck, ainda segundo o mesmo autor, as funções do Estado realizam-se na afirmação dos princípios gerais do funcionamento dos seguros de saúde e do sistema de prestação de cuidados, na aprovação de medidas de contenção de custos, na acreditação e no controlo da qualidade, na responsabilidade pela gestão dos hospitais públicos e no financiamento de cuidados para os excluídos do sistema de seguros.

Durante os últimos 30 anos Portugal sofreu sucessivamente, em períodos de tempo particularmente curtos, transformações de importância transcendente: democratização e

descolonização (1974), entrada na CEE (1985) e integração na União Monetária Europeia (2000), num ambiente de rápida transição de paradigma tecnológico. De forma sucinta podemos assinalar alguns dos pontos mais interessantes da história recente das políticas de saúde em Portugal. Em primeiro lugar a reforma de Gonçalves Ferreira que em 1971 fez o que seria um primeiro projecto do actual Serviço Nacional de Saúde (SNS), passando o estado a assegurar o direito à saúde de todos os portugueses, o que até então estava reservado aos privados e às misericórdias. O SNS veio a ser implementado – só depois do 25 de Abril – já em 1979. Já mais recentemente, em 1993, em função dos problemas de articulação de cuidados que o SNS à data apresentava, aprova-se o novo estatuto do SNS e criam-se as chamadas unidades integradas de saúde que pretendem fazer uma articulação entre os diferentes tipos de cuidados de saúde, nomeadamente os cuidados primários e os diferenciados. Finalmente, já em 2002,com a aprovação do novo regime de gestão hospitalar em 2002, introduzem-se alterações profundas na Lei de Bases da saúde, surge um novo modelo de gestão hospitalar e criam-se os chamados Hospitais SA, que posteriormente foram convertidos em Entidades Públicas Empresariais (EPE), já com um modelo de gestão de tipo empresarial.

A história do Serviço Nacional de Saúde (SNS), descrita de forma simples mas objectiva, pode ler-se no Portal do Ministério da Saúde, acedido em 06/01/2006 (http://www.min- saude.pt) e que pelo seu interesse remetemos para o Anexo I – História do SNS.

Para Pereira et al (1997) desde os anos oitenta pouca alteração se registou no SNS, o que “contrasta com toda a retórica de reforma que desde 1974 se tem observado”. (Barros, 1999).

Barros (1999) limitando a sua análise à evolução na prestação de cuidados médicos, dividiu a história recente do nosso SNS em três pontos correspondendo a cada uma das últimas décadas:

¾ Durante a década de setenta o principal objectivo foi, segundo o autor, a diminuição das barreiras ao acesso de cuidados médicos, quer na sua componente de financiamento – capacidade de pagar os cuidados médicos necessários – quer na sua componente de acesso físico (expansão da oferta);

¾ A década de oitenta, segundo o mesmo autor, orientou-se sobretudo para a contenção de custos, por força das pressões gerais sobre o crescimento da despesa pública;

¾ Só na década de noventa, considera o autor, surge a preocupação com os ganhos de eficiência e com a efectividade na utilização de recursos, resultantes da ideia frequentemente expressa de que o SNS “gastar mal” os fundos que são colocados à disposição. O carácter universal e geral do Serviço Nacional de Saúde nunca foi posto em causa. Já a característica de “gratuitidade” evoluiu para o “tendencialmente gratuito”. (Barros, 1999).

De facto, com o 25 de Abril de 1974 – e mesmo antes da criação do SNS que viria a ter um carácter universal, geral e gratuito, totalmente financiado pelo Estado, assegurando este último também a prestação (consagrado na Lei nº 56/79, de 15 de Setembro) – a actuação política no sector da saúde era no sentido de garantir o acesso generalizado da população aos cuidados de saúde.

O autor conclui dizendo que “há uma característica marcante, e que se encontra presente em todas as fases dos últimos 25 anos: à ênfase retórica no papel dos centros de saúde e dos Cuidados de Saúde Primários, contrapõe-se a actuação prática voltada para o hospital e para a expansão da rede hospitalar que continuou (e ainda é) o centro do sistema. É relativamente claro que a face mais visível da actuação de política de saúde tem sido o constante crescimento da rede de centros de saúde e de hospitais”. (Barros, 1999).

Sobre este tema, no capítulo seguinte, serão caracterizados os diferentes tipos de cuidados de saúde em Portugal – que se pretende que actuem ao longo de um perfeito continuum de cuidados e não isoladamente – e a sua evolução do passado mais recente até aos dias de hoje. Ainda se apresenta alguns dados estatísticos relativos aos Cuidados de Saúde Primários e Diferenciados no nosso país, onde se poderão retirar algumas conclusões no sentido de se perceber para onde está voltado o crescimento do sistema de saúde do nosso país.

3 DIFERENTES TIPOS DE CUIDADOS DE SAÚDE EM PORTUGAL

Neste capítulo vamos descrever e caracterizar a evolução recente dos diferentes tipos de cuidados de saúde em Portugal, são eles os Cuidados Primários, os Cuidados Diferenciados e os Cuidados Continuados.

Torna-se importante a inclusão deste ponto, uma vez que, de facto, e de acordo com o Relatório de Actividade dos Hospitais SA (2003) a prestação de cuidados de saúde inclui realidades e serviços de características muito distintas, pelo que se torna necessário tratar de forma individualizada os diferentes tipos de cuidados prestados.

Apesar do tema desta dissertação incidir sobre a prestação de Cuidados de Saúde Diferenciados, importa perceber o que são e como estão a actuar os restantes tipos de cuidados, sobretudo se pensarmos que, em boa verdade, o desempenho dos Cuidados Diferenciados depende em grande medida do desempenho dos Cuidados Primários.

Assim, no primeiro ponto deste capítulo começamos pela definição e pela evolução dos cuidados de saúde primários no nosso país. Far-se-á ainda uma análise estatística com destaque para a oferta existente, ao nível dos estabelecimentos, pessoal e dos serviços prestados neste tipo de cuidados, e mais concretamente nos centros de saúde.

Segue-se, no segundo ponto, a definição e caracterização dos cuidados de saúde diferenciados, onde se dará maior relevo à identificação dos diferentes modelos actualmente existentes – Hospitais do Sector Público Administrativo, Hospitais Entidades Públicas Empresariais e Parcerias Público-Privadas – e às suas principais diferenças enquanto modelos mais ou menos próximos do regime de direito público/privado, com maior ou menor autonomia administrativa/financeira e maior ou menor flexibilidade de gestão, nomeadamente ao nível do regime jurídico do pessoal e da política de incentivos. Ainda neste ponto, dar-se-á destaque para a evolução que se tem assistido ao nível dos modelos de financiamento dos hospitais públicos. Por último uma nota para a caracterização da evolução da oferta deste tipo de cuidados, quer a nível nacional, quer comparando com outros países da União Europeia – para que se perceba a posição relativa ocupada por

Portugal entre os seus congéneres europeus – no que toca a alguns indicadores relevantes neste contexto.

No terceiro e último ponto far-se-á ainda referência aos Cuidados de Saúde Continuados e ao seu desenvolvimento no nosso país. Este tipo de cuidados, diga-se desde já, assumem um papel cada vez mais primordial nas sociedades modernas, atendendo às características demográficas, e sociais, que estas tendem a apresentar actualmente.

Passemos então à caracterização dos diferentes tipos de cuidados de saúde em Portugal.