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Q UADRO 7: E XEMPLO DE V ARIABILIDADE DE I NTUIÇÕES

4.2.1.1.4. As Questões Indagando sobre a troca dos Tempos

As questões 9, 10 e 11 pediam aos alunos que respondessem se haveria mudança de sentido caso a forma composta fosse trocada pela simples ou vive-

versa. Nosso objetivo era observar que valores apareciam nas mesmas sentenças já testadas nos teste anteriores.

9. Na parte grifada abaixo, você acha que haveria mudança de sentido se “has decided” fosse mudada para “decided”? Sim ou não?

The Wall Street Journal reported that Medicis Pharmaceutical, the maker of Restylane, an anti-wrinkle skin filler, has decided to offer a rewards program “to encourage injections every six months” since Pfizer’s success with Viagra “value cards”, which offer repeat costumers discounts.

O Jornal Wall Street publicou que a Medicis Pharmaceutical, o fabricante de Restylane, o preenchedor de pele anti-rugas, decidiu oferecer um programa de prêmios “para encorajar injeções a cada seis meses” desde o sucesso da Pfizer com o “value cards” do Viagra, que oferece descontos a clientes que retornam.

10. Na parte grifada abaixo, você acha que haveria mudança de sentido se “changed” fosse mudada para “has changed Sim ou não?

...or the concept of beauty has changed. ...o conceito de beleza mudou.

11. Na parte grifada abaixo, você acha que haveria mudança de sentido se “seen” fosse mudada para “has seen”? Sim ou não?

You never saw Katherine Hepburn and Ava Gardner showing up in the same dress...

Você nunca viu Katherine Hepburn e Ava Gardner aparecendo com o mesmo vestido.

O resultado mostrou que os alunos foram contundentes ao responder que o valor do Present Perfect equivale às perífrases do português TP e EG. Dos 15 informantes do grupo sem instrução, 12 na questão 9, 12 na questão 10 e 9 na questão 11, responderam que a mudança de sentido seria entre um tempo que se refere ao evento concluído (o Past Simple) e o outro, cujo evento se estende até o presente (o Present Perfect).

Q9 SI-16 Se mudar de has decided para decided seria como uma conclusão.

Q9 SI-08 has decided = uma ação passada continuada no presente Q9 SI-02 Sim. Decided tem conotação de ponto final.

Contudo, o fato interessante das 3 perguntas é que os aprendizes muitas vezes respondem que haveria diferença na mudança de sentido na troca do tempo simples para o composto ou vice-versa em uma questão e, na questão seguinte, afirmam que não haveria diferença.

Q9 SI-10 Eu penso que não haveria mudança de sentido.

Q10 SI-10 Sim, porque algumas pessoas (...) é que tentaram e estão tentando mudar o conceito de beleza.

Q11 SI-10 Não mudaria o sentido.

Q9 SI-12 Não mudaria o sentido (...) a palavra decided define o tempo e

ação dentro do contexto.

Q10 SI-12 Haveria mudança de sentido.

Q11 SI-12 Sim.

Q9 SI-04 Sim, pois foi num passado distante.

Q10 SI-04 Sim, pois o autor não quer passar a idéia de passado distante.

Q11 SI-04 Não.

Q9 SI-13 Não, eu teria entendido da mesma forma.

Q10 SI-13 Não, continuaria a entender o texto da mesma forma.

Q11 SI-13 (...) Sim. Para mim saw é definitivamente no passado e has seen me soa como algo entre o passado e presente. Não saberia explicar isso gramaticalmente.

Seria difícil explicar tal fato pelo papel do aspecto ligado ao léxico, uma vez que to decide, to change e to see não compartilham os mesmos traços nem em português nem em inglês.

Os verbos to change e to decide têm o maior número (12) de respostas que afirmam que o tempo composto se refere a um evento iniciado no passado e que continua no presente, tendo ao mesmo tempo 2 e 1 respostas, respectivamente, que afirmam que não há diferença entre os tempos. O verbo to see, por sua vez, tem 3 respostas afirmando que não haveria diferença entre o tempo simples e o composto.

Outra forma de explicar essa variabilidade maior no verbo to see é mostrar que a sentença onde ele aparece é marcada pelo nome de duas atrizes já falecidas. O informante SI-09 coloca essa restrição pragmática dessa forma:

SI-09 Na minha opinião é mais indicado usar saw no passado, pois as duas atrizes já são falecidas. Elas eram únicas, cada uma no seu gênero e realmente nunca apareceram usando a mesma roupa.

Essa percepção do contexto e do texto também aparece na justificativa de SI-01, que afirma que:

SI-01 Sim, pois fala de personagens que já morreram, por isso você nunca viu. Elas não têm mais ação no contínuo do presente.

Aparentemente, o que leva esses dois informantes a fazer a restrição não parece ser a percepção de que as duas atrizes já morreram e por isso não poderiam receber a atribuição dada pelo verbo, conforme explica Smith (1997). Mas sim que, por estarem mortas, não é possível continuar a vê-las (ação não contínua no presente). Se postularmos que isso ocorre porque a ação não continua no presente, ou seja é [-durativa], então, podemos argumentar que o aprendiz teve acesso à sintaxe da sua língua, seguida pela semântica, de onde ele obteve os valores +/-durativo e, por fim, da pragmática da sua língua, ou seja, o que ele vê pragmaticamente é ligado à língua materna.

Salaberry (1999), de um outro ponto de vista teórico, explica que os falantes de uma língua são treinados a observar os fatos a partir das diferenças aspectuais que suas línguas maternas oferecem. A dificuldade, como já colocou Slabakova (2006), é fazê-los mapear os novos sentidos contidos na sintaxe.

Nesse sentido, Jackendoff (2002:282), ao explicar que as línguas diferem nas suas semânticas porque gramaticalizam distinções gramaticais diferentes, além de terem padrões de lexicalização diferentes, já indica os problemas que advirão dessa semântica diferente. Jackendoff (2002) ainda acrescenta que o

sentido é uma estrutura combinatória, unificando unidades dedicadas a um nível particular, ou seja, uma pequena regra de interface com três componentes: um pedaço de sintaxe, um pedaço de semântica e um pedaço de fonologia.

Se o sentido da língua é composto por três partes (Sintaxe, Semântica e Fonologia), com certeza, o sentido que os aprendizes atribuem ao Present Perfect, não é o dele, mas sim do seu correlato estrutural no português. Como estamos trabalhando com teste de compreensão, deixemos de lado a fonologia e, analisemos o significado atribuído pelos aprendizes. O valor semântico atribuído ao PP foi [+durativo] na maioria das respostas e justificativas. Se somarmos os valores das respostas (A+C+E+H), teremos 91% de repostas com o aspecto durativo. Isto nos mostra que os aprendizes estão lendo e interpretando um texto em inglês, mas suas interlínguas apresentam valores de português. Da mesma forma, as interpretações são de um sentido que não é o da língua-alvo. Os aprendizes relacionam o evento passado com as conseqüências presentes, de uma forma que não é da língua-alvo.

Se o sentido é composto pela semântica e pela sintaxe63, e a semântica é da L1, sendo que a sintaxe da L2 é semelhante à da L1, podemos hipotetizar que é a sintaxe da L2 que o faz retomar os valores semânticos da L1 e, interpretar o texto a partir desses valores. Podemos apresentar como hipótese que o aprendiz, nesse caso, apresenta o que Liceras chama de reestruturação de porções menores da língua 1. Isto significa que o aprendiz atribui à estrutura da L2 o mesmo valor da estrutura da L1, inclusive suas outras maneiras de exprimir o aspecto [+durativo].

Isto acontece porque os aprendizes apresentam uma GU madura e serão obrigados a interpretar os valores da L2 a partir de um estado inicial que é uma gramática crescida, conforme afirma White (2003).

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Execetuando-se a fonologia, que aqui não tem papel importante, pois trata-se de compreensão de texto.

Se voltarmos aos dados do mestrado, veremos que os aprendizes produziram sentenças perfeitas do ponto de vista sintático e imperfeitas do ponto de vista semântico, como as abaixo:

Sentença produzida pelos Aprendizes Forma aceitável da língua-alvo para produzir o sentido desejado

*He works as a system engineer for 30 years.

He has worked as a system engineer for 30 years.

Ele trabalha como engenheiro de sistemas há 30 anos.

Success didn’t change him. Success hasn’t changed him. O sucesso não o mudou.

He is living in a cottage since 2010. He has lived in a cottage since 2010. Ele mora em um chalé desde 2010. Podemos ver, nessas produções, que os aprendizes colocaram algumas sentenças sintaticamente perfeitas, mas semanticamente elas não traduzem o que eles estavam tentando comunicar. Pode-se observar claramente que por trás dessa sintaxe da L2, está a L1, pois os valores atribuídos pelos alunos a essas sentenças são exatamente os da L1.

Confirma-se, assim, a hipótese de Epstein, Flynn e Martohardjono (1996, apud Liceras, 2003a) segundo a qual a presença de uma construção em L2 semelhante à língua-alvo, não implica que haja a mesma representação subjacente para a L2 e L1. Ou seja, o crescimento da L2 regida pela GU não acarreta que haja o desenvolvimento das mesmas trajetórias para a L1 e para a L2, assim como não nega que haja um papel para a L1. Papel esse, que aparece claramente nos dados tanto do doutorado quanto do mestrado.

Tal desenvolvimento de interlíngua, que se manifesta tanto na compreensão quanto na produção, indica que os aprendizes se baseiam em porções da língua materna, ou seja, enxergam na construção [HAVE+Particípio] o valor semântico de [TER+Particípio].

Por outro lado, assumindo que a língua estrangeira acontece a partir da reorganização no nível sintático da L1 em virtude da reestruturação de porções de

língua, como propõe Liceras, conclui-se que cada opção de parâmetro será aprendido de forma isolada de outras porções. Isto porque a GU está madura, e possivelmente foi substituída: por experiências lingüísticas prévias .

Uma GU madura implica o estado inicial da L2 diferente da L1, implica também uma L1 onde havia uma L-I (WHITE, 2003), então, podemos imaginar que

a aquisição da segunda língua será diferente da L1.

Conclui-se, então, que o quadro que se monta até aqui aponta que, apesar da variabilidade de intuições, parece haver uma regularidade nessa variação indicada pela forma como aparecem as repostas.