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As reformas nacionais e a apropriação pelos intelectuais da educação sergipanos

Praticamente um ano após a Proclamação o ministro da Instrução Pública, Benjamin Constant, elaborou um novo regulamento para o ensino primário e secundário da capital federal. Além de instituir o ensino livre e gratuito, redefiniu o currículo do Colégio Pedro II que passou a chamar-se Ginásio Nacional, deu direito à iniciativa privada de abrir escolas e contribuiu para a qualificação dos diplomas emitidos pelas escolas particulares de ensino superior contribuindo para a sua expansão. Conforme Cunha “os estabelecimentos de ensino se multiplicaram e já na eram todos subordinados ao setor estatal nem à esfera nacional...” (CUNHA, 1986:175).

Após muitos anos de vigência do regulamento traçado por Benjamin Constant, o então deputado Rivadávia Correa promulgou a Lei Orgânica do Ensino Superior e Fundamental em 1910, no governo de Hermes da Fonseca. Esta determinou a criação dos exames de admissão para o ingresso nos cursos superiores de ensino e deu autonomia curricular para as escolas superiores implantadas pelos estados ou por particulares contribuindo para o acesso ao nível superior gerando muitas críticas à Lei. Essa reforma instituiu a criação do Conselho Superior de Ensino que assumiria a função de fiscalização da instrução pública.

48 Em Sergipe esse Conselho foi presidido por Carvalho Neto, Diretor Geral da Instrução Pública, tinha como função a avaliação e a emissão de pareceres sobre os livros didáticos a serem adotados, sobre a instituição de novos programas das disciplinas e currículos escolares e sobre a fiscalização da organização do sistema escolar (LIMA, 2008,132). As medidas tomadas por esse conselho estavam sincronizadas com as autorizações emitidas pelo órgão nacional. Alguns registros deixados na imprensa sergipana, nas atas das reuniões e em correspondências oficiais recebidas atestam essa afirmação.

Os intelectuais da educação sergipanos que faziam parte desse Conselho era Adolpho Ávila Lima, Alexandre Freire, José de Alencar Cardoso, Ascendino Argollo, Aristides Fontes, Augusto Leite e Carvalho Neto. Eram advogados, médicos e professores do Atheneu Sergipense que assumiram a incumbência de corroborar para o projeto de reforma instituído nacionalmente em 1910-1911, mas que foi posto em funcionamento em Sergipe por volta de 1918-1919 no governo de Pereira Lobo. Pelo menos é o que nos diz os registros encontrados.

Apesar das criticas direcionadas à reforma elaborada por Rivadávia Correa, muitos aspectos dela foram mantido pela reforma posterior, a de Carlos Maximiliano Pereira dos Santos proposta em 1915. Dente eles foram conservados os exames de admissão para os candidatos aos cursos superiores que foram renomeados para exames vestibulares e o Conselho Superior de Ensino, com novas obrigações como a de fiscalizar as instituições de ensino não federais e a de contribuir para a avaliação dessas instituições no processo de equiparação. Esse processo ficou mais rigoroso a partir da implantação da reforma de 1925. Chamada de Reforma Rocha Vaz, nome do seu redator, também limitou o número de vagas nas instituições superiores, introduziu critérios classificatórios e criou o Departamento Nacional de Ensino. Diz Cunha que

As divisões políticas das elites dirigentes faziam com que se defendesse, ao lado da limitação das oportunidades de acesso ao ensino superior, em defesa da qualidade de seu produto, a adoção de medidas tendentes a favorecer as clientelas políticas e ideológicas das camadas médias, ávidas de conquistarem, pelos títulos das escolas superiores, a dignidade social/cultural que delas se esperava. (CUNHA, 1986:192)

49 Mas também não se pode deixar de afirmar a projeção nacional que determinadas reformas estaduais adquiriram como foi o caso das implementadas por Caetano de Campos e Sampaio Dória em São Paulo. A respeito delas, a professora Marta Carvalho afirma que “O ensino paulista logra organizar-se como sistema modelar em duplo sentido: na lógica que presidiu a sua institucionalização e na força exemplar que passa a ter nas iniciativas de remodelação escolar de outros estados.” (CARVALHO, 2003:225).

Foi em 1890, durante o governo de Prudente de Morais, que Caetano de Campos foi convidado a elaborar uma reforma do campo educacional que estivesse em sintonia com os anseios republicanos de modernização e uniformização do ensino. O intuito principal dessa reforma era criar uma escola que servisse de modelo às instituições de ensino dos outros Estados. Assim, a Escola Normal e a Escola Modelo constituiu o núcleo da reforma. Pensou-se que para regenerar a sociedade pela educação era vigente discutir que tipo de educação era necessário para tal empreendimento. Melhor, para o sucesso dessa transformação era imprescindível reavaliar as práticas escolares que estavam sendo aplicadas até então. Repensar o modo como as futuras professoras eram formadas e as medidas que deveriam ser tomadas para qualificar esse ensino foi prioridade na reforma de Caetano de Campos. Isto porque, segundo Carlos Monarcha:

Tudo falta: regulamentos, uniformização dos métodos didáticos, corpo de inspeção digno do nome, prédios escolares, material didático, compêndios, salários compatíveis com a importância do cargo, servidores do estado, mestres qualificados, famílias responsáveis, discípulos dedicados. Tudo falha: o governo provincial, o professor de primeiras letras, a sociedade. Mas, principalmente, falha a Escola Normal, pois é incapaz de responder às urgências sociais, culturais e políticas de sua época. (MONARCHA, 1999:44).

Desde a construção de um prédio próprio para o funcionamento da Escola Normal até a formulação de novos programas disciplinares foram ações que marcariam o momento que deu inicio à modernização do ensino. Mas esse não foi o único acordo cumprido do amplo projeto de civilização, era preciso que a instrução ministrada nessa escola modelar estivesse em conformidade com os princípios de uma nova corrente educacional chamada por seus contemporâneos de Pedagogia Moderna.

50 O prédio da Escola Normal da praça foi inaugurado em 1894, e foi concebido como o lócus de formação profissional, o lugar de onde seria difundido o progresso intelectual. A instituição ganhou uma representação que figurava não só nas falas e nos discursos, mas no imaginário social. Era a construção de uma escola normalizadora das regras de postura/prática do professor.

O discurso reformador de Caetano de Campos deixa entrever a elaboração de um novo sistema pedagógico e, por isso, da construção de uma nova Escola Normal. Direcionada a uma formação profissional, com métodos e currículos próprios nos quais a parte pedagógica e prática ganharam uma posição de destaque. Dentro da proposta de um ensino que favorecesse a prática das normalistas, foi pensado nessa reforma a construção de uma escola primária anexa ao prédio da Escola Normal, a Escola Modelo. Para assumir a direção dessa escola foram indicadas Miss Browne e Maria Guilhermina Loureiro de Andrade. (SAVIANI, 2004:23).

A instrução pública foi para Caetano de Campos um espaço de intensa atuação. Lecionou no Colégio Pestana, na Escola Neutralidade de João Köple e foi indicado pelo professor Rangel Pestana para assumir a direção da Escola Normal em 1890. Apesar de ser ainda um desconhecido no campo, conquistou reconhecimento através do trabalho educacional que empreendeu. (GONÇALVES, 2002:36).

O discurso educacional de Caetano de Campos revestia a escola como signo da civilização e progresso. Mas a conformação da escola também esteve assessorada pela crença nos dogmas da ciência e, por isso, a reconfiguração das práticas, dos princípios curriculares e do papel do professor estava mediada de uma racionalidade que geria o novo código da educação, por isso afirmava-se como renovadora.

Mas pensar em reformas renovadoras talvez seja um caminho rasteiro para o pesquisador. Renovadoras pra quem? O intelectual da educação, independente do período em que ele pensou/ formulou um projeto de reforma, no mínimo, irá defendê-la como renovadora. Assim estaríamos ratificando e, ao mesmo tempo, consolidando as intenções do reformador. Mas a historiografia educacional afirma que foi com essa reforma que se inaugurou a institucionalização do modelo paulista de educação.

A Escola Modelo foi pensada com o objetivo de propagar o ideário republicano centrado na visibilidade, na monumentalidade e de promover a unificação através do molde paulistano. Margeando essa reflexão de Marta Carvalho, o surgimento da escola modelar foi um projeto que pretendia marcar o período republicano pelo sinal da

51 diferença. O pensamento de Caetano de Campos em construir uma escola que, pela monumentalidade, deveria “se dar a ver” e que pela nova proposta pedagógica deveria ser um modelo, balizou as reformas posteriores. Veiga afirma que a monumentalidade desses prédios escolares não demonstravam apenas solidez e sobriedade, mas se destacavam pela a racionalidade e a funcionalidade com os padrões ideais de Higiene (VEIGA,2003:410). Essa reforma também instituiu o ensino seriado com classes homogenias e reunidas, promoveu a reorganização do sistema de inspeção escolar e incentivou as viagens de estudo para os intelectuais da educação.

As viagens de estudos ou mesmo o empréstimo de técnicos eram práticas correntes na Primeira República; faziam parte da rotina administrativa dos Estados que estavam preocupados em remodelar a instrução pública (CARVALHO,2003:226). Consoante a afirmação de Souza, os educadores paulistas foram contratados por governos de vários estados para participarem do processo de reorganização da instrução pública, bem como foram oferecidos financiamentos para a realização de visitas comissionadas ao Estado paulista (SOUZA,2004:119). O governo paulista enviou diversos professores para verificar e relatar as práticas modernas de ensino.

Na década de 1910, por exemplo, o professor Aprígio Gonzaga foi enviado à República Argentina a fim de verificar como estava sistematizado o ensino primário e normal naquele país (ANDRADE, 1912:01). O ponto de partida das observações desse professor foi indagar como funcionava o Conselho Nacional de Educação, órgão encarregado da fiscalização do ensino primário público e particular, do ensino secundário e normal. Investigou ainda como estavam estruturados os laboratórios, os programas de ensino, as práticas e métodos escolares. Assim, seria importante ressaltar que a modernização do ensino em Sergipe não apresentou uma linearidade ou mesmo uma uniformidade como o discurso dos intelectuais da educação sergipanos pretendia.

Sergipe também não esteve alheio a esses empreendimentos. Os movimentos de renovação escolar foram adotados na gestão do presidente José Rodrigues da Costa Dórea (1909-1911) como procedimentos prioritários para o setor educacional. Esse presidente ficou impressionado com o que presenciou nas visitas que realizou às escolas americanas. Ao ter em vista a necessidades de mudanças estruturais, Rodrigues Dórea convidou um professor paulista, Carlos Silveira3, que também esteve presente nas

52 visitas ao sistema educacional dos Estados Unidos para implementar essas mudanças e capacitar o sistema educacional de regulamentos e programas que estivessem de acordo com as novas diretrizes da educação paulista, conforme suas palavras, “para favorecer o ensino” sergipano (SERGIPE,1910:56). Nesse caminho Souza adverte que era necessário “reconhecer a diversidade do próprio modelo de educação paulista” (SOUZA,2004:119) e, assim, essa questão deveria ser examinada compreendendo toda sua complexidade de modo a apreender que tipo de cultura escolar estava sendo constituída.

Ao retornar a Sergipe em agosto de 1911, o professor paulista acionou a importância da criação de grupos escolares, da instalação de laboratórios para a Escola Normal, da adoção de métodos de ensino, normatização da inspeção escolar, remodelação dos regulamentos da Escola Normal e do ensino secundário. Foram esses os principais aspectos da mudança liderada por esse intelectual. O professor paulista também procurou dar organicidade ao magistério primário. Através de visitas às escolas da cidade, assistia ao trabalho das professoras, conversava com elas e escolhia dentre elas as que deveriam compor o quadro dos grupos escolares criados nessa administração. Além disso, observava as aptidões das professoras, redistribuindo-as pelas classes.

Em apenas quarenta e cinco dias o professor paulista divulgou a nova organização do sistema escolar sergipano e, ao ser aprovada pelo presidente do Estado, foi publicada no Diário Oficial do Estado de Sergipe. As reformas iniciaram logo após a data de publicidade e tiveram o intuito de transformar-se num marco para a história da educação sergipana. Os elogios na imprensa e as constantes ênfases sobre a importância dessa reforma delataram o empenho na edificação de uma memória da reforma de 1911.

A representatividade dessa reforma não figurava apenas nos impressos, ela instituiu-se também na construção dos prédios escolares públicos; isso não só por ter reunido as escolas isoladas em um único edifício, mas pela monumentalidade deste. O edifício-escola ou como chamavam na época, a escola-palácio, significava o momento da renovação. A política educacional baseada nos princípios do ideal republicano culminava num processo de reinvenção do espaço escolar e social. Nessa direção, as reformas dos espaços escolares estavam ligadas aos pressupostos pedagógicos que pretendiam inserir novos hábitos e valores para civilizar e homogeneizar a sociedade. A educação tornou-se um símbolo integrado à República pela crença na sua capacidade de

53 regenerar, disciplinar e moralizar (VEIGA,2003:531). Essas reformas urbanas procuraram relacionar as idéias higienistas do final do século XIX com a idéia de uma nova estética preocupada com o aformoseamento das cidades (VALENÇA, 2004:86).

Essa construção do moderno ou da modernização educacional brasileira, como evidenciam alguns autores foi, no momento de sua formação e por longos anos, importante instrumento de reflexão capaz de garantir, ou melhor, de viabilizar as relações entre diferentes segmentos sociais, de promover a sustentação das articulações do Estado com a sociedade civil, especialmente dos intelectuais com o Estado, ou mesmo com a cultura. Além disso, possibilitou estabelecer os limites e diretrizes para o processo de constante reconstrução do imaginário social.

O empenho do professor Carlos Silveira no desenvolvimento dessa reforma foi o suficiente para insuflar desentendimentos e rixas com alguns políticos sergipanos. Espaçadamente, Helvécio de Andrade informou sobre o episódio que provocou a volta do professor a São Paulo. O professor sergipano relatou apenas que, por causa de um mal entendido “nascido de tendenciosas informações e aceitas sem exame” (ANDRADE,1931:1-2), determinou o afastamento de Carlos Silveira, sustando o andamento da reforma que iniciou.

A retirada imprevista do orientador e as polêmicas dela decorrentes causaram impressões de desagrado com a política vigente. Foi registrado um manifesto das normalistas reivindicando a volta do professor paulista. No dia seguinte ao da rescisão do contrato do professor paulista, elas escreveram nos quadros negros da escola “Viva ao Dr. Carlos Silveira”. Helvécio de Andrade narrou o episódio revelando que um grupo de quartanistas chefiado pela aluna mais distinta da turma dirigiu-se ao Palácio Presidencial e solicitou o comparecimento do presidente Siqueira de Menezes.

Na presença do administrador do Estado lavraram seu protesto afirmando que caso o professor paulista não fosse readmitido, elas deixariam a escola naquele mesmo dia (ANDRADE, 1931:1-2). “O velho general”, como o invocou Helvécio de Andrade, “coçou a barba” e não disse mais nada que “meninas tenham juízo!”. Sobre esse fato Helvécio de Andrade questionou o poder, ou mesmo, a prepotência da política sobre a Instrução Pública. Ao retornar para São Paulo, Carlos Silveira passou a atuar como professor do Instituto Pedagógico (SERGIPE, 1914:06).

54 Muitos dos objetivos idealizados pelo professor paulista só foram realmente colocados em prática tempo mais tarde. A inspeção escolar foi um deles. Apenas em 1912, as inspeções foram reorganizadas com o fim de incentivar a regularidade e o aperfeiçoamento do ensino. Apesar de todas as esperanças depositadas nesse veículo demonstradas pelo afã com que foram escritos os relatórios, a inspeção deixava dúvidas quanto ao seu rigor, conforme reclamava o professor e diretor da Escola Normal, Helvécio de Andrade, num escrito sobre a escola sergipana (ANDRADE, 1931).

Compreender a extensão que a reforma paulista conquistou no campo educacional sergipano é primordial não só para perceber a influência desta, mas as formas como os intelectuais da educação sergipanos se apropriaram dos princípios reformadores paulistas. O alcance das propostas paulistas não estava relacionado apenas ao período que figurou a década de 1910, mas principalmente após os anos que marcaram a implantação da reforma de Sampaio Dória em São Paulo.

1.3. Nacionalização, racionalização e uniformização no discurso das reformas