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As transformações do Carisma

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CAPÍTULO 1 – ESPECIFICIDADES DA IGREJA BATISTA SUECA EM GUARANI RIO GRANDE DO SUL

1.9. Especificidades do Pentecostalismo brasileiro de imigração: Agricultura de subsistência e religiosidade dos colonos suecos em Guarani (RS)

1.9.2. As transformações do Carisma

Ao apresentar a carta de Anders Gustaf Andersson, Um Clamor Macedônio, a Erik Jansson, John Ongman entendia haver nele potencialidades que o credenciariam a ser o primeiro missionário da ÖM no Brasil.

136 MARIZ, Cecília Loreto. Instituições tradicionais e movimentos emergentes. In.: PASSOS, João Décio; USARSKI, Frank. Compêndio de Ciências da Religião. São Paulo: Paulinas/Paulus, 2013, p. 304.

Para Weber137,

[…] o carisma só pode ser ‘despertado’ e ‘provado’, e não ‘aprendido’ ou ‘inculcado’. As espécies de ascese mágica (de feiticeiros a heróis) e os noviciados pertencem a esta categoria de fechamento da associação do quadro administrativo. Somente o noviço provado tem acesso aos poderes de mando. O líder carismático genuíno pode opor-se com êxito a essas pressões − mas não o sucessor, e menos ainda o eleito pelo quadro administrativo.

Partindo do pressuposto weberiano, podemos afirmar que Ongman despertou em Jansson o carisma nele embutido, pois o desafiou, expondo-lhe as dificuldades a serem enfrentadas e as projeções de um futuro a ser desbravado. É necessário ressaltar que Jansson desejava ser missionário na China e, como estudante de teologia na Örebromissionsskola, procurava preparar-se para seu futuro ministério. Naquele período histórico, muitos missionários desejavam ir à China. Ongman reconheceu nessas credenciais a qualificação necessária para Jansson enfrentar e desbravar o campo missionário brasileiro. No sentido weberiano, Jansson é o noviço provado que adquire os poderes outorgados por Ongman a ele.

Consoante Weber138, as normatividades carismáticas se transformam com facilidade em estamentais tradicionais (carismático-hereditárias). Quando há um carisma hereditário do líder, é bem provável que a vigência desse princípio no quadro administrativo, e eventualmente até para os adeptos, sirva como forma de seleção e emprego de pessoas.

Jansson que, ao herdar o carisma de Ongman, conseguiu reconhecimento e legitimação para ser o candidato ideal para vir ao Brasil, pois tinha desejo e disposição de enfrentar o desconhecido, mesmo sabendo que muitos colonos suecos estavam voltando para a Suécia e outros migrando para outros países, como a Argentina, não desanimou. Jansson não era reconhecido como uma grande liderança na Suécia, mas se destacava por seu desejo de ir a outros povos e lhes anunciar a fé Batista. Passou a ser funcionário da Örebromissionen, recebendo cem coroas suecas por mês, o que não era muito, mas supria suas necessidades e lhe permitia investir algum dinheiro na aquisição e implantação do trabalho da IBS em Guarani. Estabeleceu-se, assim, o carisma de forma hereditária e ele encontrou o respaldo necessário de Ongman e da Örebromissionen.

Previamente, Weber139 coloca que a rotinização do carisma é a eliminação da atitude alheia à economia, sua adaptação a formas físicas (financeiras) que provêm as necessidades econômicas capazes de render impostos e tributos. Com relação aos “leigos” das funções em

137 WEBER, 2012, p. 164. 138 Ibid., p. 164.

processo de prebendalização, está o clero, o membro que participa do quadro administrativo carismático, agora rotinizado (sacerdotes da igreja nascente).

A Igreja Batista Sueca chegou ao Brasil rotinizada, o que qualifica esse Pentecostalismo com especificidades próprias. Isso ocorreu porque Jansson teve, como já vimos, seu carisma reconhecido por Ongman e pela Örebromissionen, esta última já uma instituição estabelecida na Suécia há vinte anos, naquela época, e, portanto, institucionalizada. Nesse sentido, o Pentecostalismo brasileiro de Imigração apresenta uma especificidade singular. Nasceu institucionalizado, diferentemente dos demais movimentos pentecostais no Brasil daquele período, que não tiveram respaldo institucional. Jansson fazia parte do quadro de funcionários da Örebromissionen como pastor Batista enviado ao Brasil. Seu carisma era reconhecido pelos colonos suecos que desejavam ter um líder espiritual para compartilhar a fé com eles, fato evidenciado na carta de Nils Persson enviou ao jornal sueco como forma de agradecimento. O episódio relatado anteriormente neste capítulo demonstra o anseio dos suecos e o reconhecimento de Jansson como um líder carismático.

Após a rotinização, a dominação carismática desemboca, prossegue Weber,140 quase

sempre em dominação cotidiana: patrimonial − especialmente, estamental − ou burocrática. O caráter primitivo particular se manifesta na honra estamental carismático-hereditária ou de cargo dos apropriantes, levando em consideração o senhor, bem como o quadro administrativo, portanto, desfrutando o prestígio da liderança. Um rei ou rainha herdeiro “pela graça de Deus”, não é simplesmente senhor patrimonial, patriarca ou soberano, assim como um subordinado também não é um simples ministerial ou funcionário, como um empregado também não é um simples ministro ou funcionário.

Ter o carisma reconhecido e rotinizado leva algum tempo e, neste sentido, Jansson não obteve a confiança de Ongman em sua totalidade. Não está claro na historiografia qual era o motivo da parte do pastor da Örebromissionen, mas o envio de Carl Svensson, em 1914, como o segundo missionário para o Brasil, levanta-nos esta suspeita. A suposição toma força quando Svensson passa a se reportar a Ongman para que este envie recursos financeiros para a ampliação do trabalho da Örebromissionen em Guarani. Jansson chegou a ficar devendo a outras pessoas na colônia, o que o colocou em uma situação desagradável. Após a chegada de Svensson e a troca de correspondências com Ongman, obteve o dinheiro que pleiteava, pagou as dívidas e continuou o trabalho.

Weber141 afirma que a rotinização do carisma não se realiza, em regra, sem lutas. No início são inesquecíveis as exigências pessoais em relação ao carisma. A luta entre o carisma de cargo, ou entre o herdeiro e o pessoal, constitui um processo histórico típico.

A chegada de Svensson trouxe auxílio à ampliação de recursos para o trabalho da IBS em Guarani, mas trouxe suspeitas sobre o trabalho realizado até então por Jansson, iniciando- se assim a rotinização carismática do missionário da Örebromissionen. A luta institucional não se travou de forma direta, mas, com o passar do tempo, porém, Jansson colocou Svensson como um mero coadjuvante de seu trabalho entre os colonos em Guarani, não abrindo espaço para que pudesse auxiliá-lo no que fosse necessário, quase obrigando-o a deixar a colônia. No final, Svensson dirigiu-se a Ijuí, onde iniciou um trabalho semelhante entre os colonos suecos.

A rotinização do carisma não é ocasionada apenas pelo sucessor, ao contrário, pela transição entre os princípios administrativos para os cotidianos, segundo Weber.142 A sucessão afeta a rotinização do núcleo carismático − o detentor e a sua legitimidade −, que se põe em oposição à transição para ordens e quadros administrativos tradicionais ou legais. Essa concepção peculiar só é compreensível nesse ponto de vista do processo. As mais relevantes são a designação carismática do sucessor e o carisma hereditário.

Nesse sentido, Jansson só recebe o que Ongman lhe outorga, enquanto Ongman, ao

dividir seu carisma, tem o núcleo carismático afetado. Por esse motivo, é possível terem surgido

as dúvidas que Svensson foi designado a examinar, trazendo conforto aos anseios de Ongman, que possivelmente pensou ter errado ou se precipitado no envio de Jansson.

De forma geral, o funcionário eleito é a representação modificada radicalmente da posição de mando do líder carismático, segundo Weber,143 sendo o “servidor” dos dominados. Não tendo sido nomeado por seu “superior”, não dependem dele as possibilidades de progresso, antes, depende de sua posição em favor dos dominados, pouco importando as disciplinas para se obter a aprovação de seus superiores, atuando assim, de modo “autocéfalo”.

A partir dessa concepção werberiana, podemos afirmar que Jansson, sendo estabelecido como o “servidor” dos dominados, estava interessado no progresso daqueles de quem ele recebeu a incumbência de servir, atuando de forma autônoma e autocéfala, mas obrigando-se a ter a aprovação de Ongman e da Örebromissionen. Isso para ele não era um problema, pois demonstrou sempre o cuidado de se reportar à missão para dar andamento ao trabalho que se propusera a realizar.

141 WEBER, 2012, p. 166. 142 Ibid., p. 166.

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