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As transformações socioterritoriais: o processo de territorialização do capital no campo

CAPÍTULO VI. AS NARRATIVAS DOS CAMPONESES POSSEIROS DENUNCIAM A VIOLÊNCIA DA OCUPAÇÃO DO CAPITAL NA

Mapa 10 – Brasil Produção de soja por município no

2.3 As transformações socioterritoriais: o processo de territorialização do capital no campo

que não dispõem da mesma correlação de força econômica. Resta a eles a luta, por meio da organização de classe. Essa é forma de reivindicar a amplitude das políticas públicas para beneficiar o campesinato, ou seja, a produção camponesa.

Diante dos fatos elencados, fica claro que as políticas públicas exercem um papel fundamental no processo de expansão da agricultura empresarial capitalista. Basta ver os recursos destinados pelos planos agrícolas para a liberação de créditos para garantir o avanço do agronegócio em direção à nova fronteira agrícola. Por isso, analisar as transformações socioespaciais resultantes do processo de territorialização do capital é fundamental para compreender as contradições advindas da agricultura empresarial e o aprofundamento das desigualdades do desenvolvimento combinado e desigual.

2.3 As transformações socioterritoriais: o processo de territorialização do capital no campo

A territorialização do capital nesse processo produz impactos relevantes, tendo como efeito a desterritorialização de camponeses e produtores capitalistas que residem no campo. Desta forma, as consequências se acentuam devido ao avanço do setor do agronegócio, que representa um modelo agrícola que busca, em primeiro lugar, a maximização do lucro e da reprodução ampliada do capital.

Como já dito, a agricultura moderna é regida pelo grande capital, que se apropria dos recursos naturais como a terra e a água. O controle desses recursos é questão estratégica para

a garantia da reprodução do capital. Em contrapartida, a pseudomodernidade cria o embate direto com camponeses e moradores da cidade, todos ameaçados pelo agronegócio.

A reprodução ampliada do capital também inclui a produção não capitalista de capital (MARTINS, 2016). Para (OLIVEIRA, 2007, p. 38) ―As relações [...] pressupõem a troca desigual entre o capital e o trabalho, e ambos, capital e trabalho, são produtos de relações sociais iguais e contraditoriamente desiguais‖. Desse ponto de vista, vale dizer que essas relações se dão a partir do uso do capital e trabalho assalariado.

A chegada de novas empresas no MATOPIBA impõe aos espaços da hinterlândia brasileira uma reorganização territorial de forma avassaladora, centrada especificamente na produção de grãos para o mercado mundial (LIMA 2015, p. 325). O desenvolvimento continua acompanhado das desigualdades sociais geradas pela concentração da riqueza.

O processo de produção capitalista, considerado como um todo articulado ou como processo de reprodução, produz por conseguinte não apenas a mercadoria, não apenas a mais-valia, mas produz a própria relação capital, de um lado o capitalista, do outro o trabalhador assalariado. (MARX, 1984, p. 161).

A reorganização do campo e do espaço urbano sofre drasticamente mudanças na sua estrutura e na dinâmica provocadas pelo avanço do setor agroindustrial. Verificam-se grandes investimentos em áreas relevantes como nas redes de transportes e comunicação para integrar e dar velocidade os fluxos no território.

No uso da agricultura empresarial, o agronegócio é responsável pelo aumento da utilização de agrotóxicos nas lavouras de soja, milho e algodão, que traz consequências graves para o meio ambiente, ao contaminar os rios, o solo e afetar a saúde humana, ou seja, a mundialização da agricultura muda a relação com a terra.

A estrangeirização de terras provoca a concentração fundiária e o domínio e controle do capital e dos territórios. Resulta também na criação de infraestruturas, como estradas, portos, transferências de tecnologias para produção, propiciando o amplo desenvolvimento do agronegócio e novas redefinições dos mercados regionais. Isto tem afetado os territórios camponeses, promovendo o debate sobre os modelos de desenvolvimento territoriais adotados para o campo, no qual a luta pela terra e a reforma agrária dão lugar ao discurso do agronegócio. (VINHA, 2016, p. 79). Outro fator que vem ocorrendo no Brasil, principalmente nas regiões onde o agronegócio vem avançando, é a compra de terras por empresas estrangeiras, o que implica o aumento da concentração fundiária, o domínio e o controle do capital e dos territórios. Para viabilizar a reprodução do capital, é necessária a criação de infraestrutura adequada, como estradas, portos, inovações tecnológicas aplicadas à produção agrícola e abertura de novos mercados regionais.

A análise geográfica dessa questão procura compreender os conflitos que são gerados nos espaços e território da produção capitalista. Para Fernandes (2013), é da natureza do capitalismo se expandir infinitamente, o que resulta em enfraquecimento do campesinato.

Subalternidade, destruição, resistência e recriação fazem parte da vida do campesinato. As lutas contra a subalternidade ocorrem nas manifestações contra a renda capitalizada que leva à destruição do campesinato por meio do empobrecimento e expropriação. Com a territorialização do agronegócio, principalmente com a intensificação da produção de agrocombustíveis que tem levado às crises alimentares, a agricultura capitalista precisa cada vez mais de terra e cada vez menos de gente no campo. (FERNANDES, 2013, p. 312).

Nesse sentido, o campo passa a sofrer profunda transformação, incorporando novas tecnologias, com impacto direto na diminuição da mão de obra e passa a exigir trabalhador qualificado para agricultura empresarial. A procura de novos territórios para a expansão da agricultura tem hoje nova característica. Empresas e governos de diversos países estão arrendando, comprando, dando em arrendamento gigantescas áreas de terras. (FERNANDES, 2013).

As novas modalidades da agricultura moderna avançam na destruição e na ameaça dos territórios camponeses, indígenas e dos quilombolas. Desse modo, pode-se dizer que o capital produtivo não reconhece outras formas de produzir alimentos, senão os conceitos formulados a partir dos fundamentos economicistas, se alinhando ao projeto neoliberal.

Os países arrendatários e/ou compradores de terra são predominantemente ricos, interessados na produção de agrocombustíveis e na produção de alimentos. Estão arrendando terras de países pobres, usando seus territórios para produzir alimentos e energia. Estado e capital explorando terras, pessoas e países não é novidade, mas agora além das empresas, os governos estão ainda mais envolvidos nos acordos que reforçam o neocolonialismo e consequentemente aprofundam as formas de dependência. (FERNANDES, 2013, p. 314).

As diferentes formas sociais de os camponeses produzirem alimentos vêm sofrendo alterações em função da imposição do modelo de produção do agronegócio, que interrompe os saberes e experiências que foram desenvolvidos e praticados há séculos pelos camponeses, em suma, ocorre um processo de destruição desses sistemas de produção voltados para o consumo familiar e para o abastecimento do mercado interno.

A territorialização da soja está transformando o espaço agrário e o urbano dos municípios onde o agronegócio se expande. A grande transformação imposta pelo agronegócio tem alterado sistematicamente a paisagem rural e urbana, e com sinais de que se ampliará (CAMPOS, 2015, p. 182). No campo, avança a destruição das áreas de Cerrado para

o uso da agricultura empresarial e capitalista. No espaço urbano, intensifica-se o processo de segregação espacial, devido aos altos índices de pobreza.

No que diz respeito à pobreza produzida pelo capitalismo monopolizador e concentrador de riqueza, pode-se dizer que é um dos principais agentes responsáveis pela violência tanto no campo quanto na cidade. O aumento do desemprego, que é estrutural no mundo contemporâneo, decorre do uso crescente de novas tecnologias que exigem trabalho qualificado e elimina o trabalho manual (FERNANDES, 2013). A nova ordem do capitalismo não tem como princípio a inclusão social, mas opera na destruição de postos de empregos e da exclusão da maior parte da população do direito ao trabalho e do mercado de consumo.

Mas o econômico não se realiza sem a produção e o uso do conhecimento. As mudanças tecnológicas foram construídas a partir dos interesses da estrutura do modo de produção capitalista por meio de uma agricultura cientifica globalizada. Houve o aperfeiçoamento do processo, mas não a solução dos problemas socioeconômicos e políticos. O que ocorre é uma intensificação da utilização dos conhecimentos produzidos para a maximização dos lucros, considerando os sistemas que não operam nesta lógica, improdutivos. O latifúndio efetua a exclusão pela improdutividade, o agronegócio promove a exclusão pela intensa produtividade. (FERNANDES; MOLINA, 2004, p.70).

O aumento da produtividade também implicou o aumento das desigualdades sociais e das injustiças que ocorrem no campo controlado pelo agronegócio. As consequências da expansão do capital no campo nos fazem refletir sobre o processo de desagregação que leva os camponeses a saírem das suas terras, não por livre e espontânea vontade, mas pela expulsão forçada imposta pela dinâmica do capital.

Esses camponeses se tornaram sem-terra, outros proletários vendendo a sua força de trabalho. Martins (1990) explica que os trabalhadores se transformam em trabalhadores rurais livres, isto é, libertos de toda propriedade, apenas proprietários de sua força de trabalho, da sua capacidade de trabalhar. O referido autor salienta que esses indivíduos deixaram de ser proprietários, sem os instrumentos de trabalho, sem os objetos, as matérias-primas, restando- lhes a opção de vender a sua força de trabalho.

A combinação é realizada como se agricultura capitalista e agricultura camponesa fossem da mesma natureza. Enquanto a agricultura capitalista se realiza a partir da exploração do trabalho assalariado e do controle político do mercado, a agricultura camponesa ou familiar é intensamente explorada por meio da renda capitalizada da terra, ficando somente com uma pequena parte da riqueza que produz, sendo a maior parte apropriada pelas empresas que atuam no mercado. (FERNANDES; MOLINA, 2004, p. 72).

De acordo com essa análise, existe um esforço de homogeneização, ou seja, uma tentativa de impor o mesmo padrão de produção a partir da concepção do agronegócio. A

agricultura capitalista está centrada na exploração do trabalha assalariado, enquanto a agricultura camponesa tem como meta produzir alimento para o próprio consumo, utilizando da mão de obra familiar, mas parte da sua produção é apropriada pelas empresas. Assim, os camponeses ficam subordinados a lógica do mercado.

Outro fator importante nessa dinâmica está relacionado à estruturação de rodovias para interligar e dar fluidez à circulação dos produtos nas regiões da produção do agronegócio. Pensar o território da produção requer melhorias na infraestrutura para acelerar a mobilidade territorial.

O entroncamento das BRs 020, 242 e 135 gerou uma situação geográfica privilegiada à cidade Barreiras, que acabou se tornando o epicentro logístico da produção de grãos e algodão que vem ocupando os cerrados do Oeste Baiano e do sul do Piauí desde os anos 1980. Com a expansão das lavouras, o antigo distrito de Mimoso do Oeste, cerca de 95 Km na direção de Goiás e Tocantins, virou o município de Luís Eduardo Magalhães e ganhou notoriedade logística por conta da maior proximidade com o Centro-Oeste, de onde provem a maioria dos agentes que operam nos cerrados baianos e piauienses. Mimoso, cabe mencionar, surgiu em 1974 como ponto de apoio (posto de combustível e pensão) aos caminhoneiros que já se aventuravam pela rota. (HUERTAS, 2015, p. 53).

A dinâmica do capital está intensificando as transformações socioespaciais e contribuindo para a integração regional. Nos espaços da produção, o agronegócio amplia o seu controle de exploração, usurpando a terra e promovendo a subordinação da produção camponesa.

Ao subordinar a necessidade humana à reprodução ampliada do valor de troca o sistema do capital submete a relação entre o sujeito e o objeto da atividade produtiva, subordinando o homem a condição de fator material de produção (mão de obra). A produção é orientada não para a necessidade e o uso, uma vez que a demanda da reprodução do capital é que praticamente define o critério da utilidade. Seres humanos são necessários e supérfluos para o capital. (CONCEIÇÃO, 2004, não paginado).

Segundo Fabrini e Jesus (2017, p. 106), ―a recente ocupação do cerrado piauienses pelo agronegócio, em destaque aqui para o setor de grãos, reproduz a desigualdade no acesso à terra‖. Essa desigualdade provoca maior vulnerabilidade das populações locais. ―No oeste baiano, o quadro de violência tem gerado um duradouro estado de instabilidade‖ ( SOBRINHO, 2015, p. 300).

A violência chega a ponto de provocar a saída dos camponeses de suas terras em função das ameaças impostas pelos grileiros ( SOBRINHO, 2015). O campo, que deveria ser o espaço e lugar do convívio social daqueles que residem e vivem da terra, se torna o espaço do medo.

[...] verifica-se que os trabalhadores e camponeses não estão passivos diante da exploração e expropriação a que estão submetidos pela expansão do agronegócio latifundiário. Eles têm resistido à expansão do agronegócio latifundiário de diversas

formas, dentre as quais se destacam a organização nos movimentos sociais. (JESUS; FABRINI, 2017, p. 112).

Diante desse contexto de violência contra os povos do campo, os trabalhadores e camponeses estão resistindo por meio dos movimentos sociais e das ações organizadas contra os latifundiários. A desestruturação está relacionada à desagregação da produção camponesa e familiar.

A expansão do agronegócio nos Cerrados está intensificando a concentração da posse da terra. Resultante dessa expansão, muitos camponeses migraram para as cidades, a biodiversidade reduziu e a produção de alimentos diminuiu. Se os prejuízos dessa expansão são socializados, em contrapartida, os benefícios são apropriados privadamente nas mãos de poucos. (FABRINI, 2017, p. 114).

A estratégia do agronegócio é expandir seu controle principalmente nas áreas de cerrado. O deslocamento de sulistas para as regiões de fronteira agrícola indica claramente como os grandes produtores da agricultura empresarial estão ocupando as áreas selecionadas no Nordeste.

As mudanças geram crescimento desordenado das cidades por força da migração e o empobrecimento das populações urbana e rural. Mesmo com crescimento pujante, as atividades agrícolas ainda apresentam muita carência no quesito de infraestrutura e logística. Por isso, a modernização do território é imprescindível para viabilizar a mobilidade do capital e a circulação de pessoas e mercadorias.