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A metamorfose pela posse da terra na fronteira agrícola do MATOPIBA e as relações comerciais com o mundo

CAPÍTULO VI. AS NARRATIVAS DOS CAMPONESES POSSEIROS DENUNCIAM A VIOLÊNCIA DA OCUPAÇÃO DO CAPITAL NA

A SUBORDINAÇÃO DA RENDA DA TERRA: EXPROPRIAÇÃO E VIOLÊNCIA NA FRONTEIRA AGRÍCOLA DO MATOPIBA

3.4 A metamorfose pela posse da terra na fronteira agrícola do MATOPIBA e as relações comerciais com o mundo

A dinâmica da produção agrícola no MATOPIBA está também sob influência de demandas internas e externas relacionadas ao consumo de alimentos, visto que parte dessa

produção é destinada à alimentação animal, por isso o aumento da compra de terras nos municípios do oeste baiano, no Tocantins, sul do Piauí e no sul do Maranhão.

Desse ponto de vista, é necessário analisar que a expansão exponencial da atividade agropecuária em vários estados da federação está condicionada ao crescimento econômico e populacional dos países asiáticos, com destaque para o BRICS, que atualmente têm intensificado as relações comerciais com o Brasil, principalmente no que diz respeito à importação de grãos, de carne bovina, aves e outros produtos.

O crescimento econômico e populacional de países como China, um dos maiores parceiro comerciais do Brasil, provoca o aumento do consumo. A compra de terra por empresários chineses vem crescendo significativamente no MATOPIBA. A questão atual da Ásia como o mais dinâmico crescimento econômico e comercial criou nova perspectiva para a geografia econômica global e para as relações políticas e comerciais em geral [...] (FERRAZ, 1990, p. 7).

Merecem destaque os efeitos dos investimentos destinados às novas áreas de terras incorporadas ao sistema produtivo para os estados ou regiões que passam pelo crivo seletivo dos setores que exploram as atividades agropecuárias.

Essas profundas modificações observadas no espaço agrário, nas últimas décadas, estão inseridas no contexto global de mundialização da economia e reestruturação produtivas, que determina um papel especifico aos países do Sul global na divisão internacional do trabalho, direcionando suas economias para a produção de commodities agrícolas e minerais. (RIGOTTO e AGUIAR, 2015, p. 225).

A integração dos mercados e a intensificação das relações comerciais condicionadas ao contexto neoliberal pressionam a reorganização do uso da terra, por isso a reestruturação produtiva direciona os seus investimentos para a produção de commodities agrícolas.

Como afirma Manoel Correia de Andrade (1980), as grandes propriedades, concentradas em mãos não apenas de latifundiários, mas também de empresas comerciais, industriais e bancárias, têm condições de se beneficiar de toda a política governamental, ou seja, recebem atenção especial, com grandes volumes de recursos, para promover a agricultura e para a aquisição de implementos agrícolas.

A consolidação do latifúndio na fronteira agrícola é a principal causa geradora dos conflitos por terra e violação de direitos, pois o agronegócio trouxe para os povos das comunidades rurais a perda da paz, devido às ameaças que sofrem com a expansão dos monocultivos extensivos na região do MATOPIBA.

O processo de apropriação de terras e de expulsão de posseiros é vulgarmente conhecido como grilagem [...] (ANDRADE, p. 54, 1980). Esse problema está inserido na

produção da agricultura capitalista, na expropriação dos recursos naturais e na exploração do trabalho assalariado, resultando na expulsão dos camponeses dos seus territórios, enfim, ações desagregadoras da agricultura camponesa e familiar.

A incorporação das áreas de Cerrado no contexto da produção global de alimentos e matérias-primas faz renascer o poder das oligarquias agrárias. O cerco ao campesinato é uma articulação das empresas capitalistas brasileiras e estrangeiras, latifundiários que querem o campo vazio, ou seja, sem gente, assim, o plantio de grandes áreas extensivas de terras serão utilizadas para a monocultura da produção de grãos.

O enfraquecimento da produção das pequenas propriedades camponesas está relacionado à expansão da renda fundiária no campo brasileiro, ou seja, reduziu-se a agricultura familiar camponesa para dar lugar às atividades do agronegócio.

Desse modo, as terras mais férteis são destinadas à produção de commodities exportáveis como da cana-de-açúcar, soja e milho, enquanto a agricultura camponesa é deslocada para as terras menos férteis e com taxas da renda fundiária mais baixa, pois sua renda diferencial também é menor, por isso não há interesse do capital ainda por essas terras, (MARTINS, 1986).

Os camponeses têm suas terras ameaçadas devido à ampliação do território do agronegócio. Esses acontecimentos têm fomentado discussões e debates, levando-se em conta que a terra é a questão do problema, daí a reação do povo de várias formas para reivindicar o direito de permanecer no seu lugar, no seu espaço e no seu território. Portanto, as injustiças sociais sofridas pelos os camponeses são causadas pela a ganância e pela busca incessante do lucro pelo proprietário da terra.

Dessa forma, o avanço da agricultura capitalista altera o uso do solo e o preço da terra nas regiões de intensa atividade econômica. O preço da terra pode subir sem que aumente a renda, em razão da taxa de juros, o que faz com que a renda seja vendida mais cara e, por conseguinte, aumente a renda capitalizada e o preço da terra (MARX, 2017, p. 837).

O aumento da procura pela compra da terra é impulsionado pela valorização dos preços das commodities agrícolas, que faz com que o agronegócio estabeleça suas redes de conexão com os centros de comandos, submetendo a produção em escala local e regional ao mercado global.

O preço da terra também foi inflacionado devido à pressão do mercado global e nacional, estimulados pelo deslocamento de empresas estrangeiras e brasileiras que estão intensificando a compra de terras na região do MATOPIBA.

A migração interestadual tem aumentado em função das atividades econômicas, atraindo fluxos populacionais principalmente dos estados da região do sul do país, devido às atividades econômicas do setor agrícola. O avanço do setor agroindustrial e a agricultura modernizada capitalista reorientam não somente o uso e a ocupação do espaço agrário, mas, também a reorganização do espaço urbano, que vê sua população aumentar constantemente, bem como o empobrecimento e o crescimento da periferia das cidades.

Devido a esse movimento da economia regional, os efeitos da expansão agrícola impactam diretamente os setores imobiliários, ou seja, os ―proprietários de terras passam a atuar no sentido de obter maior renda fundiária de suas propriedades, interessando-se em que esta tenha o uso que seja o mais remunerador possível, especialmente uso comercial, ou seja, residencial de status‖ [...] (Corrêa, 1989, p. 16).

Vale ressaltar que a valorização das terras para o uso urbano, bem como para o uso agrícola, são fatores que estão condicionados à reorganização da modernização do território e à especialização da produção agrícola. No que refere à questão dos preços das terras, Marx faz a seguinte argumentação:

O preço da terra pode subir porque a renda aumenta. A renda pode aumentar porque o preço do produto da terra sobe; nesse caso, sempre cresce a taxa da renda diferencial, quer a renda no pior solo cultivado seja grande, quer seja pequena ou nem exista. Por taxa entendemos a relação entre a parte do mais-valor que se transforma em renda e o capital adiantado que produz o produto agrícola. Isso é diferente da relação entre o mais produto e o produto total, pois o produto total abrange todo o capital adiantado, ou seja, inclui o capital fixo que subsiste ao lado do capital produto. Por outro lado, nisso se inclui o fato de que, em todos os tipos de solo que geram renda diferencial, uma parte crescente do produto se transforma em mais-produto. No pior solo, a elevação do preço do produto agrícola cria pela primeira vez a renda e, por conseguinte, o preço da terra. (MARX, 2017, p. 837). Portanto, se a demanda no mercado por determinados produtos agrícolas aumenta, necessariamente mais terras são incorporadas ao circuito produtivo. Mesmo os solos menos férteis são cultivados, nesse caso implica na valorização das terras, pois aumenta também a procura por mais terras devido à elevação do valor dos produtos agrícolas. Isso pode explicar muito bem que a produção no pior solo, por causa da elevação do preço do produto agrícola, cria a renda e o preço da terra:

O preço da terra não é senão renda capitalizada e, por conseguinte, antecipada. Se a agricultura é explorada ao modo capitalista, de forma que o proprietário da terra recebe apenas a renda, e o arrendatário não paga pela terra senão essa renda anual, então é evidentemente, para ele, um investimento de capital portador de juros, mas que não guarda absolutamente nenhuma relação com o capital investido na própria agricultura. Não forma parte nem do capital fixo capital aqui em funcionamento nem do capital circulante; pelo contrário, só garante ao comprador um título quando recebe a renda anual mas não tem absolutamente nenhuma relação com a produção

dessa renda. O comprador paga o capital precisamente àquele que lhe a terra que lhe vendeu a terra, e vendedor, em contrapartida, renuncia a sua propriedade sobre a terra. Esse capital, portanto, já não existe como capital que ele pode investir de algum modo no próprio solo. Se comprou a terra caro ou barato, ou se a recebeu de graça, é algo que não altera em nada o capital investido pelo arrendatário na exploração, em nada modifica a renda, mas apenas o seguinte: que está agora lhe apareça como juros ou não juros ou, respectivamente, como juros altos ou baixos. (MARX, 2017, p. 868 – 869).

A acentuada territorialização do capital nessa fronteira traz nova configuração territorial, como é o caso do aumento demográfico da população oriunda de outros estados da federação. O ritmo acelerado da concentração da terra e do crescimento urbano são faces da mesma moeda da dialética do desenvolvimento econômico das cidades promotoras do agronegócio, fruto das suas contradições permanentes e geradoras das consequências da intensificação e das conexões das redes das grandes empresas nacionais e transnacionais.

Existem grupos, formados por grandes empresas, interessados em adquirir terras nas áreas de fronteiras agrícolas e nas regiões onde o processo de consolidação do setor agrícola produtivo ainda é promissor, especialmente no Centro-Oeste, Norte e Nordeste, nas últimas décadas.

As atividades agrícolas se estenderam por esse território formando uma integração entre a economia e a agricultura. Toda essa dinâmica tem por base o incremento do sistema de transporte, como rodovias, ferrovias, hidrovias e aeroportos, para dar maior fluidez nas mercadorias. Soma-se a isso as redes de comunicação, que vêm dar maior agilidade nos negócios e nas transações comerciais.

O discurso do agronegócio apresenta o Brasil entre os maiores produtores mundiais de produção de grãos, frutas, café, etanol e algodão, suínos, aves e carne bovina, cuja produção destina-se, na maior parte, à exportação.

O agronegócio propaga a ideia de criação de inúmeros empregos, com milhares de trabalhadores no campo, ou seja, seria um feito do novo modelo que prima pela geração da renda. Mesmo utilizando as mais avançadas tecnologias no setor da produção agrícola, algumas contradições se manifestam, pois a pequena propriedade tem participação relevante na produção de alimento para o consumo interno.

Na Bahia, o discurso do agronegócio é amplamente difundido pelo Governo do Estado e seus ―teóricos‖ imediatos, através de uma série de trabalhos e publicações voltados a difusão e aceitação deste modelo como a única via possível na busca de atingir a ―modernização‖. Analisando, brevemente tais publicações, percebe-se uma opção clara pelo agronegócio e a leitura que se tem da agricultura familiar é aquela da integração. Para demonstrar o ―destaque‖ da agricultura baiana enfatiza-se dois principais aspectos: ou a difusão do agronegócio, e do produtivismo, propriamente dito e as perspectivas de ―desenvolvimento‖ no território baiano, ou o incentivo à ―modernização‖ para a agricultura familiar, muitas vezes associada ao discurso da

integração, posto serem estas unidades, não raramente, tratadas como atrasadas e aquém do ―desenvolvimento‖, (SOUZA e CONCEIÇÃO, 2008, p. 109).

Na Bahia, o agronegócio conta com total apoio do estado para a difusão do modelo apresentado como o único capaz de promover o desenvolvimento econômico do campo, centrado na agricultura altamente tecnificada e produtivista. Nesse contexto, não é levado em conta a produção da agricultura familiar e camponesa. O pensamento que separa o campesinato da agricultura familiar ignora as lutas camponesas de resistência ao capital e defendem a ―integração‖ da agricultura familiar ao agronegócio (FERNANDES, 2013 p. 41).

Se, de um lado, a evolução da ciência e tecnologia propiciou o avanço da agricultura, levando aos índices de produção sem precedentes na história, por outro lado, é preciso analisar os impactos sociais desse processo modernizador, que ao invés de integrar impõe a desestabilização e nega a existência dos conflitos pela posse da terra.

Os camponeses e as comunidades de fundo e fecho de pasto do oeste baiano têm denunciado constantemente as injustiças e as tentativas de expulsão das suas terras (posses), pressões exercidas pelos capitalistas e latifundiários que querem expandir o controle da concentração da propriedade fundiária.

Os conflitos se acirraram no oeste da Bahia com a tentativa da execução de um projeto agroflorestal, mas não houve sucesso e o projeto fracassou. Conforme relato da entrevista do Presidente da Associação Ambientalista Corrente Verde, Marcos Rogério Beltrão dos Santos (17/07/2018):

O projeto não deu certo e aí as comunidades retornaram aos territórios e mais recentemente já no período da soja, aí outro conflito também, aí lá pra cima já o agronegócio já expulsou quem já tinha de expulsar e já tão, se diz já consolidado. Aqui embaixo não aqui já é uma, continua uma zona de guerra, você tem comunidades que enfrentam o agronegócio e ao mesmo tempo tem o agronegócio que avança sobre as comunidades, você tem pedido de reintegração de posse contra a comunidade, você tem pedidos das comunidades discriminatória contra as fazendas e aí fica o Estado, vamos dizer deveria está, se não tivesse do lado de quem é obrigado a proteger ele deveria ao menos se manter neutro, mas infelizmente ele tá do lado do grande, aí você tem as discriminatórias que não sai do papel, quando sai do papel ela tem víeis de interesse do agronegócio que as comunidades vão fazer acordo, ceder parte do território pra o agronegócio e aí tem toda uma burocracia já tem dentro do governo não é aceito discriminatória, que saia discriminatória mesmo que seja o governo do PT que se diz dos trabalhadores, mas que na prática não tá defendendo as comunidades, você tem ações realmente pontuais em favor das comunidades, mas não que, não que queira, que toque no interesse maior do setor que é o agronegócio na região.

A chegada do agronegócio no oeste baiano foi marcada por severa violência contra os camponeses e as comunidades de fundo e fecho de pasto, que são as áreas de uso comunitário ou território utilizado para o pastoreio dos animais. A luta desses sujeitos é travada pela defesa do seu território, do seu modo de vida, da sua forma de produzir.

As empresas desconsideram os camponeses e os trabalhadores, uma vez que, na sua concepção mercadológica, esse grupo de homens e mulheres são invisibilizados, são descartados no processo de autonomia da sua condição de vida, os quais são tratados como mercadoria. Observa-se que, no espaço do agronegócio, a pobreza é a garantia de oferta de mão de obra barata para a reprodução do capital.

Esse contraste presente no campo moderno está centrado na controvérsia de reprodução da pobreza e no aumento dos conflitos pela terra. A reorganização do território e a expansão do agronegócio fundamentam suas práticas de produção na violência. De fato, o cerne da premissa capitalista é a obtenção do lucro e por isso é preciso estender a sua política de esvaziamento do campo, expulsando camponeses para as periferias das cidades, transformando trabalhadores em miseráveis, sem cidadania porque perderam sua dignidade. Essas são as causas advindas das relações complexas implementadas pela propriedade capitalista privada da terra.

Nesse sentido, o uso da terra destinada à produção agroindustrial capitalista transforma as populações camponesas em reféns de um modelo agrícola que é dependente de tecnologia externa e excludente no seu processo produtivo. Com o avanço sobre o Cerrado, surgem reações dos povos do campo, que confrontam o projeto da barbárie para defenderem a agricultura familiar e camponesa, os rios o Cerrado e os Gerais.

De igual modo, o avanço das cercas rumo aos territórios de fundo e fecho de pasto desestabilizam as práticas comunitárias desses povos. As áreas de uso comunitário/coletivo estão na mira do capital para serem incorporadas à produção agrícola.

O que se vê nas regiões produtoras agrícolas desde os anos de 1990 é a expansão planejada da ocupação das terras para servir ao grande capital. A expropriação dos recursos naturais coloca o país na condição de fornecedor de matérias-primas (produtos agrícolas) para diversos países, mas é importante ressaltar que essa integração do comércio mundial impõe instabilidade aos camponeses, agricultores familiares, comunidades quilombolas e indígenas, que se veem submetidos à pressão das transformações ocorridas na agricultura brasileira nesse limiar do século XXI.

A formação das grandes fazendas muda a configuração da produção no território, com o aprofundamento do apartheid, ou seja, as desigualdades sociais no campo ampliam a segregação espacial e territorial, que refletem as condições de violência e da negação de direitos imposta às comunidades camponesas, oriundas das contradições e controvérsias reproduzidas pelo modelo do agrocapitalista.

A cerca agora é o marco da definição de ruptura e mudança de paradigma para o modelo agroexportador, que é, ao mesmo tempo, gerador de riqueza para alguns e de empobrecimento das populações do espaço agrário e no espaço urbano. Esse contraste se encontra na dialética do processo contraditório do modo de produção capitalista, pois consiste cada vez mais na concentração da renda.

As ocupações das pequenas propriedades e a expulsão dos camponeses das suas posses fazem parte da estratégia utilizada pelas empresas e latifundiários para apropriação dos territórios da produção da camponesa, a qual é substituída por uma agricultura centrada na monocultura.

Deve-se, portanto, trazer à luz a reflexão de que os conflitos pela terra estão integrados a uma lógica mundializada, em função da valorização das commodities agrícolas. De certo modo, esse movimento de conflitualidade está eivado de contradição estabelecida entre a exploração do trabalho e da subordinação ao monopólio da terra, e os camponeses que lutam para permanecer no campo.