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CAPÍTULO 1. DA LITERATURA SOBRE A PRESENÇA INDIANA EM

1.1. Os temas que interessam à investigação sobre a presença indiana em Moçambique

1.1.1. A literatura reconhece os indianos como estrangeiros de longa data

1.1.1.2. O estabelecimento do Estado colonial português

1.1.1.2.1. As transformações no sul de Moçambique

Atribui-se ao processo de industrialização na Inglaterra e à busca por novos mercados de consumo associados à função de fornecimento de matérias primas, os eventos que, em meados do século XIX, resultaram no que se chama de Partilha da África (Brunschwig: 1972, Wynts: 1980, Pereira Leite: 1996). A partir deste evento teria sido necessário mudar a presença rarefeita que caracterizara o estabelecimento português na costa oriental africana desde o século XVI 37. Pereira Leite (1996) descreve:

Ainda que no século XIX a administração portuguesa reivindique o domínio da faixa costeira, do Rovuma a Delagoa Bay, a sua presença era na época limitada à ilha de Moçambique e zona fronteira da costa (“terras firmes”), a Quelimane, no delta do Zambeze e à ilha do Ibo, no arquipélago das Querimbas. Com efeito, toda a zona da costa entre o rio Ligonha e o Rovuma permanece até o fim do século sob domínio swahili enquanto o interior é submetido ao poder das chefaturas tradicionais africanas.(:76)

A partilha da África, que é o resultado de uma série de processos que consolidaram o cerco imperial da Europa sobre a África, constrange Portugal ao que se chamou de Campanhas de Ocupação Efetiva. O processo de ocupação efetiva requeria ações militares, políticas e administrativas que reordenaram a forma de exploração econômica. Na opinião de Pereira Leite (1996), os acontecimentos do século XIX – que resultam na e da partilha da África - ao mesmo tempo em que reiteram a presença indiana já estabelecida, também favorecem o ingresso de novas levas migratórias indianas. A região sul de Moçambique - uma das duas únicas regiões que ficou sob administração e exploração direta de Portugal, diferente das demais regiões que foram alienadas às Companhias majestáticas de exploração - sofreu, neste período, uma de suas mais radicais transformações ao ser incorporada no sub-sistema de exploração da África Austral, por meio da utilização da mão-de-obra moçambicana nas minas da África do Sul e da Rodésia (atual Zimbabwe) (Wuynts: 1980, P. Leite: 1996, Newit: 1997 Pélissier: 2000, Bastos: s-d, Zamparoni: 2000, C. Teixeira: 2000)38. Newit identifica quatro fatores de mudança para o período:

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Se para Pélissier a desagregação da presença portuguesa em suas colônias permite afirmar que não há cinco séculos de colonização portuguesa e sim duas gerações (p.31) ou em torno de 55 anos, situados na virada do século XIX para o XX, para Newit, apesar do reconhecimento da dispersão portuguesa até as duas últimas décadas do século XIX, há o reconhecimento e registro da influência do comércio elaborado a partir dos presídios e feitorias portuguesas até o interior desde o século XVI.

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A divisão do território ficou assim estabelecida para o período: “Com efeito, encontramos, justapostos de norte para sul, os Territórios da Companhia majestática do Niassa, no Extremo Norte, dos quais o Estado se encontrava

Nenhuma mudança ocorrida em África teve uma só causa, e, nos finais do século XIX, os povos do que viria a ser Moçambique passaram por uma mudança econômica vinda de quatro quadrantes diferentes. Primeiro, a mudança econômica adveniente da invasão maciça da África Oriental pelo capital e comércio indianos. A seguir, vieram as pressões da liberalização do comércio, de inspiração britânica, com o seu ataque ao tráfico de escravos e a defesa do comércio “legítimo”. O terceiro factor foi a transformação lenta mas significativa da economia da metrópole portuguesa, que começou a afectar a política de Lisboa em relação às colônias. O quarto, e talvez o maior veículo de mudança, foi a revolução mineira sul-africana e a criação rápida de uma grande economia industrial numa das partes economicamente mais primitivas do continente. Nos três primeiros, a mudança econômica verificou-se durante um período suficientemente longo, de modo a permitir ajustamentos sociais no antigo regime e evitar que se desse uma mudança política violenta. Porém, a revolução mineira e a procura por capital para o sector transformaram as economias da região com enorme rapidez, o que levou igualmente a mudanças céleres e de longo alcance no seu tecido político. (:291)

Estas profundas transformações que acontecem na região sul fundam a cidade de Lourenço Marques em 1898 e a transformam em capital em 1902. Estes são acontecimentos considerados fundamentais para o aumento da presença indiana no sul (Rita-Ferreira: 1982, Pereira Leite: 1996, Bastos: s-d, Zamparoni,: 2000, C. Teixeira: 2000). P. Leite e Khouri: 2003). Pereira Leite (1996) examina detalhadamente a historiografia, sistematizando os trajetos fundamentais que reconfiguram a migração indiana no período da emergência da colonização portuguesa no século XIX, os quais se traduzem nos grupos com interesses comerciais associados a inserção de Moçambique no esquema da África austral; na rota do norte associada ao desenvolvimento de Zanzibar e a configuração do poder inglês na Índia; e por último – vinculado aos processos dos séculos anteriores – as oportunidades de negócio que resultam seja do comércio ilícito de pessoas escravizadas, seja do comércio legal de oleaginosas e ainda as oportunidades de cidadãos indo-britânicos participarem da exploração mineira no Transvaal passando por Lourenço Marques.

ausente (cerca de 25% de todo o Moçambique). Mais a sul, o distrito de Moçambique (10%) era diretamente

gerido pela Administração colonial. Vinha depois a Zambézia setentrional e oriental que pertencia de facto a diversas companhias concessionárias sem privilégios majestáticos (talvez 15%) nas quais o Estado delegara uma parte dos seus poderes (especialmente fiscais). Ainda na Zambézia, o Estado conservara alguns enclaves que administrava directamente, a parte mais oriente do distrito de Quelimane e o Barué (cerca de 10%). A sul e a leste do Barué, a Zambézia meridional e uma faixa a sul do Save pertenciam a outra Companhia de Moçambique (cerca de 25%) que tinham administração própria. Finalmente, todo o sul da Colônia ficara sob a administração directa do Estado (cerca de 15%). Ao todo, o Estado português alienara, naquela curiosa colônia segmentada, as suas funções e os seus direitos - mas não a soberania - em aproximadamente 50% do território (Pélissier:135).

Os estudos mostram que, com a emergência do Estado colonial português, além da vaga migratória já estabelecida e que estava associada ao comércio mercantil já em ação no norte e que tinha deixado descendentes, outros dois movimentos migratórios se fazem presentes. O ingresso de indianos que saem da União Sul-Africana em função das políticas restritivas à sua presença. Esta migração resulta do fim dos contratos entre os proprietários de plantações de cana-de-açúcar em Natal e os coolies: indianos contratados por tempo determinado para as plantações. Findo o contrato, muitos ficaram e estabeleceram-se em Moçambique como comerciantes, empregados domésticos, nos caminhos de ferro ou em obras públicas (Pereira Leite: 1996, Zamparoni:2000). A migração de indianos da União Sul-Africana para Moçambique é explicada pelas restrições que aquela república começou a fazer em 1895 à presença asiática em seus Estados. Outra migração de indianos seria composta dos muçulmanos comerciantes da região do Gujarate, que também se estabeleceram em Moçambique. Bastos ainda destaca, como motor para o aumento da migração hindu-gujarati no final do século XIX para o leste africano, as pressões gujarates para a migração: epidemias, secas, problemas cíclicos de desemprego ou de subemprego agravados pelo declínio das indústrias têxteis, etc. (2001:198)39.