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CAPÍTULO 1. DA LITERATURA SOBRE A PRESENÇA INDIANA EM

1.1. Os temas que interessam à investigação sobre a presença indiana em Moçambique

1.1.1. A literatura reconhece os indianos como estrangeiros de longa data

1.1.1.2. O estabelecimento do Estado colonial português

1.1.1.2.3. A crise do Estado colonial nos anos 60 e 70

Em 1961, a União Indiana, independente da Inglatrra desde 1947, retoma os territórios de Diu, Goa e Damão, que até então compunham o Estado da Índia Portuguesa48. No mesmo ano, Portugal, buscando ser aceito na Organização Internacional do Trabalho - que tem como pré-requisito o não reconhecimento de trabalho escravo ou forçado - revoga o Estatuto do Indigenato, reconhecendo como cidadãos portugueses todos os nativos de suas colônias. A década de 60 marca o início da desagregação do chamado período colonial português em Moçambique, que tem seu final em 1975 com a independência. Alguns estudos (Bastos:s-d, C. Teixeira: 2000 e Pereira Leite e Khouri: 2003) referem-se às conseqüências dessa desagregação para as populações de origem indiana em Moçambique.

O final da segunda guerra mundial inspirou uma série de constrangimentos sobre o processo colonial. Portugal revisa sua Constituição em 195149. O Acto Colonial é revogado e substitui-se a caracterização de colônia pela de províncias ultramarinas. A mudança de colônia para província fazia das colônias não territórios subordinados, mas Estados espalhados no além mar. A idéia indicava que Portugal era não apenas o território ibérico, mas o conjunto de territórios que se estendia do Atlântico ao Pacífico. Neste contexto a nação portuguesa é o Império (Thomaz: 2002)50. Em 1953 regulamenta-se a lei orgânica de Portugal Ultramarino e

- eram deixadas as ansiedades da ambigüidade e também alguma margem de manobra para se posicionarem, para

quem queria estar próximo do poder, isso equivalia a esforços de “branqueamento” cultural, esforços que se construíam em cima dos estigmas que atingiam todos os sujeitos coloniais, incluindo os facultativos goeses, cuja identidade era constantemente negociada com o poder” (C. Bastos: 2004: 96).

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O Estado da Índia Portuguesa era formado pelos “territórios de Goa, com as ilhas de Angediva, São Jorge e Morcegos, na costa Malabar; Damão com os territórios de Dadrá e Nagar Aveli, na costa do golfo de Cambaia; e Diu com os territórios continentais de Gogolá e Simbor, na costa do Guzerate” (cf. Capítulo 1 da Carta Orgânica do Império Colonial Português).

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Macagno (2001) lembra que “durante o século XVIII, o termo colônia foi o mais utilizado para referir-se às possessões portuguesas. Mas na Constituição de 1820, em seu artigo 132, utiliza-se província, que permanecerá reaparecendo na Constituição de 1842. Com a instalação da República, em 1910, abandonou-se o termo província retomado em 1951” (Macagno: 2001: 70).

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Thomaz (2002) estuda a lógica interna que sustenta o colonialismo português opondo-se à idéia de que seria um colonialismo sem interesse econômico. O autor opõe-se às teses que descrevem o colonialismo português pelas suas carências (colonialimo de prestígio) ou por suas vicissitudes (representado pela teoria lusotropicalista de Gilberto Freyre). Descreve as justificações produzidas no interior do sistema colonial português, mostrando que o império surgia como uma continuidade da nação. Esta associação entre a nação e o império era a garantia da manutenção do território português frente “ao fantasma da frente ibérica”. Para sustentar a idéia de uma continuação desde o “Minho até o Timor”, a metrópole produziu “o saber colonial”, textos, exposições, artigos em jornais, documentação administrativa, que compunha um material de debate e difusão da naturalidade do colonialismo. Também Boxer (1969) opõe-se a idéia de que o colonialismo português teria origem e experiência mais tolerante em função de uma suposta relação de convivência pacífica com os mouros. Boxer descreve a intolerância dos católicos ibéricos com os mouros e na análise da relação estabelecida com o clero formado na Índia descreve as práticas racistas dos portugueses.

em 1955, o Estatuto da Província de Moçambique. Em 1956, o governo português instala a PIDE (polícia militar) na tentativa de controlar a formação dos movimentos independentistas.

Na década de 60, têm início as guerras de libertação. Em 1962, forma-se a FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique - sob a liderança de Eduardo Mondlane, líder formado pela Escola Suíça e com formação superior nos Estados Unidos. O segundo congresso da Frelimo, em 1968, define-se pela linha revolucionária e pelo uso da guerrilha. Eduardo Mondlane é assassinado em 1969 e substituído por Samora Machel, que vai liderar a guerrilha até a tomada de poder em 197551. Para fazer frente às pressões internacionais e aos movimentos independentistas, o governo português promove uma série de ações que favorecem o crescimento econômico em Moçambique de forma nunca antes vista. Cresce o setor de turismo, aumenta a população branca incentivada a migrar e estabelecer colonatos em Moçambique. O aumento da população branca faz criar um mercado interno e favorece a organização de indústrias. Cresce a exportação, chegando Moçambique a ocupar o lugar de maior produtor mundial de castanha do caju em 1974 (Pereira Leite:200). Em 1968, começa a construção de uma das maiores hidroelétricas do continente africano, a de Cabora Bassa, no centro do território. Segundo Fry (2001), como efeito contrário e com intenção e sentido de se afirmar, as colônias portuguesas, e em especial, Moçambique, sofrem uma exacerbação do processo colonial com impar crescimento52. Newit chega a considerar que a colônia obteve a independência econômica de Portugal antes da independência política.

Em 1974, o Movimento das Forças Armadas (MFA) assumiu o poder em Portugal, pondo fim ao governo militar. Entre 74 e 75, uma série de diferenças internas ao grupo que assume o poder cria um ambiente tenso com relação ao futuro das colônias. A guerra fica relativamente suspensa, um ambiente tenso se espalha nos territórios coloniais e por fim, em

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Newit destaca que a FRELIMO é formada inicialmente por intelectuais que estavam estudando ou exilados e por trabalhadores rurais que atravessavam as fronteiras e ligavam-se a movimentos políticos que estavam ocorrendo também nos territórios vizinhos. Sobre a FRELIMO há disponível farto material documentando os congressos e inúmeros estudos sobre sua formação (Mateus: 1999, Cruz e Silva: 2001). Mondlane deixou textos em que analisa o período colonial (Mondlane: 1995) e sua biografia é objeto de estudo de inúmeros pesquisadores (Klambaned e Clerc: 1990; Cruz e Silva:2001). Artigos e livros estudam e analisam a trajetória de Samora Machel (Sopa e Souto:1996).

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Regitra-se para o período: Industrias desde os anos 30 : bebidas minerais e xaropes, massa, óleo vegetal, velas, sabão e sal, cimento, cerâmica, perfume, mobiliário, fogo de artifício, recipientes de alumínio e carroçarias de autocarro. Desde os anos 60 passou a produzir: cimento, tijolos e ladrilhos, revestimento de amianto, cabos elétricos, fundição de aço, contraplacado de madeira, arame e artigos de consumo como chapéus de chuva, panelas, plásticos para uso doméstico e artigos de borracha, colchões, têxteis, pneus, rádios e bicicletas, inseticidas, curtumes, tintas e produtos farmacêuticos. Mais importante: refinação de petróleo (Newit: : 497).

setembro de 1974, o MFA reúne-se com a FRELIMO, assinando o “acordo de Lusaka”, com a transferência do poder para esta. Em maio de 1975, 250 mil considerados brancos deixam Moçambique, provavelmente em direção à África do Sul, Zimbábue e Portugal. Em junho de 1975, Samora Machel assume a presidência da República Popular de Moçambique. A descolonização é tema de inúmeros estudos e debates. Na opinião de Newit, a descolonização explica-se tanto por pressões internas quanto externas, mas também porque Moçambique já não interessava mais de um ponto de vista econômico: “só mais recentemente se compreendeu em que medida o império da oportunidade econômica perdera também credibilidade no início da década de 70 e diminuíra a ponto de não valer mais a pena lutar por ele” (:460)53.

No início dos anos 60, a perda do Estado da Índia Portuguesa causa impacto na vida das populações de origem indiana em Moçambique. C. Teixeira (2000) registra que na cidade de Inhambane lojas e residências foram invadidas e fechadas e pessoas identificadas como indianas foram concentradas no Campo de Futebol da cidade. As lojas de classificados indo- portugueses foram obrigadas a colocar na fachada a bandeira de Portugal.

S. Bastos (s-d) chama atenção ao “problema classificatório” que emerge desde a criação da União Indiana e do Paquistão. A autora afirma que até esta data (1947) os indianos não portugueses (indo-britânicos) residentes em Moçambique – ou seja, aqueles que eram de outros territórios que não Diu, Damão e Goa - eram classificados como súditos ingleses. Desde 1947, parte destes (indo-britânicos, geralmente muçulmanos), registrou-se paquistanês, enquanto os demais – em função de sua identidade com o hinduísmo – foram classificados como indianos (e não mais indo-britânicos).

Esta situação, em 1961, quando a União Indiana incorpora os territórios de Diu, Goa e Damão, coloca um problema para Portugal, que se beneficiava das funções de exportação e importação e de câmbio cumpridas pelos indianos hindus não paquistaneses e também não ex- indo-portugueses. Para ficar na colônia, aqueles que eram ainda muçulmanos ou ismaelitas requisitaram o passaporte paquistanês, mas os hindus não tinham esta chance. Bastos identifica a situação dúbia na qual se encontrava o Estado português:

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Dirlik (1997), numa análise mais geral, considera que o pós-colonialismo, antes do que uma conquista dos movimentos independentistas, resulta mais do que tudo de uma reorganização da forma de exploração do capitalismo contemporâneo, que não vê mais no sistema colonial uma maneira eficaz de exploração. Em sua perspectiva a estrutura de dominação prescinde da colonização. A inclusão de mais consumidores passa a ser mais interessante.

hesitando entre o desejo de vingar a desonra imperial e a proteção da economia nacional, entre a paranoidização dos hindus como inimigos dos interesses nacionais e a crença na sua inocência, o Governador Geral de Moçambique optou por uma solução de compromisso. Expulsar do território português uma fracção de indostânicos (satisfazendo desse modo a uma certa opinião pública) e salvaguardar as elites hindus com quem mantinha relações de cumplicidade (econômica, política e fantasmática) há décadas. É desse modo que, apesar de alguns comentários pejorativos proferidos por pequenos e médios comerciantes portugueses, importantes firmas hindus de exportação e importação não são encerradas. (Bastos, s-d: 12)

Analisando as representações da imprensa laurentina no período, Pereira Leite e Khouri (2003) notam a manifestação de pesar do governo português com relação à perda daqueles territórios e o surgimento da categoria classificatória criada como estratégia conciliatória para a manutenção dos filhos de indobritânicos nascidos na colônia de Moçambique, são os “portugueses de origem indiana, natural de Moçambique”.

Além dessa classificação estabelecida pelo Estado e diante da qual os indianos são forçados a assumir uma identidade estabelecida nesta esfera, outras classificações têm sido notadas pela literatura. Como tal, essas categorias aparecem com definições que não são necessariamente associados ao momento histórico que discutimos nesse item. Ainda assim, este parece ser o melhor momento de expô-las.

Partido do reconhecimento de uma imagem heterogênea sobre a presença indiana, Pereira Leite e Khouri identificam quatro referências pelas quais os indianos são conhecidos: a) do ponto de vista do estatuto que lhes outorga o colonizador (os goeses católicos e os outros); b) de acordo com a pertença religiosa (hindus, muçulmanos shiitas ou sunitas, católicos, parsis); c) do ponto de vista de suas diferenças intracomunitárias (hierarquia entre os muçulmanos, castas entre os hindus) e d) do ponto de vista das diferenças intercomunitárias (onde muçulmanos sunitas são considerados abertos à miscigenação com africanos, os hindus e ismaelitas fechados e os parsis abertos aos europeus). Além dessas, o estudo de Zamparoni (2000) revela que a administração portuguesa, embora utilize gerericamente o termo asiático para as populações de origem indiana, faz uso de termos considerados pejorativos, tais como: “monhé”, para indiano muçulmano; “baneane” para indiano hindu, e “goes” para indiano católico54.

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Sobre o termo monhé recolhi ainda esta explicação, num estudo da administração portuguesa sobre a presença asiática no século XIX (DA CUNHA, Joaquim D’Almeida: Estudos acerca dos usos e costumes dos Banianes,

Voltando ao período de desagregação do colonialismo português, já no período da independência de Moçambique de Portugal, o artigo de Pereira Leite e Khouri (2003) deixa notar um duplo destino que tiveram as populações de origem indiana, ficarem em Moçambique – como moçambicanos ou como portugueses, residentes estrangeiros – ou irem para Portugal. O duplo destino sinaliza, na opinião das autoras, as diferentes experiências que tiveram as populações indianas. A análise dos anúncios deixa ver um significativo número de estabelecimentos comerciais que encerram suas atividades e, de outro lado, um número de estabelecimentos que se mantiveram e que anunciam seus votos de apoio ao novo governo independente. Thomaz (2004) afirma que na altura da independência o dilema entre ficar em Moçambique ou ir para Portugal foi vivido por diferentes setores da pequena elite moçambicana, entre ela as populações de origem indiana. Thomaz destaca que tal dilema algumas vezes foi resolvido com a migração apenas de homens solteiros, os quais, depois de estabelecidos vinham resgatar sua família em Moçambique, a qual podia permanecer em Moçambique – ficando portuguesa. A expressão “ficar português”, ou “ficar moçambicano”, é utilizada para explicar a “opção” de cidadania que alguns setores sociais fizeram no contexto do pós-independência. Os estudos (Thomaz: 2004 e S. Bastos s-d) sinalizam que a migração, sobretudo de homens solteiros, foi favorecida pelo sedutor Mercado Comum Europeu, que permitiria que cidadãos portugueses pudessem transitar em outros territórios europeus.

Chaggan (2003) também registra a migração de famílias para Lisboa e a nacionalização da sede da Comunidade Hindu de Maputo. C. Teixeira (2000) registra que a independência nacionalizou o prédio da Comunidade Hindu de Inhambane, a qual foi transformada em uma Biblioteca Pública, tendo sido devolvida à Comunidade em 1981.

Bathuás, Parses, Mouros, Gentios e Indígenas. Imprensa Nacional Moçambique: 1885). Monhés: “é uso em Moçambique chamar Monhé a qualquer mouro mestiço de árabe e macua, sendo aquela palavra como um título de honra. Existe porém um povo que especialmente reivindica o direito de assim denominar-se. Tem a sede no distrito de Angoche” (pg:43). Narra uma historia que teria sido contada pelo governador do distrito: em época remota um sultão de nome Hassani, natural de Zanzibar, casou-se com a “preta Muana-moasalhi”. O casamento aconteceu quando este sultão vinha de Quelimane e “arribou terras de Angoche”. Fez um pequeno reino em Angoche que mais tarde veio a ser derrotado pelo régulo macua Mussulo-mina. Tendo encontrado sua mulher em ato infiel, casou-se com sua irmã: Muanamoa- peta com quem teve dois filhos: Mohamad Hassani (homem) e Michee Hassani (mulher): “dos dois filhos descendem todos os Monhés que também se denominam Assirazi” (43). Hassani está sepultado na ilha de Mafamede, e sua sepultura é visitada por tripulações de mouros. A língua é caracterizada como dialeto kisuahili modificada pelo trato quotidiano com os macuas. São maometanos e seguem os preceitos do Koran. Descreve aspectos da religiosidade. Diz que as mulheres usam nas orelhas uma grande rodela e diferentes furos em que metem pequenos paus e fios de missanga. Diz que são de boa índole e respeitadores da coroa, regras de casamento e herança (herda o sobrinho mais velho e não os filhos) de rituais de falecimento, danças, músicas, contratos, escrita, resolução de conflitos, o que fazem em acusação de feitiçaria.