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ANEXO 23 Boletim de Ocorrência 20

6 Aspectos éticos

Este estudo foi desenvolvido em conformidade com os aspectos éticos da pesquisa. Ao iniciá-lo, entrei em contato com o delegado responsável pela Central Judiciária de Polícia de São Borja, e apresentei-me por meio de uma Carta de Apresentação (APÊNDICE A). Solicitei-lhe que me concedesse a Autorização Institucional (APÊNDICE B) para eu selecionar e coletar, nessa instituição pública, os exemplares dos documentos que constituem o corpus deste estudo, ou seja, os Boletins de Ocorrência.

Outro aspecto ético pertinente é o Termo de Confidencialidade (APÊNDICE C), no qual minha orientadora e eu nos comprometemos a preservar a privacidade dos sujeitos envolvidos na pesquisa.

7 Estudos preliminares

Para compreender questões preliminares a este estudo, realizei algumas investigações que considero pertinente abordá-las, pois, de alguma forma, isso me auxiliou a elaborar e desenvolver esta pesquisa. Em uma dessas investigações, busquei descrever e analisar notícias jornalísticas escritas a respeito da violência doméstica e familiar.

Essas notícias são divulgadas em páginas policiais do jornal Folha de São Borja – edição impressa e virtual - e sintetizam os Boletins de Ocorrência transcritos a partir de queixas, a maioria realizada por mulheres que sofreram agressão física ou ameaça. A versão impressa do jornal possui duas edições semanais, às quartas-feiras e aos sábados.

Das quinze notas informativas, subgênero da notícia (BALTAR, 2006), publicadas na seção Plantão de Polícia, no período correspondente aos meses de maio e junho de 2010, apenas duas eram referentes a denúncias realizadas por homens. Esses homens, assim como as mulheres, registraram a ocorrência para solicitar as medidas protetivas da Lei Maria da Penha contra suas companheiras, que os ameaçaram e/ou agrediram fisicamente. Essa lei, respaldada pela Constituição Federal de 1988, é aplicada para proteger tanto mulheres quanto homens.

Os resultados indicaram, em um sentido geral, que os textos analisados possuem uma padronização de sequências, centradas no discurso narrativo, em terceira pessoa, com o objetivo específico de tornar pública a denúncia ocorrida, o que caracteriza esse tipo de atividade de linguagem como interação social recorrente no contexto de circulação do jornal. Na outra investigação, observei as representações da violência contra a mulher em um público de quarenta e cinco estudantes do Curso Técnico em Manutenção e Suporte de Informática, do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, no Instituto Federal Farroupilha, campus São Borja.

A seleção dos sujeitos ocorreu devido à diversidade de faixa etária (de 18 a 66 anos), de profissão (faxineiras, comerciantes, frentista, montador de móveis, militar do exército, entre outras) e de nível sócio-econômico. Além disso, não há uma disparidade muito grande quanto ao sexo dos integrantes do grupo, que é formado por vinte e quatro mulheres e vinte e um homens.

Como procedimento de coleta de dados, a partir de uma notícia jornalística sobre a possibilidade de um famoso goleiro de futebol ter assassinado sua ex-amante, apliquei um questionário composto por cinco questões pertinentes à violência contra a mulher. Os resultados apontaram manifestações linguísticas negativas para a violência e para o homem que agride a mulher e houve uma preponderância de representação da mulher como a

indefesa, a coitada. A maioria afirmou saber de algum caso de violência contra a mulher

próximo a sua casa, ou com alguém conhecido, assim como, todos afirmaram sua desaprovação a esse tipo de ato.

Esse breve estudo auxiliou-me a compreender melhor a teoria das representações sociais e a verificar que as pessoas se representam e representam algo ou um fato por meio das suas escolhas linguísticas ao expressarem suas opiniões, seus sentimentos, seus juízos de valor.

Além disso, verifiquei que as representações individuais, enquanto julgamentos e opiniões, se aproximam e, por isso, constroem as representações sociais. Do mesmo modo, as representações sociais influenciam as representações individuais.

8 Organização da tese

Organizei este estudo em quatro capítulos, além desta introdução e das considerações finais. No primeiro, apresento algumas abordagens sobre gênero social, especialmente, no que concerne à mulher inserida em um contexto sócio-histórico caracterizado pelo patriarcado, em que as relações de poder e de dominação do masculino sobre o feminino, por muito tempo, foram consideradas normais.

Também, descrevo o percurso do movimento feminista em busca dos direitos da mulher e pelo fim da desigualdade de gênero. Como decorrência desse movimento, é possível perceber mudanças na construção contemporânea das feminilidades e das masculinidades.

Ainda nesse capítulo, abordo aspectos da violência doméstica e familiar contra a mulher e a Lei 11.340 - Lei Maria da Penha, enfatizando-a como parte das políticas públicas para enfrentar esse problema social, ou seja, como a maneira disponível no Brasil para prevenir, coibir e erradicar esse tipo de violência.

No segundo capítulo, apresento os pressupostos teóricos das representações sociais, como origem, conceito, características e a relação das representações sociais com a linguagem, ou seja, a dialogicidade. Também, sintetizo os aspectos principais da concepção dialógica, pelo viés do sociointeracionismo.

Nesse mesmo capítulo, descrevo o Boletim de Ocorrência, já que esse gênero do discurso é o objeto de análise neste estudo. A partir disso, teço considerações sobre o discurso do Boletim de Ocorrência, que só adquire existência própria a partir de um processo de reformulação linguística da oralidade para a escrita e de um gênero para outro, devido a sua funcionalidade legal.

No terceiro capítulo, descrevo o contexto sócio-histórico de São Borja/RS de modo geral e no que diz respeito à violência contra a mulher. Para apresentar a descrição do contexto sócio-histórico de São Borja/RS, considero seus aspectos históricos, geográficos, sociais, culturais e econômicos, como contribuições para que o contexto real sobre o qual me refiro neste estudo possa ser melhor compreendido.

Nessa contextualização, descrevo o mito Maria do Carmo, uma mulher que, historicamente, representa as inúmeras mulheres que sofrem violência no contexto de São Borja/RS. Relato as ações sociais e políticas que são desenvolvidas no município com o propósito de prestar apoio e assistência às mulheres que sofrem violência doméstica e familiar, e, também, as realizadas para possibilitar a inclusão social e profissional de mulheres do município e da região que vivem em condições de subserviência.

No último capítulo, para consolidar o estudo linguístico, descrevo e analiso o gênero do discurso: Boletim de Ocorrência de violência doméstica e familiar contra a mulher. Para tanto, considero o aspecto dialógico da linguagem e as características do discurso reportado.

A violência doméstica e familiar contra a mulher ocorre no contexto privado e só se torna pública quando a mulher registra, na instituição competente, a ocorrência da ameaça e/ou da agressão. A maneira como essa mulher é representada linguisticamente no Boletim de Ocorrência reflete e refrata sua representação social contemporânea, que, entretanto, continua permeada pelo senso comum construído no decorrer da história da sociedade humana.

Por fim, nas Considerações Finais, organizo resumidamente os resultados principais do estudo, aponto as suas limitações e algumas possibilidades de novas pesquisas, ciente de que este trabalho é apenas uma contribuição para as ciências humanas, especialmente para a área de estudos linguísticos.

A partir dos resultados obtidos neste estudo, busco desenvolver a seguinte tese: o contexto sócio-histórico, marcado por relações de poder e de dominação do masculino sobre o feminino, influencia e interfere (n)as representações sociais9 da mulher em situação de violência e é pela linguagem que essas representações sociais são evidenciadas.

9

É o termo adotado pela Teoria das Representações Sociais (MOSCOVICI, 1984; 1988; 2003) para fazer menção às construções sociais e simbólicas, também é usado, com equivalência de sentido, nas abordagens de Bakhtin (1992; 1993; 1997).