• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 – GÊNERO SOCIAl E VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

1.3 Lei 140/06, Maria da Penha

1.3.3 Medidas protetivas na Lei Maria da Penha

Pela lei brasileira, quando alguém é acusado de cometer um crime, essa pessoa não pode ser presa até que sua culpa seja provada a partir de um julgamento judicial. Em alguns casos previstos na lei, pode ser decretada a prisão preventiva com o objetivo de prevenir que o acusado fuja ou cometa outros crimes antes do final do julgamento. Em casos de agressão física sem morte, roubo, estupro ou outro crime associado, dificilmente o acusado ficará em prisão preventiva. Com esses procedimentos, a lei tenta fazer valer a justiça, não prendendo uma pessoa que pode ser inocente.

De modo geral, uma lei é um tipo de discurso composto de enunciados performativos e normativos que conferem existência jurídica a determinados fatos e pessoas que advêm do discurso referencial, entendido como o mundo social anterior à fala que o articula.

É um discurso que prevê prescrições e proibições de condutas. Os comportamentos prescritos são aqueles que devem ser obedecidos e os comportamentos proibidos são aqueles que não devem ser praticados, por estarem em desacordo com o ordenamento jurídico. A linguagem legislativa, como parte

integrante da linguagem jurídica, é a linguagem dos códigos, das normas e tem por finalidade criar o direito (DE CONTO, 2010).

A Lei Maria da Penha possui um diferencial em relação às demais leis do país, pois ela é um discurso do âmbito legislativo produzido a partir de discursos feministas, de direitos humanos e de equidade social com o fim de combater a violência contra a mulher no âmbito privado. Por isso, a Lei Maria da Penha prevê medidas de urgência que podem ser adotadas nos casos em que a vítima corre o risco de ser agredida novamente, ao voltar para o domicílio, depois de registrar um BO contra seu agressor na Delegacia de Polícia ou na Delegacia da Mulher. Segundo Kato (2008), as medidas protetivas de urgência que podem ser tomadas pelo juiz, dependendo da situação e do agravo da violência e das condições da família, são as seguintes:

a) obrigar que o suspeito da agressão seja afastado da casa ou do local de convivência da vítima;

b) proibir que o suspeito se aproxime ou que mantenha contato com a vítima, seus familiares e testemunhas;

c) obrigar o suspeito à prestação de alimentos para garantir que a vítima dependente financeiramente não fique sem recursos;

d) proibir temporariamente contratos de compra, venda ou aluguel de propriedades que sejam possuídas em comum.

Além dessas medidas, há outras providências e determinações previstas nessa lei para amparar e proteger a mulher. As chamadas medidas de assistência da Lei Maria da Penha reconhecem que muitas mulheres que vivem em situação de violência dependem financeiramente de seus maridos ou companheiros – que são também seus agressores. Quando a mulher denuncia a violência sofrida, a maioria dos relacionamentos se rompe e ela precisa buscar meios para sobreviver e, geralmente, para garantir a sobrevivência dos filhos.

Assim, algumas medidas previstas na Lei Maria da Penha garantem à mulher o tratamento médico gratuito e o tratamento especial para os casos de violência sexual, em instituições públicas de saúde. O juiz também poderá determinar, amparado nessa lei, que a mulher seja incluída em programas de assistência mantidos pelo poder público, como Bolsa Família e programas de cesta básica, além de garantir vaga em escolas e creches para seus filhos, nos casos em que todos são

obrigados a mudar de casa, de lugar (KATO, 2008).

Nos casos em que há necessidade da mulher que trabalha como servidora pública mudar-se para outro município, a lei determina que ela seja removida para outro setor ou outra instituição da mesma área, sem que sofra qualquer prejuízo - perdas salariais, de benefícios, entre outros. Para mulheres que trabalham em instituições privadas, quando for necessário seu afastamento, os vínculos trabalhistas deverão ser mantidos por até seis meses (KATO, 2008).

As medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha se justificam porque, em casos de violência doméstica e familiar, vítima e agressor convivem na mesma residência e no mesmo âmbito familiar. Durante o processo de investigação da denúncia, é comum o agressor voltar a agredir fisicamente a vítima e a ameaçá-la, exigindo que ela retire a queixa e encerre a investigação. Nos casos de violência doméstica e familiar estão intrincadas relações de poder e de dominação do masculino sobre o feminino (BOURDIEU, 1995) e, assim sendo, o agressor exerce todo o tipo de poder, físico ou subjetivo, para dominar sua vítima. Por isso, os legisladores entendem que a lei penal comum não serve, pois não prevê as medidas protetivas necessárias para a mulher.

Além disso, os danos psicológicos tendem a ser mais profundos quando o agressor e a vítima moram na mesma casa. Muitas vezes a vítima não tem para onde ir e é obrigada a conviver com o medo. Com o tempo e com as discussões sobre as desigualdades de gênero, ficou claro para os legisladores que a violência no âmbito familiar é diferente e, portanto, precisa ser tratada de forma diferente.

A Lei 11.340/06, por buscar coerência nos procedimentos normativos previstos por ela, causou uma mudança significativa na legislação brasileira, no que se refere à punição ao agressor e ao estabelecimento de políticas de proteção à mulher vítima de violência e aos seus filhos, quando esses existirem. Essa mudança repercutiu nas práticas sociais, pois, com a criação da lei, muitas vítimas desse tipo de violência passaram a ter outra postura diante de seus agressores e da agressão sofrida. O índice de violência contra a mulher não baixou, mas, em virtude da existência da lei, pelo menos, aumentou o número de denúncias e de mulheres que buscam esclarecimentos sobre seus direitos, enquanto indivíduos atuantes na sociedade, que colaboram para traçar a história de um povo.

Neste capítulo, apresentei abordagens pertinentes a gênero social, desde o seu conceito às suas implicações no que diz respeito às construções sócio-históricas

de feminino e de masculino, às desigualdades de gênero, à violência contra a mulher e à Lei Maria da Penha.

A retomada das perspectivas dos diversos autores aqui referenciados evidencia o significativo índice de pesquisas voltadas às questões de gênero no meio acadêmico. A atenção de pesquisadores de diversas áreas direcionadas a esse tema, em várias academias brasileiras, possibilita uma discussão que pode ajudar a provocar as mudanças sociais necessárias à equidade de gêneros.

No capítulo 2, apresentarei concepções substanciais a essa pesquisa sobre as representações sociais, sobre o dialogismo ou dialogicidade, tendo em vista que é por meio da linguagem que as representações sociais se manifestam em contextos sociais e históricos.