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CAPÍTULO 2 – REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E LINGUAGEM

2.2 Linguagem e Interação Social

2.2.3 Discurso reportado

Na perspectiva de Bakhtin (1997), a interação pela linguagem é o pilar do princípio dialógico. É no discurso e pelo discurso que uma pessoa se projeta para a outra, criando uma narrativa que imita o real para explicar ou exemplificar uma situação, um feito, um acontecimento, entre outras possibilidades narrativas. Todo discurso que pertence a alguém tem uma determinada função na sociedade, pois as funções sociais que cada um apresenta estão estruturadas nas relações estabelecidas entre os que estão interagindo.

O ser humano é receptáculo e produtor de valores sociais. A realidade é resultado de um diálogo entre sujeito e objeto. Desse diálogo nasce o significado, destacando-se, desse modo, a linguagem na constituição social, o que torna pouco provável a análise integral do ser humano dissociado dos discursos que ele produz.

Dialogicamente, a atividade de produção de um novo discurso a partir de um discurso-base remete à presença do discurso reportado, também chamado de discurso citado ou relatado, como uma unidade integral da produção discursiva. Esse tipo de discurso constitui-se em uma estratégia discursiva da qual o produtor se vale para estruturar seu discurso.

O discurso reportado é o fenômeno linguístico concreto mais discutido por

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Blog é um diário virtual que pode ser visto por qualquer pessoa. Nos blogs, os usuários podem disponibilizar pensamentos, ideias, fotos, entre outros. Caracteriza-se pela facilidade e rapidez de atualização dos escritos e pela interatividade com o leitor, pois é um lugar de troca de comentários e opiniões sobre determinado(s) assunto(s) (BAUMAN, 1999).

Bakhtin e Voloshinov, participantes do Círculo de Bakhtin, visto que esse discurso reporta à presença explícita da palavra do outro nos enunciados (FARACO, 2009, p. 138), caracterizando, assim, o dialogismo e/ou a dialogicidade.

O discurso reportado, desse modo, aparece quando um sujeito usa elementos da fala de outro falante, ou seja, quando um enunciador recorre total ou parcialmente a enunciados produzidos por outra enunciação. Um enunciador pode reportar de um enunciado apenas aquilo que lhe for necessário ou reproduzir e marcar exatamente aquilo que lhe foi dito.

O discurso citado é o discurso no discurso, a enunciação na enunciação, mas é, ao mesmo tempo, um discurso sobre o discurso, uma enunciação sobre a enunciação. Aquilo de que nós falamos é apenas o conteúdo do discurso, o tema de nossas palavras. [...] Mas o discurso de outrem constitui mais do que o tema do discurso; ele pode entrar no discurso e na sua construção sintática, por assim dizer, “em pessoa”, como uma unidade integral da construção. Assim, o discurso citado conserva sua autonomia estrutural e semântica sem nem por isso alterar a trama linguística do contexto que o integrou34 (BAKHTIN, 1992, p. 144).

Esse discurso, entretanto, não se esgota na citação, pois é um ato que revela uma apreensão valorada da palavra do outro. Isso fortalece “uma das proposições básicas do Círculo de Bakhtin sobre linguagem,” que é a “sua estratificação socioaxiológica”35

(FARACO, 2009, p. 140).

Quando alguém quer reproduzir um efeito de aproximação, produz enunciados em primeira pessoa, no espaço do aqui e no tempo do agora, valorizando o presente. Esses procedimentos criam a ilusão de subjetividade. Entretanto, quando querem causar efeito de distanciamento, as pessoas produzem discursos em terceira pessoa, no espaço do lá e no tempo do então, reproduzindo o passado, o que causa a ilusão de objetividade (BARROS, 2001, p. 54).

Quanto ao discurso reportado em terceira pessoa, Bakhtin (1997) afirma que:

A narração de um narrador, enquanto substituição composicional do

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Grifos do autor.

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Compreendo essa expressão como referente ao(s) conjunto(s) de pessoas que detêm ou mantêm a mesma situação social no que diz respeito às relações dialógicas e aos dialetos sociais, carregados de valores filosóficos, morais ou éticos.

discurso do autor, é análoga à estilização [...], a maneira de falar do outro como ponto de vista, como posição de que este necessita para conduzir sua narração [...]. O autor não mostra a palavra dele [...], mas a usa de dentro para fora para atender aos seus fins, forçando-nos a sentir nitidamente a distância entre ele, autor, e essa palavra do outro (p. 190-191).

Nesse sentido, “reportar não é fundamentalmente reproduzir” ou “repetir”, é estabelecer, principalmente, “uma relação ativa entre o discurso que reporta e o discurso reportado”, ou seja, “uma interação dinâmica dessas duas dimensões” (FARACO, 2009, p. 140).

Para Bakhtin (1997), o discurso reportado é definido a partir de três aspectos, os quais são: o tema, a autonomia e os tipos de inter-relação entre o discurso citado e o contexto narrativo. O tema penetra no discurso e deve conservar as suas características estruturais e semânticas, assim como precisa conservar as características do discurso que o absorve. A autonomia do discurso de outro se relaciona ao fato de o discurso reportado ter seu conteúdo conservado, assim como sua integridade linguística e sua autonomia estrutural primitiva.

Outra questão importante abordada por Bakhtin (1997) diz respeito ao contexto de transmissão do discurso reportado. Esse contexto apresenta as sequências verbais que incluem o enunciado do outro e, também, os fins específicos com os quais se dá a transmissão. Além disso, envolvem uma terceira pessoa, ou seja, a quem se destinam as sequências bivocalizadas que condicionam os ajustes no dizer, de maneira efetiva ou virtual.

A importância do contexto é reforçada por Bakhtin (1993) quando ele afirma que nenhum enunciado pode ser separado da sua situação social, já que o discurso, por ser um fenômeno da comunicação social, é determinado pelas relações sociais que o suscitam. A situação se integra ao enunciado de tal forma que passa a fazer parte dele, isso faz com que a situação seja indispensável para a compreensão do sentido do enunciado.

Rodrigues (2005), sustentada por Bakhtin (1993), afirma que, extraverbalmente, um enunciado pode ser analisado a partir dos três elementos que o constituem, os quais são:

a) o horizonte espacial ou temporal: diz respeito ao onde e quando foi produzido o enunciado; diz respeito ao espaço e tempo históricos.

enunciado, ou seja, aquilo de que se fala, a finalidade do enunciado.

c) o horizonte axiológico: relativo à atitude valorativa dos participantes do acontecimento, sejam próximos ou distantes, a respeito do que ocorre em relação ao objeto do enunciado, em relação aos outros enunciados e em relação aos interlocutores.

Entretanto, não se deve crer que tanto discurso quanto enunciado refletem passivamente a situação extraverbal, ou que sejam a expressão de algo já acabado. O enunciado conclui uma situação e representa a sua solução valorativa, desse modo o enunciado sempre cria algo novo e irrepetível.

Nesta seção, apresentei alguns aspectos da teoria de Bakhtin, que estão relacionados a este estudo e que me darão a sustentação básica para desenvolver uma análise linguística do gênero do discurso Boletim de Ocorrência.