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Aspectos compositivos do De agri cultura

I. O De agri cultura de Catão Censor: aspectos da construção do texto, da linguagem e dos sentidos

2) Aspectos compositivos do De agri cultura

De início, convém explicitar o que entendemos pela boa elaboração do prefácio, a que fizemos breve menção acima. Segundo Leeman,26 especificamente ocupado em apresentar os aspectos estruturais dessa passagem do texto, traços como as repetições vocabulares freqüentes [caso do que se dá com o verbo laudare (laudabant, laudabant,

laudari, laudabatur) e o advérbio minime (minimeque, minimeque)], a disposição das

palavras em pequenos membros (Maiores nostri sic habuerunt/ et ita in legibus posiuerunt,/

furem dupli condemnari,/ feneratorem quadrupli...) e o quiasmo constituído pela ordem de

apresentação contrastiva de conceitos, em favor da valorização moral e prática da agricultura (periculum/ honestum, honestum/ periculum), são pontos importantes para a compreensão desse fator. Quanto aos dois primeiros elementos citados, ele ressalta a presença de uma certa estilização "primitiva" da linguagem, cuja ambientação de origem corresponde respectivamente à prosa romana tradicional (compreendida enquanto algo alheio aos usos gregos no mesmo domínio) e aos carmina religiosos, a exemplo do que temos no próprio De agri cultura com a invocação de Marte (uti tu morbos uisos

inuisosque/ uiduertatem uastitudinemque/ calamitates intemperiesque/ prohibessis defendas auerruncesque).27

No tocante ao quiasmo constituído pela alternância a que nos referimos, o mesmo autor se inclina por sua consideração como um elemento a que não se pode, necessariamente, atribuir afinidades exclusivas com a teoria retórica: apontando a inexistência do termo empregado para nomear essa figura em épocas anteriores ao segundo século a.C. (em que pese à ocorrência mais antiga, nos textos, do uso que a caracteriza), compreende, então, sua presença no contexto com o sentido de uma prática favorecida pela própria "espontaneidade" da linguagem.28 Em outras palavras, considerando o que se poderia interpretar em termos de uma maior tendência do uso lingüístico greco-latino para dispor elementos conforme esse modo estrutural ("a-b-b-a"), procura aqui diminuir o peso atribuído a esse ponto no tocante a seu suposto caráter de "prova" inequívoca da assimilação da teoria retórica por Catão.

Devemos esclarecer que tais recursos de relativa elaboração da linguagem não são algo exclusivo do prefácio do De agri cultura: como demonstratremos a seguir, no capítulo

destinado ao comentário comparativo e detalhado dos usos lingüísticos mobilizados pelos três "agrônomos", nota-se a presença destacada de formas variadas de repetição (sejam elas meramente vocabulares ou mais sutis, identificadas, por exemplo, com os paralelismos sintáticos)29 por toda a obra; além disso, poder-se-iam encontrar figuras30 e coordenação de membros31 dispersas em passagens subseqüentes do texto, levando-nos a subtraí-las nesse âmbito à marca do exclusivismo.

Se tais fatores não bastam para "denunciar" a incorporação da teoria retórica ao prefácio, em quais outros se poderia buscá-la? Para Leeman, a chave da questão diz respeito a seu entendimento funcional, isto é, considerando-se o modo de interação favorecido pela estrutura peculiar da passagem com o público.32 Como é sabido, cabia ao gênero deliberativo da retórica mover os ânimos dos ouvintes com vistas à decisão por um dado posicionamento; tudo se passava como se, diante das diversas maneiras possíveis de reagir (e posicionar-se) diante das circunstâncias, coubesse ao orador mobilizar os recursos persuasivos apropriados à apresentação de um único como aquele mais vantajoso.33

Referindo-se a certo preceito da Rhetorica ad Herennium, Leeman observa com propriedade o que ali corresponde a uma espécie de bipartição do conceito de utilitas (foco norteador de toda a argumentação deliberativa) sob os aspectos da segurança e da honestidade:34 o útil, para o autor do tratado, identificar-se-ia com os gestos favorecedores do resguardo do perigo, sem o prejuízo do moralmente lícito. Ora, os argumentos fundamentais mobilizados por Catão no prefácio com vistas à promoção da atividade agrícola têm justamente vínculos com ambos os aspectos citados, já que, contraposta ao grande comércio, ela se diferenciaria pela maior segurança prática e, à usura, por desvincular-se do imoral aos olhos de um tradicionalista.35

De um modo que se pode considerar complementar às observações de Leeman, Traglia, por sua vez, elaborou uma análise formal mais refinada do prefácio, chegando a conclusões semelhantes no que se refere à proposição de uma espécie de aliança entre ars e

ingenium enquanto forças de peso para compô-lo:

Não nos deve surpreender se prosa rítmica e skh/mata le/cewj são encontrados, embora em pequena medida, até mesmo no "De agri cultura", especialmente no prefácio, em que não falta algum esforço literário, a

ponto de terem sido notadas possíveis coincidências formais com os fragmentos da "pro Rhodiensibus". O estilo paratático, com que se desenvolve em parte toda a obra, adquire no prefácio uma particular eficácia expressiva. Mas também aqui o andamento periódico, breve e geralmente simples, privado de tortuosidades sintáticas, mas não privado de paralelismos, de antíteses, de quiasmos, é estruturado sobre bases rítmicas com cláusulas de "commata", de "cola" e de período.36

Assim, tendo procedido à composição de uma suasio em miniatura, Catão procura persuadir dos benefícios associáveis à atividade agrária, de modo a fazer com que os ouvintes potencialmente suscetíveis de identificar-se com o tema (o público romano contemporâneo interessado em dedicar-se com eficácia a esse setor da atividade econômica) pudessem sentir-se encorajados não só a prosseguir na leitura da obra que se inicia mas ainda, tendo-se instruído nos bons preceitos técnicos e "administrativos" do "mestre", a praticar em favor de si e da sociedade tudo aquilo que recomenda.

Tal constatação, como se nota, leva-nos à necessidade de relativizar o que afirmamos acima em termos de uma pronunciada adesão de Catão aos valores e usos pátrios: embora, como demonstram os traços "itálicos" do prefácio, muito haja em sua forma de compor que não provém da tradição retórica helenística, nesse e em outros textos do autor se tem destacado a presença da herança cultural grega, quer sob o aspecto compositivo,37 quer sob o aspecto temático. Embora o assunto não seja sempre livre de controvérsias, julgamos de utilidade apresentar mais alguns desses pontos de contato com vistas ao esclarecimento da questão, obviamente relevante em se tratando o autor, como dissemos, de uma espécie de símbolo da latinidade "genuína".

Num estudo especialmente destinado a expandir a medida da assimilação da cultura grega pelo texto do De agri cultura, Silvano Boscherini, sem ocupar-se de aspectos estruturais no sentido usual do termo, traçou uma espécie de panorama do que lhe parece corresponder aos elementos "científicos" e lingüísticos oriundos desse ambiente cultural.38 Ressaltando, assim, a relativa distorção histórica de sua personalidade em tempos posteriores, o crítico inclina-se pelo esboço da imagem de um Catão mais "moderado",

avesso, conseqüentemente, às letras gregas39 apenas na medida em que certos praticantes helênicos da arte da palavra contrariavam suas convicções morais e políticas.40

A título de exemplificação, poder-se-ia apontar como um dos "indícios" elencados por Boscherini para propor a idéia de um Catão conhecedor e veiculador do conhecimento científico grego (obtido de fontes escritas) um tópico como o seguinte:

Ainda mais significativo, já que pressupõe, a meu ver, uma concepção que tem grande peso em certa literatura fitológica grega, é o preceito contido no capítulo 46. Lá se diz que o terreno do viveiro deverá ser semelhante, tanto quanto possível, àquele em que, mais tarde, se porá a planta: "et quam simillimum genus terrae eae, ubi semina positurus eris". Ora, é sabido que Teofrasto (H.pl. 2, 5, 1) aludia ao mesmo preceito: ta\ de\ futa\ lamba/nein keleu/ousin w(j ka/llista kai\ e)c o(moi/aj gh=j ei)j h(\n me/lleij futeu/ein h)\ xei/ronoj. Mas isso nada é senão um trecho de um longo e detalhado exame sobre a degeneração e as mudanças, metabolai/, das plantas, em estreita conexão com as dos animais. É um motivo importante do pensamento peripatético, que Teofrasto desenvolve também no terceiro livro do "De causis plantarum". Por um lado se deseja excluir das metabolai/ todo suposto caráter de prodígio para remetê-las a causas naturais; por outro, quer-se ressaltar a influência que nelas exerce a ação do homem. Por isso me parece difícil explicar a presença em Catão desse preceito sem pensar no influxo da doutrina teofrástica.41

Referindo-se a tópicos pertencentes a áreas do saber muito distintas, em conformidade com a própria riqueza de temas do De agri cultura (botânica, veterinária, técnicas de cultivo, culinária, medicina, magia...), o estudioso muitas vezes não delimita com clareza, como permite observar a cautela de suas declarações a respeito de algumas das supostas fontes catonianas, as obras ou os autores de que, talvez, proviriam os conteúdos.42 É preciso ter em mente que Catão em geral não alude com explicitude a quaisquer nomes no domínio grego ou romano, de maneira que, mesmo quando se tem a impressão de afinidades próximas entre o que diz e o dito por outros, impõe-se a prudência:

não se poderia dar que, por vezes, "herdasse" saberes de forma indireta, isto é, não através de originais, mas de comentadores ou "tradições"?

No que se refere aos aspectos lingüísticos da questão, o crítico, aludindo ao caráter especializado dessa obra catoniana, acaba por situá-la no âmbito das contribuições da cultura helênica para o progresso das técnicas e ciências em Roma.43 Adentra-se, aqui, além disso, um campo de evidentes afiliações com a lexicologia e a etimologia, já que, indagando-se a respeito do tema dos "empréstimos" e "decalques" lingüísticos, Boscherini vê-se às voltas, por exemplo, com temas relativos à origem latina ou grega de certos vocábulos44 e aos sentidos das "mesmas" palavras nesses idiomas.45

No confronto entre essas duas faces do helenismo no De agri cultura, sobressai uma diferença que não se pode omitir: enquanto, na visão do autor, a presença dos conhecimentos técnico-científicos discriminados seria um sinal inequívoco da erudição "livresca" de Catão (isto é, adquirida no contato com os autores gregos e não apenas por sua experiência de vida),46 o mesmo não se dá no plano lingüístico. Como comprovam vários exemplos de "empréstimos" por ele citados,47 não é necessário que os vocábulos gregos tenham sempre chegado a Catão por meio da cultura especializada, já que, pensando na antiga convivência entre latinos e gregos na própria península itálica (onde os helenos, ao sul, firmaram sua civilização sobre sólidas bases) e nas trocas culturais ocorridas entre ambos os povos no contexto mediterrâneo, também houve grandes chances de assimilação de palavras estrangeiras por meios "espontâneos".

Apesar de sua espantosa erudição e de propor paralelos que, por vezes, de fato parecem sugerir contatos teóricos diretos entre Catão e os gregos, julgamos prudente o cuidado na apreciação das idéias de Boscherini. Com efeito, tratando-se a agricultura e a pecuária de fazeres eminentemente práticos, como garantir que as semelhanças entre ele e os demais resultam sempre da "importação" direta de conhecimentos provenientes de um modo ou de outro da palavra de autores estrangeiros e não, por outro lado, de necessidades concretas comuns? O exemplo supracitado, relativo às recomendações para o transplante das mudas dos viveiros de plantas para o local definitivo, presta-se, a nosso ver, a ilustrar essa indefinição: afinal, nada impediria que, em solo latino ou grego, os cultivadores viessem a constatar por si mesmos o recomendável nesse tópico. Poder-se-ia, então, contrapor à interpretação do crítico algo como o papel da experiência pessoal do autor (e de

seus conterrâneos) com a vida nos fundi rustici, sem a necessidade premente de recorrer a outras explicações.

Passando à breve apresentação de aspectos da língua catoniana, deve-se dizer que, além dos helenismos tratados por Boscherini, em conformidade com seus interesses particulares de encontrar pontos de contato entre os mundos grego e romano, podem-se precisar outros aspectos associáveis ao latim empregado por nosso autor.

Tem-se, em geral, ressaltado num texto como o De agri cultura a participação do elemento arcaico: inserindo-se a atividade compositiva de Catão no século II a.C., é natural que lhe tenha cabido utilizar meios expressivos característicos do período anterior à plena codificação dos princípios da prosa latina por escritores da importância de um Cícero ou um César.48 Para Till, autor de um minucioso estudo sobre o tema, o arcaísmo, bem como os traços de oralidade, são os dois principais pólos estruturadores da conformação particular da língua de Catão. Tudo se passa, nesse caso, em favor da adesão a padrões lingüísticos e estilísticos afastados da sofisticação de tempos posteriores, como se houvesse nos usos correntes do De agri cultura uma espécie de curiosa harmonia entre a rusticidade dos temas e a da linguagem.49

No domínio morfológico, citemos, como um dos exemplos de arcaísmo apontados por Till no De agri cultura, a conservação da antiga desinência dos infinitivos presentes passivos em -ier (optarier - cap. 154);50 no sintático, o emprego da preposição ergo com genitivo (cap. 132) e da preposição fini com ablativo (cap. 28),51 a preferência pela parataxe52, ou pela mera coordenação53 em detrimento da subordinação, e os usos supérfluos de pronomes possessivos, em geral omitidos no latim clássico (semen suum - cap. 31).54 Quanto ao último exemplo, é importante mencionar a opinião desse estudioso em relação a uma espécie de "prolixidade didática" dos escritos catonianos, como se o autor freqüentemente não se furtasse à reiteração e ao reforço (manifestos de formas variadas) com fins de favorecimento da explicitação forte dos sentidos para o público.55

Por outro lado, referindo-se ao elemento da língua falada, Till propõe certos elos entre esse fator e o arcaísmo: nos dois casos, por exemplo, tende a haver redundância e o parco desenvolvimento dos períodos.56 Deve-se compreender essa observação do crítico com o sentido de uma espécie de proposição da fluidez das barreiras entre ambos os campos, já que a língua latina do período arcaico não contava com todas as especificidades

de uso advindas com o desenvolvimento da escrita e sua gradual diferenciação do sermo

cotidianus.57 Por fim, embora não cite nenhuma ocorrência do tipo proveniente do De agri

cultura, faz menção ao gosto popular (e afetivo) pelo emprego dos diminutivos, decerto

bem representados na obra de nosso interesse (cap. XIII 3: labellum; cap. XX 1: columella; cap. XXI 4: armillas; cap. XXIV: fiscella; cap. XXXIX 2: laterculos...).58

Como último ponto de sua exposição a ser apresentado, tratemos de uma diferença entre os usos do De agri cultura e os do restante das obras catonianas. Segundo Till, Catão em geral evita nesse texto o emprego da desinência -ere do pretérito-perfeito (característica da antiga terceira pessoa do plural).59 Ora, considerando-se a maior dignitas arcaizante da forma mencionada e o destacado influxo desse e de outros elementos vinculados à dicção eniana em seus discursos, tem-se aqui um dado para vislumbrar princípios de seletividade compositiva na escrita do autor. Dessa maneira, afastando-se de um uso afim à poesia por essa diferenciação do dizer, Catão demonstra-nos que, consciente da maior ou menor adaptabilidade das palavras aos gêneros, já adota com alguma maturidade uma prática de pleno curso nos períodos subseqüentes da prosa latina.

Em complementação a esses aspectos, poder-se-iam também acrescentar as observações de Cesidio de Meo sobre a presença nesse texto catoniano de traços afins aos demais linguajares técnicos [a exemplo da freqüente omissão dos sujeitos (uillicus si nolet

male facere, non faciet),60 da substantivação de adjetivos61 pela elipse dos nomes (Corinthia por uasa Corinthia)62 e da preferência por certas formas sufixais na formação de palavras (circumcidaneum, praecidanea, Tripedanea, Herculanea, superuacaneus...)63]; ainda, a preocupação de Catão e outros autores técnicos em discriminar com muita precisão aquilo de que se trata favorece-lhe a natural exuberância vocabular.64

Por outro lado, deve-se dizer que a macroestruturação do texto não se caracteriza pelo eventual cuidado que se dedica, embora em nível modesto, à escrita de partes da obra. Contribui, assim, para caracterizá-la como resultado da compilação mais ou menos aleatória de tópicos o fato de que, sem ter pretendido compor um texto realmente exaustivo na abordagem dos mais diversos temas relativos às práticas agrárias, Catão privilegie a coleta e a disposição "descuidada" de informações concernentes sobretudo às culturas arbóreas (videiras e oliveiras).65

Desse modo, muitas vezes não é possível encontrar no De agri cultura os motivos a que se poderia atribuir a seqüenciação de seus capítulos. Numa tentativa de organizá-lo segundo princípios variados de coerência, têm-se proposto algumas divisões aceitáveis do conjunto dos capítulos sem, entretanto, que se chegue a aplicar critérios racionais ao todo:

Os modernos ressaltaram a incoerência do todo; contudo, certa intenção de ordenar aparece com clareza. Catão talvez tenha hesitado no início entre dois princípios, a ordem cronológica, impossível de aplicar-se ao todo e bem ou mal seguida do capítulo 23 ao 52, e o agrupamento por temas, delineado no restante da obra. No interior da parte cronológica, um agrupamento por temas já se delineia (capítulos 40 a 42, consagrados aos enxertos); o conjunto dos vinte e dois primeiros capítulos, consagrados à compra de uma propriedade, à sua gestão, aos "equipamentos" (utensílios, prédios, máquinas necessárias), mais importante, contém capítulos ou desdobramentos adicionais (visita de inspeção da propriedade, conservas de uvas ou frutos, apelo a um caleiro, épocas de corte do bosque); a partir do capítulo 54, vários grupos se destacam: de 54 a 60, cuidados dos bois e dos escravos; de 64 a 69, colheita das azeitonas e extração do azeite; de 70 a 73, remédios para os bois; de 74 a 87, receitas de "confeitaria" (com intrusão do capítulo 83); de 91 a 103, empregos da "amurca" (com intrusão do capítulo 102); de 103 a 126, preparação dos diferentes vinhos (com intrusão de quatro capítulos consagrados às conservas, 116 a 119, e do capítulo 124, espaço para numerosos comentários); de 131 a 141, sacrifícios e orações (com intrusão de elementos díspares: 133, 135, 136, 137); de 144 a 150, contratos de aluguel e venda, grupo completamente homogêneo; enfim, de 156 a 158, empregos medicinais da couve. Um certo número de capítulos não se uniu a seus grupos: por exemplo, 102 e 103 distanciam-se do grupo de 70 a 73; 153 do grupo 103 a 126; 154 deveria ter seguido 148; 161 deve ser aproximado de 6, 3 e 4; 155 pertence ao calendário dos trabalhos, de 23 a 53. Sobram capítulos à deriva: 124; 135; 136-137; 159; 160; 162.66

Acrescentamos certos traços peculiares dos capítulos catonianos: variando de poucas linhas a uma extensão bem maior, estruturam-se sobretudo com vistas a permitirem a consulta imediata de dados práticos para a ação. Assim, a presença de uma espécie de "rótulo" temático logo no início de muitos deles,67 a breuitas expressiva manifesta pela objetividade na transmissão dos comandos (encontrando-se frases curtas e precisas,68 eventualmente máximas e ditos sentenciosos69), o emprego do encadeamento seguido de tópicos miúdos,70 as enumerações e listagens71 contribuem para favorecer a eficácia comunicativa, em óbvia desvantagem da elaboração textual com fins literários.

Deve-se ainda dizer a respeito desses capítulos que se verifica significativa disparidade constitutiva entre eles não somente no fator temático, como se nota pelas palavras de Goujard acima transcritas, mas ainda por elementos de fundamental importância como a maior ou menor relevância cultural dos tópicos discutidos, os diversos modos de "presença" do autor na trama textual, ou mesmo a composição escrita. Conforme revela o contato direto com a obra, então, seria temerário generalizar em demasia as tendências manifestas ao longo de toda sua extensão como pano de fundo geral, tendo em vista a introdução de variações a ele agregadas, a que se podem atribuir as causas do nuançamento do texto.

Comentando o primeiro desses fatores de diferenciação, poder-se-ia apontar a enorme importância dos capítulos (ou trechos) em que Catão trata do aspecto humano (social, religioso, produtivo...) da vida rural. Nessas passagens, com efeito, abrem-se as perspectivas para a abordagem de temas diretamente ligados aos modos de organização social dos latinos: o capítulo CXLIII, em que se oferece o retrato sumário da uillica, permite, por exemplo, o vislumbre dos traços pessoais valorizados por esse povo na mulher.