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2 OBJETO DE ESTUDO E ASPECTOS TEÓRICOS-CONCEITUAIS

2.5 Problemas urbanos de moradia e a formação dos assentamentos

2.5.1 Aspectos definidores dos assentamentos precários

A UN-HABITAT (2003a, 2003b, 2007a e 2007b) utiliza o termo “slum” para denominar vários tipos de assentamentos precários, como a mais visível manifestação da pobreza urbana nos países em desenvolvimento, onde há combinação de privações dos domicílios. Nesse contexto, a precariedade é expressa como acesso inadequado à água potável e inapropriado ao saneamento e outras infraestruturas (ausência de ligação direta à rede de esgoto, conexão com fosse séptica, sistema de descarga e ventilação apropriada ao sanitário).

Destaca-se a baixa qualidade estrutural do domicílio, assim como o que denomina de superpopulação (presença de mais do que três pessoas por quarto de 4m2) e status de insegurança residencial (ausências de proteção do estado contra despejos ilegais arbitrários).

O Ministério das Cidades, do Governo Federal, define assentamentos precários como porções do território urbano com dimensões e tipologias variadas, predominantemente residenciais, habitadas por famílias de baixa renda. São produtos das carências associadas ao baixo nível de renda, resultando nas inadequações fundiária, urbanística, edilícia e ambiental, fundamentando a situação de precariedade em relação à cidade formal e regular (BRASIL, 2004).

Segundo o Ministério das Cidades, os principais problemas são expressos através da irregularidade fundiária, ausência de infraestrutura de saneamento ambiental, déficit de atendimento local em sistema de transporte e equipamentos sociais, ocupação em terrenos alagadiços e sujeitos a riscos geotécnicos, adensamento excessivo, insalubres e deficiências construtivas na unidade habitacional.

Ao tratar do tema, o IBGE faz referências à subnormalidade dos domicílios, considerada como conjunto de características das moradias abaixo dos padrões de

habitabilidade aceitos como normais. Ao definir “aglomerado subnormal”, utiliza critérios de planejamento de pesquisa censitária integrados a critérios urbanísticos, ao apontar que, correspondem a um conjunto de no mínimo de 51 unidades habitacionais, com carência de serviços públicos essenciais, adensamento e disposição desordenada, cuja ocupação da terra é ilegal, com problemas na urbanização ou na qualidade dos serviços públicos disponíveis no local (IBGE, 2011).

Conforme explicam de Corrêa (1999) e Maricato (2003), os grupos sociais de baixa renda são agentes produtores diretos do espaço urbano quando realizam ocupação de terrenos públicos e privados e empreendem os assentamentos precários. Esse processo ocorre à revelia dos outros agentes sociais, sem considerar a legislação vigente, sem acesso a recursos financeiros e sem a utilização de recursos técnicos especializados, como projetos de engenharia, urbanísticos e edilícios.

Nesse sentido Villaça (2001) relata que a reprodução dos assentamentos precários no Brasil é historicamente relacionada ao progressivo processo de urbanização da sociedade. Com o fim do trabalho escravo ampliou-se a necessidade de moradia nas cidades pela nova força de trabalho emergente. Com essa necessidade básica a ser resolvida individualmente por cada família, geralmente com baixo nível de renda, a habitação se tornou um problema, até a atualidade longe de ser resolvido.

Maricato (1996) acrescenta ao dizer que a multiplicação das formas de habitação precária foi motivada nos baixos rendimentos dos trabalhadores urbanos informais e formais e na insuficiência das políticas públicas de moradia no Brasil.

Autores como Martins (2006), Morais (2010), Cardoso, Sá e Cruz (2011), Bazzoti e Nazareno (2011, p.14) e Lima e Somekh (2013, p.2 e 7) discutiram os aspectos dos assentamentos precários de forma abrangente, convergindo o entendimento comum entre eles e em relação às tipologias encontradas no Brasil, como favelas, loteamentos irregulares ou clandestinos, conjuntos habitacionais deterioradas, invadidos ou ocupados, cortiços nas áreas centrais ou dispersos nos diversos bairros.

Como base nesses autores, pode-se considerar que os assentamentos precários são um fenômeno tipicamente urbano e metropolitano, inerente ao próprio modelo de desenvolvimento adotado nos países subdesenvolvidos como o Brasil. Repercutem territorialmente um processo de urbanização desigual, espacialmente concentrador, ambientalmente desordenado e socialmente excludente, marcado por elevados níveis de desigualdades sócioespaciais.

Representam a espacialização da pobreza e formação das periferias nas grandes e médias cidades na atualidade como núcleos de moradia sem regularização fundiária, ocupados majoritariamente por população com renda entre zero e três salários mínimos, que apresentam precariedade de infraestrutura, saneamento e habitação.

São territórios com urbanização marginal e propriedade da terra irregular, ocupando, inclusive, áreas non aedificandi e com elevada fragilidade. Representam uma lógica de subversão à instituição da propriedade privada e aos regulamentos urbanísticos e ambientais, constituindo-se em grandes desafios para o poder público, em todas as esferas de governo.

Acrescentam os autores que esse tipo de assentamento corresponde a áreas residenciais não integradas à cidade e sem planejamento urbanístico e arquitetônico adequado. O traçado dos lotes e o parcelamento são informais. O padrão construtivo é predominantemente de baixa qualidade, com uso de técnicas construtivas improvisadas, sem tecnologia apropriada e autoconstrução. Geralmente ocupam sítios naturais adversos quanto às condições ambientais, produzindo insalubridades e riscos.

São espaços comunitários que convergem problemas de irregularidade, precariedade e vulnerabilidade social. As irregularidades envolvem questões fundiárias, construtivas, urbanísticas e ambientais. As precariedades abrangem mobilidade, acessibilidade, saneamento, drenagem, serviços, arquitetura dos imóveis residenciais e demais aspectos urbanísticos. Todos esses fatores são influenciados e influenciam a vulnerabilidade social das famílias e repercutem no nível de habitabilidade da comunidade e qualidade ambiental do assentamento.

Mas, além de problemas, representam também soluções para a questão da moradia. A partir das demandas geradas para solução da pobreza e precariedade surge um potencial criativo que em muitos casos vem produzindo nas comunidades padrões urbanísticos e arquitetônicos razoáveis, assim como estratégias locais de redução de riscos.

Sistematizando as diversas definições, compreende-se um assentamento precário urbano como um conjunto de edificações empreendido de forma irregular, ilegal e inadequada, com a função residencial prioritária e identidade social e comunitária que o torna discernível no território das cidades. Os grupos sociais essencialmente de baixa renda são os principais agentes produtores, através de estratégias extraordinárias em relação ao mercado imobiliário formal.

Esse tipo de assentamento tem forte relação com a irregularidade fundiária. Geralmente os moradores não possuem a posse ou propriedade legal sobre a terra que

ocupam, seja individual ou coletivamente. O empreendimento é realizado de forma espontânea e não planejada, fomentando a ilegalidade pela desatenção e desrespeito quanto ao uso das técnicas construtivas e à legislação vigente (edilícia, urbanística e ambiental) no território urbano.

Quanto às condições físicas arquitetônicas e de infraestruturas urbanas, os assentamentos precários são extremamente deficientes e degradados. O desconforto e a insalubridade são marcantes. O atendimento por serviços públicos essenciais é deficitário. O adensamento populacional nos imóveis é produto da relação entre o tamanho dos lotes e residências e a média elevada de pessoas por famílias, que, além disso, formam vários núcleos de coabitação. A elevada densidade de imóveis por área dificulta a mobilidade e a acessibilidade.

Problemas sociais são as principais características da população moradora. Baixo nível de renda, reduzido acesso à educação e saúde públicas de qualidade, déficit de atendimento de políticas públicas sociais. As vulnerabilidades são múltiplas, influenciando na baixa resiliência dos grupos sociais. Miséria, fome, violência, patologias e desastres ambientais articulam as principais ameaças e riscos.