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2 OBJETO DE ESTUDO E ASPECTOS TEÓRICOS-CONCEITUAIS

2.2 A abordagem sobre desastres ambientais

2.2.4 Ameaças naturais como fator de risco de desastres

2.2.4.2 Principais ameaças naturais na cidade de Fortaleza

As principais ameaças naturais no sítio urbano de Fortaleza correspondem a eventos como inundações, alagamentos, movimentos de massa, do tipo corrida de lama, e ressacas do mar. Esse item traz elementos conceituais sobre esses fenômenos.

Autores como Villela e Mattos (1975), Tucci (1995, 2005) e Carvalho, Macedo e Ogura (2007, p.89) entendem que os eventos hidroclimáticos (figura 3) se tornam ameaças naturais principalmente nas áreas urbanas, onde a ação natural é geralmente intensificada pelos impactos do uso e ocupação inadequados, contribuindo para isso a generalizada impermeabilização das superfícies naturais e as deficiências das infraestruturas de drenagem, fatos comumente observados na cidade de Fortaleza.

Figura 3 - Diferenciação simplificada entre os eventos hidrológicos em áreas urbanas.

Fonte: http://dcsbcsp.blogspot.com.br/2011/06/enchente-inundacao-ou-alagamento.html.

Estudos da National Research Council (1995; 2000), de Moruzzi, Cunha e Conceição (2012) e da UNISDR (2002; 2016a) identificaram os eventos hidrológicos como os mais significativos para deflagração de desastres ambientais no mundo, pois ocasionam uma

quantidade incalculável de acidentes, com consequências socioeconômicas negativas, nos diversos países anualmente, principalmente em áreas urbanas.

Segundo Tucci (1995), no Brasil, os impactos das ameaças hidrológicas são generalizados na organização do território e na economia. Embora seja de competência pública, segundo a Constituição Federal de 1998, planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas (art. 21, inciso 28), a prevenção e controle de áreas de risco não constituem políticas permanentes.

As inundações são eventos naturais que se caracterizam pelo extravasamento das águas do canal dos rios, estuários e lagoas para as planícies marginais, decorrentes de episódios de chuvas intensas e concentradas, que geram vazões relativamente elevadas, como tempo de retorno médio superior a dois anos. Few et al. (2004) e Amaral e Ribeiro (2009, p.41) consideram que os fatores naturais mais importantes para a ocorrência de inundações são as precipitações pluviais, a geomorfologia dos corpos hídricos e a capacidade de infiltração e saturação de água nos solos.

Os ambientes naturais mais suscetíveis às inundações são as áreas marginais dos corpos hídricos, especialmente denominadas de planícies de inundação, várzea ou leito maior excepcional. Destacando os ambientes fluviais, as planícies mais estreitas, encaixadas (em V), exibem inundações bruscas e mais destrutivas, com grandes velocidades em curto tempo. Planícies mais abertas, extensas e com terraços fluviais, como as predominantes no sítio urbano de Fortaleza, predispõem inundações mais lentas (graduais).

Explicam Garcez (1967, p. 210) Villela e Mattos (1975, p.138), Tucci (1995, 2005) e Zancopé (2012) que, na dinâmica das inundações, o nível da água eleva-se lentamente e a água se espraia nas planícies adjacentes. À medida que o fluxo de inundação passa, a vazão decresce e as águas retornam à calha do corpo hídrico. Castro (2003) aponta que em situações de chuvas extremas e rápidos processos de escoamento superficial ocorrem enxurradas, com elevação muito rápida do nível da água e altas velocidades das correntezas.

Já os alagamentos naturais consistem na acumulação das águas de origem pluvial nas superfícies de menor altimetria local, que representam o nível de base relativo, com reduzido coeficiente de infiltração. Diferenciam-se das inundações por não haver necessariamente relação com corpos hídricos fluviais ou lacustres.

Explicam Souza (2004) e Carvalho, Macedo e Ogura (2007, p.90) que os alagamentos são formados pela parcela das águas das chuvas que escoam superficialmente e segue em direção ao nível de base do terreno por ação da gravidade. Em escala global esse

nível de base é representado pelos oceanos e mares interiores. Regionalmente, podem ser canais fluviais principais de uma bacia hidrográfica ou corpos lacustres.

Localmente, são relevantes pequenos riachos ou lagoas, mas, principalmente as áreas de inundação sazonal. Como são as superfícies de menor nível altimétrico das regiões naturais, acumulam grande quantidade de água, apresentando-se mais suscetíveis aos alagamentos.

Na cidade de Fortaleza os alagamentos são intensificados por intervenções construtivas, aterros e terraplenos inadequados e toda sorte de impactos ambientais que repercutem na redução da capacidade de infiltração dos solos, em função da pavimentação e compactação excessiva, redução das superfícies de absorção de água, como áreas vegetadas ou mesmo solos expostos. Soma-se a isso a insuficiência da capacidade de escoamento de sistemas de drenagem urbana (galerias pluviais, canais de drenagem, etc.) que favorece o acúmulo em vias, calçadas, residências, imóveis comerciais, prédios públicos, entre outros.

Dessa forma, tem-se que os alagamentos em Fortaleza decorrem de acúmulos temporários das águas provenientes de fortes precipitações pluviais intensificados pelas deficiências nos sistemas de drenagem urbana. Nesse caso, a estagnação das águas em superfície depende muito mais dos problemas de infraestrutura do que das chuvas.

Em suma, tantos as inundações quanto os alagamentos assumem papel de ameaças naturais quando relacionados aos efeitos da urbanização, sobretudo, quando atingem comunidades vulneráveis, localizadas de forma inadequada nos ambientes naturalmente receptores de grandes volumes de águas pluviais.

Os movimentos de massa são fenômenos naturais comuns nos ambientes com relevos fortemente inclinados, onde podem assumir grandes velocidades e elevado poder erosivo, se constituindo em ameaças à ocupação urbana. Impactos ambientais como desmatamentos, cortes, aterros, depósitos, modificações na drenagem, entre outros, têm aumentado a suscetibilidade das encostas às ações mais abruptas, condição agravada pelas ocupações irregulares sem infraestrutura adequada, evidentes nas dunas ocupadas da cidade de Fortaleza.

Analisam Kobyama et al. (2006) e Tominaga (2009c) que esses eventos se referem a descida de solos e rochas em encostas íngremes sob o efeito da gravidade e potencializada pela ação da água, em episódios pluviais intensos e concentrados. De acordo com os mecanismos e materiais específicos, se classificam em: quedas/tombamentos/rolamentos, deslizamentos/escorregamentos, fluxo de detritos e lama e subsidência/colapsos.

Hesp e Thom (1990) explicam que nas encostas das dunas os movimentos de massa se desenvolvem através das corridas ou fluxos de massa. Segundo Higland e Bobrowsky (2008) as corridas de massa (flow) são um tipo movimento gravitacional extremamente rápido, com extenso raio de ação e alto poder destrutivo, desencadeado por um intenso fluxo de água na superfície, em decorrência de chuvas intensas e concentradas.

Quanto à origem, podem ser classificadas como primária, quando envolvem somente os materiais provenientes das encostas, ou secundária, quando ocorrem ao longo dos canais de drenagem, remobilizando detritos dos leitos. Quanto ao material mobilizado, podem ser classificadas em três tipos básicos: corrida de terra (earth flow), corrida de lama (mud flow) e corrida de detritos (debris flow), esse último, comum nas dunas da cidade de Fortaleza.

Nas corridas de detritos em encosta de dunas, o fluxo de materiais grosseiros (areia) ocorre com elevado volume de água, velocidade relativamente alta e considerável poder destrutivo. São, em geral, movimentos rápidos, que acontecem subitamente, associados com formações superficiais facilmente desagregáveis (figura 4).

Figura 4 - Classificação de movimentos de massa.

Fonte: Kobyama et al (2006, p.52).

Segundo Hunter (1977), Jaffe et al. (1998) e Nichols (2009) os setores das dunas mais suscetíveis às corridas de detritos são as encostas mais íngremes, nas faces de sotavento (lee face) ou de avalanche, com ângulo de inclinação superior a 33º de declividade (ângulo crítico de repouso da areia seca).

Os sedimentos acumulados pelo vento nesses setores sofrem constante reativação do transporte por ação da gravidade, para a manutenção do equilíbrio do perfil de forma

natural. Na presença de elevada umidade, ocorre saturação do solo em pacotes coesos de maior dimensão, que favorece episódios de corrida de detritos (figura 5).

Figura 5 - Modelo simplificado de representação do processo de queda e fluxo de grãos.

Fonte: Nichols (2009).

Esses eventos podem estar relacionados ao aumento de pressão de fluidos nos poros entre os grãos de areia provocado pela concentração da umidade. A pressão elevada nos poros diminui a força coesiva entre os grãos de areia, que em conjunto desestabiliza toda a encosta, propiciando a corrida do material arenoso.

Guzzetti et al. (1999), Fell, et al. (2008), Cerri e Nogueira (2012, p.286) e Sepúlveda e Petley (2015) apontam os ambientes urbanos e os assentamentos precários como as áreas mais propícias à produção de riscos e desastres associados ao movimentos de massa, destacando que, a ação natural transforma-se em catástrofe motivada pela extensão das ocupações inadequadas.

Exemplos semelhantes aos ocorridos na cidade de Fortaleza foram estudados na cidade de Natal-RN (Rio Grande do Norte), por Fernandes, Cestaro e Pereira (2012) e Moreira et al. (2015). Com base nos eventos de “corrida de lama e detritos” verificados na região da Areia Preta e Mãe Luiza, nos dias 13 e 14 de junho de 2014, que mobilizaram respectivamente cerca de 5.000 m3 e 30.000 m3 de material arenoso úmido, com danos em imóveis residenciais, infraestruturas e veículos, os autores classificaram as encostas com declividades acima de 33º como altamente suscetíveis aos movimentos de massa.

As ressacas marinhas (storm surge), recorrentes no litoral da cidade de Fortaleza, também chamadas de maré de tormenta, podem ser definidas como a sobre-elevação do nível do mar durante eventos de tempestades, como resultado do empilhamento da massa de água oceânica junto à costa.

Kobyiama et al. (2006) e Paula (2012) explicam que nesse tipo de evento natural, intrínseco à zona litorânea, as águas marinhas geralmente ultrapassam as cristas das praias ou dunas (overwash) e até mesmo estruturas urbanas (overttoping). Essa ação decorre da combinação da maré astronômica e da maré de tempestade, cisalhamento do vento e presença

de gradientes de pressão atmosférica. São produzidas por ondas de longo período que adentram a costa, ou por ação dos ventos excedendo o ritmo habitual, ou ainda, pela coincidência temporal e espacial de ambos os fatores.

Paula et al. (2015, p.173 e 185) complementam aos dizer que esses fenômenos atuam de forma significativa na morfodinâmica costeira, causando a erosão de praias, dunas e falésias, galgamentos oceânicos e inundações costeiras.

Avalia Tavares (2009, p.140) que as ressacas marinhas são consideradas ameaças naturais ao intensificar o poder erosivo das ondas de tempestade quando coincide com as marés de sizígia, propiciando fortes impactos nas infraestruturas urbanas e residências localizadas à beira-mar (figura 6).

Figura 6 - Ressacas do mar: esquema da praia antes e durante uma maré de tormenta.

Fonte: Kobyiama et al. (2006).

Relata Kobyiama et al. (2006) que, no litoral da Região Nordeste do Brasil, as ressacas do mar são geradas por ciclones extratropicais intensos do Hemisfério Norte e decorrem de ventos provenientes de NE ou E, dependendo da orientação da linha de costa.