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2. A HISTÓRIA QUILOMBOLA MANDIRA

2.1 Posição geográfica e características ambientais da Comunidade

2.1.2 Aspectos físicos do município de Cananéia

Diferente da parte alta do Ribeira, na planície sedimentar da baixada o rio serpenteia lentamente os inúmeros meandros e é banhado por seus afluentes, até desaguar ao norte de Cananéia, no município vizinho, Iguape, de encontro ao extremo norte da Ilha Comprida, mais especificamente na Barra de Icapara. Toda a região do baixo vale pode ser caracterizada sob o aspecto biofísico como representante típico do complexo estuarino-lagunar, marcado pela presença de montanhas e escarpas da Serra do Mar, pequenos morros e morrotes distantes um dos outros, que mais se destacam na planície e nas ilhas perto da costa, formando distintos ambientes como ilhas, lagunas e canais. A flora da região é desenhada por mangues, restinga, várzea, vegetação hidrófila e floresta tropical, compondo uma biodiversidade rica, características típicas da Mata Atlântica.

Pasquale Petrone (1966) diferencia a Baixada do Vale do restante da fachada atlântica, por possuir uma extensa planície litorânea, que se aprofunda aproximadamente 80 quilômetros para o interior, no extremo norte e 30 quilômetros entre a costa e a Serra do Mar, no extremo sul, com largura de aproximadamente 90 quilômetros. Nesta porção de planícies retilíneas de maiores extensões apresentam trechos de terras firmes e elevadas, discretamente onduladas, com baixa densidade de drenagem. Quanto mais para o interior, a paisagem vai gradualmente sendo entremeada com traços de serra, até as escarpas da serra de Paranapiacaba a noroeste e norte, e a serra do Mar a nordeste e oeste, que a emolduram em um grande semi-círculo, formador da paleobaía. A Área abrange as três Zonas da Província Costeira: a Serrania Costeira, estando representada por quatro Subzonas, a Baixada Litorânea e a Morraria Costeira, além do Planalto do Alto Turvo, no Planalto Atlântico, conforme apresentado na tabela 1 adaptada do mapa geomorfológico do IPT (1981).

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PROVÍNCIA ZONAS SUBZONAS

Costeira

1 – Serrania Costeira

1a. Serra do Mar 1c. Serrania de Itatins 1d. Serrania do Ribeira 1e. Planaltos Interiores

2 – Baixadas Litorâneas -

3 – Morraria Costeira -

Planalto

Atlântico 13 – Planalto do Alto Turvo -

Tabela 1: Divisão geomorfológica do Baixo Vale.

Nesse mosaico de terras recortado por águas, historicamente chamado Lagamar, encontra-se ao sul, a área munícipe de Cananéia. Esta área, denominada por Petroni (op. cit.) de Recôncavo de Cananéia, é formada pela ponta sul da Ilha Comprida à leste, pela Ilha de Cananéia estendida de nordeste ao centro, pela Ilha do Cardoso ao sul e pelo continente a norte, noroeste e oeste (ver “Mapa Panorâmico” no Anexo 1).

A abundância hidrográfica certamente está relacionada à uma pluviosidade elevada, de 1.500 a 2.000mm anuais, com precipitações constantes durante o ano, sem uma estação de seca. Contudo, os traços do relevo regional e a proximidade da Serra do Mar funcionam como protetor dos ventos continentais e como tampão das massas de ar do Oceano, produzindo uma dinâmica atmosfera regional responsável por manter o clima quente e úmido.

A temperatura também permanece constante na maior parte do ano. Nos meses de inverno, quando chove menos, de junho a agosto, a massa de ar frio proveniente do pólo sul no ambiente úmido da região provoca queda brusca da temperatura, chegando a mínima de 10º C. No verão, com chuvas em 50% dos dias a temperatura atinge 40º C.

Associado à geologia, o complexo sistema hídrico desta região proporciona constantes processos de transformação da paisagem. Segundo Adams (2000), as águas da Mata Atlântica podem ser divididas em dois tipos: as claras e as escuras. Os rios de águas claras são alimentados pelas águas de chuva e originam-se nas escarpas da Serra do Mar. Como o substrato do Pré-Cambriano (da Serra do Mar) é muito antigo, com lixiviação avançada, há baixíssima adição de nutrientes à água da chuva. Portanto, a alimentação da fauna de insetos aquáticos é basicamente dos materiais em

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decomposição vindos da mata. Ao atingirem a planície costeira, forma-se uma rica fauna de peixe.

Já os rios de água preta, são lentos cursos d´água que drenam lentamente a planície aluvial da restinga. Com elevação média de 4 metros, estas planícies permitem a entrada da água do mar, dependendo das condições da maré e da época do ano. Nas épocas de chuva, principalmente, os nutrientes da decomposição incompleta da matéria orgânica proveniente dos ecossistemas de alto relevo são devolvidos pela água do mar ao ambiente costeiro da restinga, promovendo a cor escura dos rios (ADAMS, 2000:77). A restinga é uma formação vegetal com substrato Pleistoceno-Holoceno, compondo ambientes entre a encosta das Serras e a linha costeira. As formações mais antigas estão situadas no interior e em altura de até 10 quilômetros do nível do mar e a elas estão associadas às ocupações humanas mais antigas da faixa litorânea do Baixo Vale do Ribeira. O terreno é sedimentar, formada por cordões litorâneos paralelos à linha costeira. A sedimentação constante e o assoreamento provocaram a fusão destes cordões de sedimentos marinhos predominantemente arenosos com base argilo- arenosos, denominada Formação Cananéia (SUGUIO, 1973). Extremamente pobre em nutrientes, a topografia é praticamente plana, marcada por pequenas depressões onde o solo pode apresentar composição mais rica, com a deposição de turfas, que permite o aparecimento de uma vegetação de maior porte. As plantas epífitas são predominantes, como as bromélias, as orquídeas e as aráceas. Já a fauna é reduzida, geralmente composta por roedores introduzidos ou lagartos raros.

Outro ecossistema importante formado em ambientes de costa protegida e banhada pela maré são os manguezais. Formados da mistura de águas doce e salgada e a consequente riqueza de nutrientes fazem com que os manguezais sejam zonas de elevada produtividade biológica, uma vez que são encontrados representantes de todos os elos da cadeia alimentar. Esses ambientes são vistos como fixadores de energia por possuírem abundante diversidade de espécies de peixes, crustáceos, poliquetas e um grande número de bivalves, que buscam refúgios nas raízes das plantas. Por ser um ambiente intermitente entre os momentos encharcados e inundados pelas águas salobras, sua vegetação desenvolveu um grande sistema radicular, que escora vegetações arborescentes ou arbustivas.

Além da rica cobertura vegetal, a fauna do Lagamar também é extremamente diversificada. Composta principalmente pela fauna aquática, com diversas espécies de peixes, camarão, tartarugas, anfíbios e molusculos em geral, como ostras (Crassostrea

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brasiliana), além de mamíferos aquáticos, como os botos-cinzas (Sotalia guianensis).

Entre outros animais da Mata Atlântica encontramos no Lagamar animais de médio e grande porte, como anta, macaco-prego, bugio, quati, tatu, gambá, tamanduá, raposa, veado e a onça-pintada. Existem também os repteis e em maior quantidade as aves, muito apreciadas tanto pelas populações locais como pelos visitantes.