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4. AS DIVERSAS OCUPAÇÕES NO TERRITÓRIO MANDIRA

4.1 Lugares de histórias e histórias dos lugares: os sítios arqueológicos

4.1.4 A Camboa/ O Caratuba/ Os Sambaquis

Outros três sambaquis localizados no fim da trilha do Porto-de-fora, depois da ponte do rio Caratuba (ou seja, fora da área do território Mandira), também foram atingidos pelo empreendimento da Fosfasa. Em 1984, o pesquisador Caio Del Rio Garcia do Instituto de Pré-História da Universidade de São Paulo, que realizava o levantamento dos sambaquis da região, solicitou perante o CONDEPHAAT o tombamento da área dos três sambaquis situados no lote 27B do loteamento, para a preservação das “jazidas pré-históricas”. Tal solicitação foi aprovada pelo parecer da Conselheira Dorath Pinto Uchoa, do CONDEPHAAT e, após os trâmites legais, foi

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decretado (perante resolução 30 publicada no Diário Oficial, em 22 de agosto de 1987) 26,50 alqueires de terras de área tombada, no local onde se encontram os três sambaquis. Diante da impossibilidade de explorar os recursos do Sambaqui e seu entorno, a empresa desistiu do projeto de loteamento da área.

Toda a área dos três sambaquis tombada encontra-se na margem sul do rio Caratuba, ou seja, fora do território Mandira (ver mapas no Anexo 1). Por ser propriedade privada fomos impedidos pelo encarregado, senhor Júlio Souza, de chegar à área.

Ainda no território Mandira encontramos outro sambaqui na região da Camboa, próximo a Barra do Mandira (UTM 22J 0798543/ 7229185). O entorno do sambaqui era habitado por uma família de caiçaras que viviam da roça, da pesca, da caça e da criação de animais. Hoje em dia o lugar não é habitado, mas os Mandira reconhecem como lugar bom pra apanhar tatu. Entre os Mandira existe a relação entre sambaqui e tatu. Dizem que os tatus gostam de fazer tocas nos

sambaquis, por serem lugares que não alagam. Por isso, onde tem sambaqui é lugar bom pra pegar tatu.

O Sambaqui da Camboa aparenta maior integridade em relação ao sambaqui do Mandira, no entanto, nenhum tipo de estudo sistemático ali foi efetuado, mesmo seu cadastro permanece inédito para na literatura arqueológica. Em nosso estudo

apenas um caminhamento oportunístico foi realizado no intuito de reconhecer o sítio, tomando as coordenadas geográficas com auxilio de GPS, o registro fotográfico de sua localização na paisagem e de alguns materiais encontrados em superfície. Com esses dados realizamos o cadastro do sítio no CNSA/IPHAN, conforme Anexo 4.

Figura 76: Sambaqui da Camboa em destaque na paisagem.

Figura 75: Pilão encontrado no sambaqui Camboa.

Figura 77: Objeto lítico encontrado, provável quebra-

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Também trata-se de um sambaqui em formato monticular de aproximadamente 10 m de altura, não sendo possível nesse momento estimar as dimensões de sua base. Os caminhamentos no sítio indicam um sambaqui sem cerâmica e sem vestígio de ocupações recentes. Por outro lado, batedores, percutores, manos, pilões e

quebra-coquinhos em diferentes matérias-primas líticas são encontrados com bastante frequência por toda superfície e entorno do sítio. Igualmente verificado no sambaqui do Mandira, este sambaqui é composto por conchas de diferentes espécies, com

predomínio das ostras (Ostrea sp.), conchas de berbigão (Anomalocardia brasiliana) e, neste caso, ostras decimétricas são bastante frequentes. Outros restos faunísticos fizeram parte dessa estrutura, atestado por fragmentos de ossos de peixes ali dispersos pela superfície.

Localizado próximo a Barra do rio Mandira,

em frente ao Mar-de-dentro e distante alguns metros das áreas de ocupação históricas não foram detectados cortes ou evidências de desmontes na estrutura desse sambaqui ocasionados pela ação humana. Entretanto, banhado pelo rio Camboa, a erosão fluvial tem intensamente retrabalhado sua base e flanco nordeste. O desgaste pela constância do movimento da maré expõe camadas sobrepostas de diferentes constituições, resultando em uma sequencia estratigráfica complexa. Contudo, apenas um estudo sistemático nesse sítio pode de fato revelar sua composição, suas sequencias estratigráficas, datações e processos formativos ali envolvidos.

Segundo Uchôa e Garcia (1983), ao longo do Baixo Vale do Ribeira podemos encontrar mais de uma centena de sambaquis. As pesquisas de Neves & Okumura (2005) sobre a existência de afinidades biológicas entre indivíduos provenientes de sambaquis fluviais do rio Ribeira, datados do início do Holoceno, com indivíduos dos sambaquis da costa sul do estado de São Paulo, confluindo com semelhanças da cultura material e da própria forma estrutural de ocupação pela acumulação de conchas suporta a hipótese do Vale do Ribeira ter sido um corredor facilitador do fluxo gênico das

Figura 79: Fragmento de osso de peixe.

Figura 78: Espécies de conchas.

Figura 80: Nei Mandira na base exposta do sambaqui.

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populações do planalto ao litoral. Segundo essa análise, a região do Baixo Vale teria sido, então, o local a ter recebido os primeiros habitantes da costa sul e sudeste brasileira: os sambaquieiros.

Em estudo recente, Flávio Calippo (2010) estabelece um modelo de ocupação da sociedade sambaquieira no litoral do Estado de São Paulo, tendo em vista alguns fatores, entre estes a variação da linha costeira. Baseado nos estudos sobre sambaquis, nos estudos geomorfológicos e nos batímetros do fundo marinho que indicam algumas paleovales, paleoáreas estuarinas, paleolinha costeira de praias ainda estruturadas em áreas do Oceano, este pesquisador apontou locais e momentos históricos nos quais foram formadas as condições de maior potencial de preservação dos sítios e formação de grandes corpos lagunares e ambientes marinhos protegidos, ideais para o estabelecimento de um modo de vida sambaquieiro.

Para a região de Cananéia, este modelo de ocupação humana indica que os sambaquis podem ser relativos há pelo menos, dois momentos: 1) no primeiro momento evidencia-se o conjunto de sambaquis construídos nas partes mais altas do relevo de Cananéia, denominados “Sambaquis da Fase Transgressiva II”, referente ao período entre 8 mil e 5.100 anos AP., quando se processava a elevação do nível do mar na região; 2) no segundo momento, o conjunto de sambaquis evidenciados parece ter sua distribuição espacial associada ao rebaixamento do nível do mar, iniciado após 5.100 ano AP., conjunto denominado “Sambaquis da Fase Regressiva” (CALIPPO, 2010:82- 84). Estudos arqueológicos sistemáticos nesses sítios devem contribuir para clarificar questões como essas e fornecer mais subsídios interpretativos sobre o histórico de ocupação do Baixo Vale do Ribeira.