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Aspectos histórico-políticos no Período da Dinastia Sargônica (PDS, 2350-2200)

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1.3 Aspectos da Vida na Suméria

1.3.2 Aspectos histórico-políticos

1.3.2.4 Aspectos histórico-políticos no Período da Dinastia Sargônica (PDS, 2350-2200)

A dominação da Dinastia de Acad – de Sargão e de dois filhos e um neto dele – significou para a Suméria uma extrema mudança de situação, principalmente em três aspectos: pela primeira vez, toda a Suméria foi governada por um único soberano; pela primeira vez, esse soberano era oriundo de uma cidade-estado fora da Suméria e tinha sua capital fora da Suméria; pela primeira vez, a Suméria fazia parte de um império que abrangia regiões de toda a Mesopotâmia e além dela. Isso causou uma crescente influência de elementos culturais diferentes, no caso, acádicos, ou seja, semitas, e principalmente uma volta irreversível para estruturas cada vez mais hierárquicas, dinásticas e imperiais.

O nome “Sargão” vem do acádico “šarru.kin” e significa “rei verdadeiro, legítimo” – um forte indício de se tratar de um usurpador. As notícias de sua origem, sua subida ao trono de Kiš e suas sucessivas conquistas militares estão permeadas por traços propagandistas e lendários e precisam de uma leitura extremamente crítica em cada um de seus detalhes. Seu teor geral é a escolha e proteção de Sargão pela deusa Ištar, na Suméria identificada com Inana. Depois de aproximadamente 16 anos de governo regional, Sargão fundou, através de guerras (não temos notícias de alianças pacíficas), o

164 Um paralelo sul-americano desse achado é o “Cemitério Real de Sipán”, da cultura mochica (séc.2-3 EC), no litoral norte

do Peru, que recentemente esteve em exibição em São Paulo; cf. ALVA, Walter (org.). Tesouros do Senhor de Sipán, Peru:

O esplendor da cultura Mochica. São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2006, 200p.

165 LEICK, Mesopotâmia, 139-142; NISSEN, History, 151-155; ROAF, Mesopotâmia 1, 82-84.90-93; SELZ, Sumerer, 44-47. 166 SAFAR, Fuad; MUSTAFA, Mohammad Ali; LLOYD, Seton. Eridu. Bagdá: Republic of Iraq, Ministry of Culture and

primeiro império (documentado) do Antigo Oriente (“Império Sargônico”). Este, segundo notícias contemporâneas e posteriores, abrangia os territórios das cidades-estado de Umma, Lagaš, Uruk e Ur até o Golfo Pérsico (ou seja, toda a Suméria, conquistada em três guerras contra Lugalzagesi), e muitas cidades e/ou regiões em toda a Mesopotâmia, na Síria e na Anatólia Oriental, bem como na parte ocidental do atual Iraque e ao longo das duas costas do Golfo Pérsico. No entanto, temos notícias de muitas revoltas e sublevações na Suméria e em outras partes desse império. Conforme notícias posteriores, Sargão construiu sua capital em Acad, uma localidade até hoje não identificada.167

A medida mais bem conhecida de seu reinado (2334-2279) em prol da consolidação de seu poder na Suméria foi, além da introdução compulsória do acádico como língua administrativa em todo o Império, a instalação de sua filha Enheduana como sumo sacerdotisa de Nana, o deus da cidade de Ur. Ao longo de quase 2000 anos, desde Sargão (I) até Nabônido (556-539), esta medida foi copiada (com sucesso variado): o cargo de sumo sacerdotisa de Ur estava sempre com as filhas dos soberanos do respectivo império (mas no caso dos dois filhos de Sargão permaneceu com Enheduana). A tentativa de interferir nas dinastias políticas locais, instalando reis de sua escolha (“filhos de Acad”, com o título de ensí), não teve sucesso.168 Também o fato de Enheduana ser finalmente expulsa de Ur (temporária

ou definitivamente?), pelo clero local, mostra a força da resistência local.169

Depois da morte (natural) de Sargão foi entronizado seu filho Rimuš (2278-2270) que continuou as conquistas de seu pai, submetendo Elam e Baraši (reinado ao leste de Elam), depois de combater várias revoltas na Suméria e em Acad. Após o assassinato de Rimuš, num golpe de palácio, seguiu ao trono outro filho de Sargão, Maništušu, possivelmente um irmão gêmeo de Rimuš (o nome significa “Quem está com ele?”), e talvez o irmão mais velho (2269-2255). Ele continuou as conquistas e consolidou o domínio sobre a parte setentrional do império, as regiões de Assur e Nipur, e também foi assassinado numa revolta palacial.170

167 LEICK, Mesopotâmia, 107-109; LLOYD, 137-138; MIEROOP, History, 60-61; NISSEN, History, 167-169; NISSEN/HEINE,

75-76; POSTGATE, Mesopotamia, 40-41; ROAF, Mesopotâmia 1, 94-95; SELZ, Sumerer, 65-66. Cf. também

168 MIEROOP, History, 62; POSTGATE, Mesopotamia, 40-41; ROAF, Mesopotâmia 1, 95; SELZ, Sumerer, 67-69.

169 Intimamente vinculado a essa situação é seu poema “Ninmešara”, “Exaltação de Inana”, ETCSL 4.07.2. A interpretação

unilateral desse poema por certas autoras mostra quais resultados desastrosos pode ter uma pesquisa feminista que dispensa uma análise sistêmica complexa da conjuntura em questão e enfoca, quase de modo fundamentalista ou essencialista, meramente o aspecto de gênero, ou seja, o aspecto de a obra ter sido escrita por uma mulher, e nesse caso ainda por uma mulher que é a primeira pessoa do mundo conhecida como autora de uma obra literária. Cf. para isso também as discussões abaixo, nos Capítulos 2 e 3.

170 A seqüência Rimuš – Maništušu é indicada na grande maioria das fontes e também não carece de certa lógica no

contexto dos demais documentos. Por isso, desconsiderei a possibilidade de inverter a seqüência, seguindo uma versão da Lista dos Reis Sumérios publicada recentemente por Nissen. Cf. MIEROOP, History, 64; NISSEN, History, 168-169; POSTGATE, Mesopotamia, 41; ROAF, Mesopotâmia 1, 96; SELZ, Sumerer, 70.

Seguiu-lhe no trono seu filho Naramsin (2254-2218) que continuou as guerras e conquistas e cujo reinado é tido como o auge do Império Acádico. Durante seu reinado aconteceu a “Grande Revolta”, em várias fases, primeiro de Acad sob a liderança de Kiš e depois da Suméria sob a liderança de Uruk, todas sufocadas em batalhas extremamente complicadas e sangrentas. A notícia de que tribos do leste teriam destruído Acad durante seu reinado provavelmente não é correta.171

O fim da Dinastia Sargônica chegou durante o reinado de seu filho Šarkališarri (2217-2193, o nome significa “Rei de Todos os Reis”) cujo reino, marcado por muitas campanhas militares contra revoltas internas, sofreu também pressão externa pelos amoritas e pelos gutis. Na Suméria, os soberanos de Uruk, Lagaš e Ur reconquistaram sua independência regional, e também Šarkališarri parece ter sido assassinado durante uma revolta palacial.172 Não é claro se seus sucessores

pertenciam à dinastia sargônica, e na Lista dos Reis Sumérios, após a menção de Šarkališarri, encontra-se pela primeira vez uma quebra do esquema de sucessão (278-296): “Depois: quem foi o rei? Quem não foi rei? (variante: Quem foi rei efetivamente?). Irigigi foi rei, Imi foi rei, Nanum foi rei.” Isso indica uma fase sem liderança política central clara, geralmente caracterizada como “anarquia”.173

Até hoje não é claro se a cidad e de Acad foi finalmente destruída pelos gutis, em sua invasão na cidade e em algumas regiões ao norte dela, durante o reinado dos acádicos Dudu ou Sudurul, como insinua a lamentação “Maldição de Acad”, ou se ela perdeu simplesmente sua importância devido às mudanças advindas com a ascensão dos gutis.174

É difícil avaliar o impacto efetivo do Império Sargônico sobre a vida cotidiana das pessoas comuns da Suméria, no sentido de oferecer dados, depoimentos e interpretações contemporâneos. Apenas podem-se tirar algumas conclusões básicas a partir dos fenômenos principais, segundo os impactos que seus paralelos mostraram e mostram em outras culturas. Sabe-se que qualquer integração de uma região ou de um país num império pode ter vantagens e benefícios para aqueles grupos das elites que cooperam com a política imperial, mas que geralmente significa um aumento da opressão sobre as pessoas comuns, principalmente em termos econômicos. Também os impactos sobre as culturas locais são geralmente violentos e destrutivos e, ainda que se conte com influências mútuas e resistências locais (cuja presença no caso da Suméria se evidencia durante os períodos

171 LEICK, Mesopotâmia, 108; LLOYD, 142-143; MIEROOP, History, 64-66; NISSEN, History, 167-169; NISSEN/HEINE, 79-

81; ROAF, Mesopotâmia 1, 96-97; SELZ, Sumerer, 71-72.

172 MIEROOP, History, 64-67; NISSEN, History, 170-171; NISSEN/HEINE, 82-83; ROAF, Mesopotâmia 1, 97; SELZ,

Sumerer, 72-73.

173 NISSEN, History, 185-186; SELZ, Sumerer, 74; cf. ETCSL 2.1.1.

174 ETCSL 2.1.5; cf. MIEROOP, History, 68; NISSEN, History, 169-170; NISSEN/HEINE, 82-83; POSTGATE, Mesopotamia,

seguintes), estruturas e valores impostos por uma elite externa costumam ser ainda mais agressivos do que os impostos por uma elite interna. Principalmente, porém, é preciso lembrar que o PDS significa um tempo de 150 anos de constantes guerras, revoltas e repressões cujas conseqüências devem ter sido as mais cruéis imagináveis.

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