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3 AS POLÍTICAS PÚBLICAS E A GOVERNANÇA PARA O

4.1 Aspectos históricos da Governança

Para Weiss (2000), o termo governança está na moda, mas o conceito é tão antigo quanto à história humana. Segundo Kaufmann e Kraay (2008), o vocábulo governança não é novo e discussões iniciais são datadas de pelo menos 400 anos a.C. ao Arthashastra15, um tratado para o governo do estadista Kautilya, ministro-chefe e rei da Índia. Nesse tratado, Kautilya foi apresentado aos principais pilares da ―arte da governança‖ que enfatizava a justiça, a ética e as tendências anti-autocráticas, detalhando, ainda, o dever do rei de melhorar, manter e proteger a riqueza estatal bem como os interesses públicos.

15Arthashastra foi o primeiro tratado que o grande filósofo e estadista indiano Kautilya, contemporâneo de Aristóteles, escreveu para seu reinado e tinha como objetivo aumentar a riqueza do monarca e de seu reino, pois Kautilya não distinguia entre a riqueza do soberano e de seus súditos (WALDAUER; ZAHKA; PAL, 1996).

Araújo (2002) relata que os conceitos de governança, embora tenham existido de forma embrionária desde o surgimento dos Estados modernos no século XIX (democracia liberal-burguesa), apenas em um período mais próximo, começaram a integrar o debate nos meios acadêmico e político. Conforme Gomides e Silva (2009), cada vez mais, nos últimos anos, tem-se falado na necessidade de transparência das decisões políticas e do envolvimento dos cidadãos no processo de decisão, ou seja, uma mudança no modo de governar, o que hoje se denomina governança.

Segundo Araújo (2002), atribui-se, via de regra, a Samuel P. Huntington, um cientista político norte-americano contemporâneo, a primeira citação do conceito de governança, ainda nos anos de 1960, época na qual os termos dominantes eram ―segurança nacional‖ e ―ameaça vermelha soviética‖, mas, somente após a crise dos Estados nos anos de 1970 e o aprofundamento do processo de integração ou internacionalização das economias por meio da globalização, é que o termo governança passou a ser encarado como um instrumental analítico importante para a compreensão de todo este período de transformação sem precedentes pelo qual se estava passando.

Nas palavras de Huntington (1968), o que estava em jogo na sociedade, na realidade, era a capacidade de

criação de instituições políticas suficientemente adaptáveis, complexas, autônomas e coesas para absorver e ordenar a participação desses novos grupos e promover a mudança social e econômica na sociedade. Quando tudo isso não ocorre de maneira satisfatória, a questão da governabilidade (da sociedade) e da governança (do Estado) passam a viver uma crise pretoriana, ou melhor, uma sociedade pretoriana caracteriza-se como a ausência de instituições políticas efetivas capazes de mediar, refinar e moderar a ação política dos grupos (...), as forças sociais se enfrentam cara a cara; não há instituições políticas nem grupos de líderes políticos legítimos para moderar os conflitos entre os grupos (HUNTINGTON, 1968:58).

Nesse contexto e de acordo com Domingues Filho (2004), as formas de manifestações sobre a busca da maximização da eficiência do Estado e os desafios postos pela democracia são, de um lado, a governança e a institucionalização de instituições democráticas ou, de outro lado, a ausência de governabilidade: pretorianismo.

Segundo Weiss (2000), o termo governança tornou-se comum nos círculos de desenvolvimento e de destaque no léxico de política pública internacional somente nas décadas de 1980 e de 1990, quando muitos acadêmicos e profissionais internacionais empregaram o termo para conotar um conjunto complexo de estruturas e processos, tanto públicos como privados, enquanto escritores mais populares tendiam a usá-lo como sinônimo

de governo16. Câmara (2011) acrescenta que as crises políticas e institucionais verificadas a partir dos anos de 1990 associadas às questões de reestruturação das relações sociedade- Estado, à institucionalização de novas regras sociais, às mudanças nas relações econômicas resultantes da globalização, às mudanças nos modelos de gestão pública e à revolução tecnológica da informação e comunicação mostram-se como desafios ao estabelecimento de uma nova ordem mundial.

Alves e Bursztyn (2009) relatam que, antes de ser empregado em nível global, o termo governança foi aplicado em análise dos comportamentos na administração de empresas, sob a denominação de governança corporativa e, posteriormente, foi incorporado no discurso do setor público e das organizações da sociedade civil da maioria dos países ao redor do mundo. Weiss (2000) enfatiza que os organismos bilaterais e multilaterais têm estabelecido como condição para o financiamento de projetos e programas, a inclusão de atributos da governança em suas metodologias de elaboração e execução.

Para Gomides e Silva (2009), a ampliação do debate sobre governança se deve certamente à retração do Estado, promovida pelas políticas neoliberais das últimas duas décadas e à evidente incapacidade das enfraquecidas instituições públicas em lidar eficientemente com os crescentes problemas urbanos e, desse modo, seria possível distinguir entre versões de governança que enfatizassem como objetivo principal o aumento da eficiência e efetividade governamental e outras versões que focalizassem primordialmente o potencial democrático e emancipatório de novas abordagens de governança.

Cabe enfatizar que, pelo menos, dois movimentos contribuíram para o fortalecimento do termo governança: por um lado, a disseminação das ideias e práticas neoliberais e consequente redução do papel regulador do Estado; por outro, a proliferação de organizações não-governamentais e as pressões exercidas no sentido de incorporar no processo político e na gestão de políticas públicas, atores externos ao aparato estatal (WEISS, 2000; FONSECA e BURSZTYN, 2009). Assim, verifica-se que as ações que outrora eram exclusivamente políticas de Estado passaram a receber uma crescente influência externa.

Acrescenta-se a esses dois movimentos, conforme Câmara (2011), as crises ambientais globais, regionais e locais verificadas nas últimas décadas que estão levando as

16 Para Sammy Finer citada por Rhodes (1996), governo possui as seguintes definições: (a) atividade ou processo de governar; (b) condição de regra ordenada; (c) método, forma ou sistema pelo qual uma determinada sociedade é regida. Para Camargo (2008), governança não é o mesmo que governo e, em casos extremos, pode haver governança sem governo e governo sem governança. Para essa autora, governo sugere uma autoridade formal dotada de poder de polícia, que garante a implementação das políticas públicas instituídas. Paavola (2007) distingue entre governo e governança, considerando a ausência de poder coercitivo do Estado como a marca de governança, no entanto, a governança é o que os governos fazem.

nações a buscarem modelos mais efetivos de desenvolvimento que reduzam as taxas de perdas de recursos ambientais, a poluição e a degradação ambiental. Salienta-se, ainda, que esse mesmo autor considera que as

crises geralmente são associadas a questões estruturais, às novas relações sociedade- Estado, à institucionalização de novas regras sociais, às mudanças nos modelos de gestão pública e à revolução tecnológica da informação e comunicação. Tais mudanças e os seus desafios trouxeram consigo novos conceitos, como o de globalização, governabilidade e governança. Esses conceitos vêm sendo aplicados nos contextos global, regional, nacional, subnacional e local.

O final da década de 90 e o início do terceiro milênio caracterizam um período de transições nos modelos de desenvolvimento, de relações entre sociedade e governo, de relações políticas entre as nações, de novas regras de mercado, novas relações de poder, levando a uma reestruturação significativa nos sistemas de governo, nas instituições, nas regras, nas normas e no comportamento da sociedade (CÂMARA, 2011:2).

Percebe-se, dentro desse contexto, que o crescimento e a difusão do termo governança indica noções bem estabelecidas de um novo turno em fazer política e possibilita a entrada de novos atores sociais e de novos temas, pois diferentes atores encontram pontos comuns para trabalhar acordos políticos eficazes além de encontrar soluções aceitáveis para todos que estão implicados no sistema constitucional da democracia representativa (GOMIDES e SILVA, 2009).

Dessa forma, historicamente, a palavra governança vem servindo para designar diferentes formas de governar, falando-se, atualmente, cada vez mais, sobre a necessidade de se criar esferas de governo mais próximas e mais sensíveis às demandas da população e de um novo modo específico de governar (OLIVEIRA; BARCELLOS; GREEN, 2007).